Xian e o porquê da Nova Rota da Seda aterrorizar o Ocidente, por André Vltchek
A neve está caindo nas largas calçadas da histórica cidade de Xian, mas as pessoas não parecem nada perturbadas pelo intenso frio.
Xian, uma das cidades mais antigas da China, é agora vibrante, optimista e incrivelmente bonita. Tem calçadas pavimentadas com pedras caras e espaço mais do que o suficiente para os pedestres, para as bicicletas eléctricas, para plantas, para árvores e para paragens de autocarros.
As tentativas do Partido Comunista de transformar a China numa "civilização ecológica" são visíveis a cada passo: as árvores são respeitadas e protegidas, encoraja-se o andar a pé de forma confortável, enquanto que resistentes, eficientes e super-modernos transportes públicos como o metro ou os autocarros eléctricos são extremamente baratos e ecológicos. E as scooters também são todas eléctricas, e também os triciclos que são usados para o transporte de passageiros entre as estações de metro.
Quando comparadas com a maioria das cidades asiáticas, e mesmo com as dos Estados Unidos e as da Europa, as metrópoles chinesas, incluindo Xian, parecem uma espécie de futurísticas áreas urbanas. Mas não são "impessoais" nem atomizadas. São feitas para o povo e não contra ele.
Xian é onde a antiga Rota da Seda costumava começar, ligando a China à Índia, à Ásia Central e ao Médio Oriente.
Tem um significado muito especial e um simbolismo profundo na história chinesa, e é essencial para o presente e o futuro da China.
Xian é a mais velha das quatro antigas capitais, lar do Exército de Terracota do Imperador Qin Shi Huang. Este enorme património mundial é um titânico símbolo de lealdade, resistência e optimismo. Segundo a lenda, a totalidade do gigantesco exército seguiu o seu comandante para a outra vida, pronto para defendê-lo, a lutar por ele e, se necessário, a oferecer a própria vida num derradeiro sacrifício. O que significará tudo isto? Estes bravos guerreiros, de sorriso no rosto, mostravam-se prontos a sacrificar as suas vidas apenas por um imperador, ou será que a sua determinação visava defender a nação e talvez até a humanidade inteira?
Seja como for, é enorme, e contemplar as dimensões deste monumento dá arrepios arrepios no corpo inteiro.
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A uns 50 quilómetros de distância, na Estação Norte da cidade de Xian, um exército composto pelos mais rápidos comboios da terra alinha-se em inúmeras plataformas. Estes belos comboios-bala ligam Xian a Pequim e Xangai e, em breve, a Hong Kong. Alguns deles já aceleram em direcção à cidade de Zhangye, que é a primeira etapa da nova rota da seda ferroviária e que em breve estará ligada ao extremo noroeste da China, a Kashgar. E Kashgar situa-se a apenas 100 km da fronteira com o Quirguistão, e a 150 km do Tajiquistão.
Aqueles que pensam que a China é, simplesmente, um país do norte da Ásia, bem longe do resto do mundo, deveria pensar duas vezes. No centro de Xian há um bairro muito movimentado semelhante aos que podem ser encontrados em qualquer vibrante cidade do Médio Oriente. Há uma grande mesquita, um bazar e filas infinitas de coloridas barracas, ourivesarias, restaurantes e comida halal. Muitas mulheres aqui usam roupas e lenços coloridos, enquanto que os homens cobrem a cabeça com solidéus muçulmanos.
A parte ocidental da China é uma vibrante mistura de culturas da Ásia do Norte e da Ásia Central. E a antiga capital da China, Xian, é famosa e admirada pela sua identidade multi-cultural. Tal como a antiga União Soviética, a China comunista é um país enorme e diversificado.
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E o Ocidente não gosta do que vê.
O Ocidente odeia aqueles comboios de alta-velocidade que, a uma tremenda velocidade, e de forma barata e confortável, cobrem distâncias de milhares de quilómetros. Odeia o caminho que a China leva, rumo às antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central e em breve, esperemos nós, rumo ao Afeganistão, Paquistão, Irão, Rússia e, um dia, talvez até à Índia.
O Ocidente odeia o espírito optimista do povo de Xian, assim como as sábias e simultaneamente inovadoras políticas ambientais da China.
Odeia que em cidades como Xian não haja favelas nem sem-abrigos, e quase nenhuns mendigos. Que em fez de anúncios haja belas pinturas com mensagens destacando virtudes socialistas, incluindo a igualdade, o patriotismo, o respeito uns pelos outros, a democracia e a liberdade. Odeia que a maioria das pessoas aqui pareça determinada, saudável, de bom-humor e optimista.
O Ocidente odeia apaixonadamente o facto de que a China é essencialmente comunista, com uma planificação central da economia e políticas sociais tremendamente bem sucedidas (até 2020, a China acabará com as últimas zonas de pobreza extrema), lutando inclusive por uma civilização ecológica.
A China desafia a propaganda Ocidental que incute nos cérebros das pessoas o cliché de que toda e qualquer sociedade socialista tem de ser monótona, uniformizada e infinitamente aborrecida. Quando comparadas com cidades como Xian, até as capitais europeias parecem chatas, deprimentes, sujas e atrasadas.
E, no entanto, a China não é rica, ainda não é. Pelo menos no papel (leia-se: usando estatísticas produzidas e controladas sobretudo pelos países e pelas organizações controladas por Washington, Londres e Paris), o seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, compilado pelo PNUD) é o mesmo que o da Tailândia. E, no entanto, o contraste entre os dois países é por demais enorme. A Tailândia, uma sociedade feudal glorificada no Ocidente devido ao seu firme apoio à ocidental Guerra do Vietname e devido ao seu comportamento anti-comunista, está a sofrer com o colapso da sua infraestrutura (não há transportes públicos fora de Banguecoque, os aeroportos e o sistema ferroviário são horríveis), com o monstruoso e quase "indonésio" planeamento urbano (ou falta dele), com as favelas, com os intermináveis engarrafamentos e com a quase total falta de controlo do governo sobre os negócios. Na Tailândia, a frustração está em toda parte e a taxa de homicídio, consequentemente, é ainda maior do que a dos Estados Unidos (per capita, de acordo com dados da INTERPOL), enquanto que a da China é uma das mais baixas do mundo.
Mas, acima de tudo, o Ocidente odeia a crescente influência da China sobre o mundo, particularmente entre os países que têm sido brutalizados e saqueados por corporações e governos europeus e norte-americanos. E receia que eles acabem por compreender que a China está determinada a pôr termo a todas as formas de imperialismo e a erradicar a pobreza da face da terra.
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Xian é onde as velhas e novas rotas da seda têm os seus pontos de partida. A nova rota é chamada de Iniciativa do Cinturão e Rota e, muito em breve, contará com dezenas de milhares de quilómetros de ferrovias e estradas conectando e cruzando a Ásia, a África e a Europa, retirando da miséria milhares de milhões de homens, mulheres e crianças. Uma vez concluída, todos sairão beneficiados.
Mas esta é uma realidade que não agrada o Ocidente. "Todos sairão beneficiados" é um conceito totalmente estranho e até hostil, pelo menos nas capitais ocidentais. Até agora, apenas o Ocidente, além de uns poucos países "escolhidos" e altamente obedientes (como o Japão, a Coreia do Sul ou Singapura) têm sido autorizados a prosperar, formando um clube de nações cujo acesso se obtém estritamente "por nomeação".
A China quer que todos sejam ricos, ou que pelo menos não sejam pobres.
A maioria dos asiáticos adora a ideia. Os africanos adoram-na ainda mais. A nova elegante estação de comboios de Nairóbi, no Quénia, é um novo símbolo, uma promessa de um futuro melhor. Linhas de eléctricos em Addis Abeba, a construção de uma linha de comboio de alta-velocidade que atravessará o Laos, tudo isto são maravilhas que, há poucos anos atrás, eram inimagináveis.
O mundo está a mudar, principalmente graças aos esforços determinados da China e da Rússia para, finalmente, destruir o colonialismo ocidental ("projecto" que começou tão bem após a Segunda Guerra Mundial, mas que, tirando no papel, nunca foi totalmente concluído).
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Xian está se erguendo. No Ocidente, costumava-se dizer que a vida na China estava melhorando apenas em Pequim, Xangai e Guangdong.
Depois dizia-se que, na costa pacífica, tudo bem, a vida era melhor, mas mais a oeste... Só que Xian, Chengdu, Kunming e outras cidades, entretanto, seguiram o mesmo caminho.
E, entretanto, os propagandistas voltaram à carga: "as cidades chinesas estão a sair-se bem, mas o campo está a sofrer". Em seguida veio a ideia do presidente Xi de uma "civilização ecológica" e reformas decisivas destinadas a melhorar os padrões de vida e a qualidade de vida em todo o país (o mais populoso da terra). Em 2018, pela primeira vez na história moderna, foi revertida a migração, indo agora das cidades chinesas para as áreas rurais.
É preciso repetir uma e outra vez, até que se inculque no cérebro das pessoas, que: depois de 2020, não haverá mais miséria extrema na China.
No nosso próximo livro "China e a Civilização Ecológica", num diálogo entre mim e o proeminente filósofo John Cobb Jr, John, que tem vindo a trabalhar muito de perto com o governo chinês em questões como meio-ambiente e educação, explicou que:
Quando comparo o sucesso da China em prestar séria atenção à saúde do seu ambiente natural e dos cidadãos necessitados, com a atenção prestada pelos países europeus, a minha razão para apostar na China resulta da relativa confiança de que esta manterá o controlo governamental sobre as finanças e as empresas no geral. Se o fizer, também poderá controlar os média. E a ser assim, terá possibilidades de fazer com que as corporações financeiras e industriais sirvam o bem nacional da forma como este é entendido pelas pessoas que não estão ao seu serviço. Governos menos centralizados são menos capazes de controlar as corporações financeiras e outras cujos interesses de curto prazo podem entrar em conflito com o bem comum.”
Essa poderá bem ser a principal razão pela qual o Ocidente se mostra horrorizado, tentando antagonizar a China por todos os meios possíveis: se a China for bem-sucedida, o colonialismo entrará em colapso, assim como o corporativismo que, como um monstro de um conto popular, devora tudo o que lhe passa à frente da vista.
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Face a milhares de determinados soldados de terracota, eu senti a grandeza da China.
Imaginei centenas de milhões de homens e mulheres construindo a nação; milhões de estaleiros de construção, não só China, mas também no estrangeiro. Lembrei-me dos meus vizinhos em Nairóbi, quando vivia em África, esses optimistas engenheiros chineses, bem-humorados mas duros, que costumavam caminhar juntos todas as noites. Eu gostava e admirava o seu espírito.
Para mim, eram como os soldados de terracota dos tempos modernos: corajosos, determinados e leais. Leais não ao imperador, mas à humanidade. Não seres militarizados, mas pessoas que estão construindo, construindo um mundo muito melhor em todos os cantos do globo, muitas vezes com as suas próprias mãos. E continuam, apesar do cáustico ressentimento e do niilismo desferidos contra eles pelo Ocidente.
Em Xian, estive em frente ao velho portão onde tudo começou, há muitos séculos atrás; onde começou a Velha Rota da Seda. Agora, tudo parece aqui voltar, como num grande ciclo. É o recomeço.
Estava frio. Estava a começar a nevar. Mas eu estava imensamente feliz por ali estar, e senti-me vivo e cheio de optimismo em relação ao futuro da humanidade.
Dei alguns passos simbólicos. Milhões antes de mim fizeram-no também. Milhões irão de novo fazê-lo, muito em breve.
André Vltchek
Traduzido para o português por Luís Garcia
Versão original em inglês aqui.
André Vltchek é um filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu e cobre guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus últimos livros são Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o revolucionário romance Aurora e um trabalho best-seller de análise política: “Exposing Lies Of The Empire”. Em português, Vltchek vem de publicar o livro Por Lula. Veja os seus outros livros aqui. Assista ao Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo, assim como ao seu filme/diálogo com Noam Chomsky On Western Terrorism. Pode contactar André Vltchek através do seu site ou da sua conta no Twitter.
Fotos de André Vltchek.