Vivendo em Doğubeyazıt - I, por Luís Garcia
DOS BALCÃS AO CÁUCASO – EPISÓDIO 19
Estou bem, aonde não estou, porque eu só quero ir, aonde eu não vou, porque eu só estou bem, aonde não estou, porque eu só quero ir, aonde eu não vou, porque eu só estou bem... aonde não estou. (Estou Além, António Variações)
26.06.2014
No primeiro dia em Doğubeyazıt começámos por nada fazer, dormindo a manhã toda, para recuperar da viagem. Eram 2 da tarde quando ganhámos coragem para ir tomar o pequeno-almoço no restaurante a céu aberto do Hotel Ararat! Mehmet Arık, o amigo de Claire, veio ter connosco enquanto comíamos, eufórico para ouvir novidades de Claire e saber se tínhamos dormido bem no quarto de hotel que nos pagou. Antes de irmos embora do restaurante tivemos a feliz oportunidade de encontrar o primeiro estrangeiro, um japonês muito viajado, muito interessante, com muitas estórias para contar. Vale a pena andar na estrada só para encontrar gente assim!
Ao sair do hotel, tive o primeiro impacto do extremo bom acolhimento local: toda a gente diz “olá ou “boa tarde” e sorri, boa parte convida de imediato a beber uns chás! Ah, como é social a vida por estas paragens! Íamos para a agência de turismo de Mehmet, a nossa nova casa durante os próximos dias. Como Claire é amiga de longa data de Mehmet, o imponente escritório estava reservado para nós, onde instalámos no chão uma cama ao estilo local, e onde durante o dia me inspiro nas paredes e secretária plenas de história para escrever o diário de viagem apimentado de política.
Mehmet é um senhor de 60 anos, poliglota, muito viajado, faz todos os trabalhos possíveis e conhece toda a gente em todo o lado na Turquia e países vizinhos. Uma mina infindável de inspiradoras estórias de aventuras, da Mongólia à Europa! Para se ter uma ideia, é amigo de Abas Kiarostami e Bahman Ghobadi, 2 dos realizadores iranianos maisinteressantes e cuja obra cinematográfica eu muito admiro, sobretudo Kiarostami! Que luxo de amizades, hehe!
Por incrível que pareça, e embora ganhe a sua vida sobretudo com o turismo (escaladas guiadas ao monte Ararat com aventureiros estrangeiros), Mehmet passa o tempo à varanda do escritório observando a rua, na ânsia de encontrar viajantes de bicicleta a quem sempre oferece dormida gratuita no grande quarto de visitas da agência, assim como água para tomar banho. Hoje (26.06.2014), por exemplo, está a hospedar 1 alemão e 4 suecos, todos viajando de bicicleta (blog dos suecos: happytour.se).

Quase ao fim da tarde pegámos nas bicicletas de um sueco e um alemão e subimos a rua íngreme (e em péssimo estado) que liga a cidade de Doğubeyazıt à grande atracção histórica: o Palácio de Ishak Pasha. Pelo caminho tive a primeira oportunidade para dar de caras com o nacionalismo militar opressivo da Turquia sob a minoria curda que é maioritária na região. Acredite quem quiser mas, em plena cidade onde 99% dos habitantes são curdos, existe várias bases militares turcas, enormes! É claustrofóbico passar numa rua banal, de comércio por exemplo, e se encontrar cercado por quartéis, postos de vigia e militares armados até aos dentes!
É ridículo o dinheiro que a Turquia gasta para mostrar aos curdos que são curdos e não turcos, que é o caminho mais curto para convencer curdos a defender ideias independentistas e não ao contrário… um grande tiro no pé da Turquia por estas paragens. Veja-se, por exemplo os textos escritos a letras gigantes, com pedras, nos montes em volta desta cidade curda: “Que alegria ser turco”, “acima de tudo uma nação [turca]”. E mais, num país (Turquia) em que por todo o lado se encontram magníficas pistas de asfalto que atravessam e ligam as principais cidades, por que raio o asfalto teima em não chegar a Doğubeyazıt e outras cidades curdas. Na minha opinião, não será fazendo curdos sentirem-se diferentes que a Turquia conseguirá convencer a nação curda a permanecer de forma pacífica integrada na sociedade turca e no estado turco. Enfim.

Bom, a caminho do palácio de Ishak Pasha tivemos o primeiro grande encontro de Doğubeyazıt, quando Claire parou para falar com Yunus, uma jovem pastora de cabelo rapado que tenta se fazer passar por rapaz, mas que a nós não conseguiu enganar. Acontece muito por estas paragens (sobretudo nas populações rurais) mulheres verem-se obrigadas a disfarçar-se de homem para poderem sustentar uma família na qual escasseiem machos. Yunus, de uma extrema timidez e simpatia, convidou-nos a vir jantar à sua casa quando pudéssemos ou quiséssemos. Prometemos que o faríamos e continuámos o suicídio de subir o monte de bicicleta rumo ao palácio. Para nossa grande alegria um mini-autocarro parou para nos dar boleia (sim, com as bicicletas) até ao cimo! Uma vez chegados ao palácio, o condutor pediu-nos para tirar umas fotografias com o seu amado autocarro fazendo de cenário, e convidou-nos a vir jantar a sua casa quando quiséssemos! Ahhh, 2 convites para encher a barriga em menos de 10 minutos! É isto Doğubeyazıt!
À noite Mehmet, que também é um excelente cozinheiro, preparou um banquete que ofereceu a nós, aos suecos e ao alemão! Começou mesmo bem a nossa estadia por Doğubeyazıt!!!

Álbuns de fotografia
- 92 - hotel gratuíto em Doğubeyazıt
- 93 - Doğubeyazıt I
- 94 - Palácio Ishak Pasha
- 95 - Jantar com Mehmet Arık em Doğubeyazıt
Luís Garcia, 03.04.2017, Chengdu, China
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