Terrorismo-colonização da Síria, por Luís Garcia
De onde vem o ISIS
Acabei o último artigo falando sobre um grande desespero mediático por omissão. Ora essa mesma omissão, enorme e escandalosa, é o tema deste artigo: a terrorismo-colonização da Síria pelo Império da Guerra (aka EUA). Este plano de balcanização da Síria começou a ser implementado definitivamente em Junho de 2014, aquando da aparição súbita de 30.000 mercenários na Síria, vindos do Iraque através do deserto que separa os 2 países, apetrechados de novo e moderno equipamento militar norte-americano capturado em meia dúzia de dias às novas tropas regulares iraquianas do norte do Iraque que vinham de receber esses novos equipamentos e tinham sido dias antes abandonadas de forma súbita pelas tropas norte-americanas. O plano era simples e funcionou na perfeição. Os EUA, após transformar os polícias e militares iraquianos despedidos no tempo de Bush em mercenários de guerra, agora, no tempo de Obama (2014), esses mercenários seriam integrados numa nova organização terrorista norte-americana: o ISIS. Treino sim, entrega massiva e descarada de moderno equipamento norte-americano não. Então, para mascarar esse descaramento, os EUA armaram (enorme e estranhamente) as tropas regulares iraquianas e de forma também muito estranha abandonaram-nas subitamente no norte do país. Resultado: em poucos dias perderam quase toda a região norte para o recém-nascido ISIS, quase sem resistência, o que permitiu ao ISIS adquirir equipamento militar capaz de sustentar um exército moderno. A partir deste evento, o que tinha parecido estranho, passava a ser lógico.
Se os EUA tivessem a mínima intenção de parar a captura de armamento pelo ISIS e consequente construção de um exército terrorista poderoso, e dado que ainda se encontravam dezenas de milhares de militares norte-americanos no sul do Iraque, Obama poderia ter autorizado a destruição do exército do ISIS na sua fase embrionária. Se Obama quisesse evitar a fuga de 30.000 membros do ISIS para a Síria, poderia ter autorizado a facílima chacina desse exército do ISIS nos 2 ou 3 dias que levaram a atravessar o deserto sírio-iraquiano, período durante o qual esse exército terrorista seria alvo ridiculamente fácil de um massivo bombardeamento aéreo que mataria o mal pela raiz e não poria em risco a vida de civis inocentes. Mas não, Obama ficou a assobiar enquanto via a caravana passar. EUA tinha todos os meios para o fazer, e tinha a obrigação moral de o fazer, pois tinha sido o seu absurdo erro de organização que tinha permitido ao ISIS se armar e partir armado para a Síria. Não terem os EUA de Obama reagido a este desenrolar de eventos prova algo muito simples de compreender: os EUA desejavam a invasão da Síria pelo ISIS e, assim sendo, os eventos no norte do Iraque que levaram à criação do exército do ISIS não teriam afinal sido um erro de organização norte-americano mas sim o contrário, um sucesso de organização norte-americano.
Plano A e Plano B
Este sucesso na criação e armamento indirecto do ISIS poderia vir a ser importante para as ambições colonialistas dos EUA na Síria, caso a agressão norte-americana disfarçada de guerra civil não alcançasse o seu objectivo fundamental, a destruição do estado laico de al-Assad. Como todos sabemos, foi mesmo isso que aconteceu, os EUA e seus aliados ocidentais não conseguiram nem conseguirão nunca derrubar o estado laico de al-Assad. Podem atacá-lo, enfranquecê-lo, impor-lhe sanções que torturam de fome e doença o povo sírio, mas não podem derrubar o estado sírio, em grande parte devido ao apoio essencial do Ezbolá, Irão e Rússia.
Assim sendo, sempre tinha valido a pena, para os EUA, a ocupação de mais de metade da Síria com o seus ISIS, pois só com a presença deste se poderia passar à segunda fase da agressão à Síria, fase que mais tarde passou a ser apelidada pelo próprio John Kerry de "Plano B" (em 2016). É que os EUA são governados por gente muito profissional nas artes da barbárie, do sofrimento e da morte, mas muitíssimo fraquinhos na arte de bem se exprimir. Quando se fala de um Plano B, subentende-se a existência de um Plano A, não?. Se os EUA tinham um Plano A, então tinham pelo menos um "plano" anterior para a Síria, certo? Pois claro, e o plano era derrubar o governo legítimo da Síria. Se o plano era dos EUA, e chamava-se Plano A, esse plano não poderia então ser de nenhuma oposição civil síria, tal como sempre nos quiseram vender! Aliás, basta ver de que forma bem armada e militarizada começaram os protestos "civis" e "pacíficos" em 2011 em Daraa para se perceber onde e como começou o Plano A. Esse plano começou numa mesquita de Daraa controlada pela anglo-saudita Irmandade Muçulmana a poucos quilómetros da fronteira com a Jordânia, onde armamento estrangeiro foi armazenado durante as semanas que se seguiram à assinatura do acordo de construção de um gasoduto na Síria em parceria com o Irão e a Rússia no início de 2011, gasoduto esse que era suposto trazer gás iraniano até junto do mercado europeu. Os EUA desde 2001 que pressionavam o governo Sírio para aceitar o seu próprio projecto, em parceria com a Arábia Saudita, e que deveria trazer gás qatari para o mercado europeu. Como al-Assad se portou mal, bem mal, a seguir às armas que encheram a mesquita até ao tecto, vieram os mercenários estrangeiros que, nas nossas TV's embrutecedoras, seriam pintados de "civis sírios protestando".
Pese embora a miséria e a morte multiplicada por milhões, todos sabem que o norte-americano Plano A não deu em nada, não alcançaram o objectivo final, apesar das organizações "rebeldes" terroristas do Plano A ainda se encontrarem na Síria, organizações como o Exército de Libertação Sírio, a al-Qaeda/al-Nusra e mais um imensa lista delas que já me fartei de citar em artigos deste blog. Não terem dado em nada não significa no entanto que tenham perdido utilidade para os EUA. Não, bem pelo contrário. Mas já lá iremos.
Voltando ao Plano B, que não fique no ar a ideia que esse fosse a criação do Estado Islâmico (ISIS) no verdadeiro sentido do termo "estado". Não. O Plano B de John Kerry, como ele mesmo afirmou, é o de criar um estado curdo nas zonas ricas em petróleo e gás da Síria e pobres em percentagem de população curda. Sim, um Curdistão Sírio num país com poucos curdos, numa região desse país onde curdos são ridiculamente minoritários. Estranho? Bahhh, chama-se Engenharia de Estados, é uma arte que serve para inventar países como Kuwait, Brunei, Sudão do Sul, Kosovo e tantos outros! E para acabar já com esse assunto de minorias curdas, queria relembrar ao leitor que não só curdos sírios são minoritários quer na Síria inteira quer nesta zona específica do nordeste da Síria, como também a esmagadora maioria dos curdos sírios são fruto da perseguição de curdos na Turquia perita em limpezas étnicas e que tiveram a sorte de viverem ao lado do estado sírio multi-étnico e multi-confessional com uma longa tradição de acolhimento e assimilação de perseguidos e refugiados. Seguindo esta magnífica tradição antiga síria, já no século XXI, e por decisão de al-Assad, esse conjunto de curdos da Turquia refugiados na Síria obteve a plena cidadania síria. Portanto, mesmo que, em resultado desta política de recolha e nacionalização de refugiados, a Síria tivesse passado a ter um região habitada maioritariamente por curdos (o que não é verdade), não haveria argumento possível que sustentasse a criação de um estado independente curdo em território sírio. Façam-no na Turquia onde vivem mais de 15 milhões, ou no norte do Iraque. Agora na Síria, a sério?
Estratégia de Implementação do Plano B
- a) ISIS conquista terreno à Síria;
- b) mediatiza-se o carácter demoníaco do ISIS;
-c) alguém conquista terreno ao ISIS;
- d) Síria não tenta reconquistar terreno a esse alguém pois ainda tem de combater "rebeldes" terroristas de um lado e ISIS de outro;
- e) esse alguém declarar-se-á mais cedo ou mais tarde independente, mantendo-se sobre ocupação militar dos EUA, isto é, um estado vassalo dos EUA.
Todos estes pontos porque o Plano A, a guerra de procuração (proxy war), ou seja, a guerra de agressão de EUA e aliados contra a Síria, disfarçada de guerra civil, falhou. E mais, porque por mais que se venda na máquina de propaganda de EUA e aliados a imagem de uns "rebeldes" terroristas muito boa gente, não há forma de obter apoio das populações dos EUA e Europa para mais uma guerra convencial de conquista e subjugação de um estado, neste caso o Sírio. Pelo contrário, a luta contra a derradeira materialização do mal na terra poderia, com muita arte e efeitos especiais hollywoodescos, levar essas mesmas populações a aceitar ou pelo menos a fechar os olhos a uma intervenção militar directa na Síria que tivesse como objectivo oficial a destruição dessa encarnação do mal.
Claro que, antes de o fazer, teriam de mediatizar e bem os feitos grotescos do ISIS, essa encarnação do mal escolhida para o efeito. Daí toda a programada pornografia de jornalistas e reféns ocidentais vestidos de cor-de-laranja sendo queimados vivos ou decapitados por membros do ISIS. Para quem tenta encontrar a informação que procura, em oposição àqueles que aceitam de forma irreflectida aquilo que acreditam ser informação produzida pelos médias globais, foi por demais óbvia a existência de um plano objectivo dos EUA por detrás de toda essa sangrenta pornografia. Porquê? Porque o que não faltam online são imagens e vídeos de torturas e execuções de civis sírios e soldados sírios pelo ISIS e também pelos "rebeldes" terroristas. Uma pesquisa no youtube e uma pessoa pode encontrar, por exemplo, vídeos extensos de corpos de soldados sírios vivos sendo cortados e desmembrados; ou decapitados; ou executados às dezenas e centenas de uma vez só. Horror ISISiano era, portanto, matéria que não faltava, infelizmente. Por volta de 2015, mediatizar os hollywoodescos fatos-de-macaco cor-de-laranja, alguns possivelmente encenados, transparecia a necessidade do Império da Guerra de demonizar o mais possível o ISIS antes de poder declarar a guerra santa contra o ISIS, ou seja, a colonização do território sírio ocupado pelo ISIS.
Em paralelo a essa mediatizada demonização do ISIS iam sendo definitivamente implementadas as Forças Democráticas Sírias, os cruzados do século XXI encarregues de "destruir o ISIS", supostamente.
Forças Democráticas Sírias
Quem são as FDS - Quem são as Forças Democráticas Sírias, ou melhor, quem não são? As Forças Democráticas Sírias não são nem democráticas nem tampouco são sírias. Antes uma mistela de organizações armadas sem organização política e, consequentemente, sem qualquer relação com o conceito de "democracia", não podem de todo ser democráticas. Mais, essa mistela de síria não tem coisa nenhuma! Irra! Uma mistela ilegalmente organizada e implementada pelos EUA, estado agressor, que combina EUA, NATO, Peshmergas (curdos iraquianos submissos a Israel), curdos turcos (PKK) e curdos turcos naturalizados sírios (YPG), temos pena, mas não é de forma alguma uma organização síria. Não dúvido das boas intenções de boa parte dos membros do PKK e do YPG quanto à vontade de libertar a Síria do terror ocidental mas, no entanto, é bem sabido que outra parte, sobretudo em posições hierárquicas superiores, deixaram-se comprar pelos EUA em troca de um prometido futuro estado curdo em terras roubadas à Síria. É uma questão delicada e constantemente saem informações contraditórias, é verdade. Se no início do conflito PKK e YPG combatiam sem dúvida ao lado do governo de al-Assad, hoje é certo que pelo menos uma parte desses curdos sírio-turcos, juntamente com os ladrões dos peshmergas, NATO e norte-americanos, estão firmemente envolvidos na criação desse tal Curdistão.
Quando surgiram as FDS - Apesar de não poder citar aqui nomes de indivíduos, sei de fonte confiável que tropas da NATO de vários países (pelo menos da Polónia, França e EUA), pelo menos desde 2013, já se encontravam secretamente no norte da Síria, na altura em que chegou a grande ofensiva do ISIS à Síria vinda do norte do Iraque. Mais uma vez se prova indirectamente a ligação entre EUA e ISIS pois aqueles já preparavam secretamente as SDF que seriam mais tarde a vacina contra a doença (ISIS) que ainda não tinha alastrado no paciente (Síria).
Bandeira das FDS
A bandeira - Sei muito bem que a linha azul que atravessa o mapa sírio na diagonal representa o rio Eufrates, pois sim. Mas representa algo mais. Representava, quando foi criada, o território que os EUA planeavam roubar à Síria e representa hoje com todo o rigor quase todo o território efectivamente roubado, ou ocupado, ou colonizado, como quiserem. Quem duvidar têm uma boa solução, olhar para a imagem abaixo:
Função das FDS na perspectiva norte-americana - Cumprir 2 pontos da lista acima, o c) a médio prazo e o e) a longo prazo.
- c) alguém conquista terreno ao ISIS;
- e) esse alguém declarar-se-á, mais cedo ou mais tarde, independente, mantendo-se sobre ocupação militar dos EUA, isto é, um estado vassalo dos EUA
Precisamente por terem como objectivo o cumprimento dos 2 pontos acima, as FDS possuem 2 características bem peculiares. A primeira é um mistério (ou não). É um mistério como, quando se lembram, e após meses parados em alegre confraternização fronteiriça entre FDS e ISIS, as FSD conseguem conquistar terreno ao ISIS a um ritmo que leva a acreditar que estes combatem fantasmas num deserto. Por vezes são dezenas de quilómetros num dia, poucas ou nenhumas baixas, destruição mínima. E depois voltam à prolongada calmaria. Um gajo adepto das teorias da conspiração, hehe, seria capaz de afirmar que o ISIS recua sob ordens de alguém, não acham?
A segunda característica peculiar não é mistério nenhum e está bem documentada. Por estranho que pareça a quem não estiver muito dentro deste assunto, as FDS não têm como objectivo destruir o ISIS, ao contrário daquilo em que acredita a barata tonta do Trump. Não, as FDS apenas têm como objectivo criar um estado curdo sobre território predifinido pelos EUA. Território sírio ocupado pelo ISIS na Síria fora dessa zona predifinida, mesmo que faça fronteira com o futuro estado curdo das FDS, não parece representar problema nenhuma para essa FDS. Peculiar atitude tem esta organização que se diz "democrática" e também "síria", não acham? Peculiar atitude de uma organização que, segundo os médias ocidentais, é a força avançada da luta do "mundo livre" contra o "terrorismo islâmico", ahahaha! Sim, deixem-me rir!
Cumplicidade entre "rebeldes" e ISIS
O Plano B de criação de um estado curdo através das SDF não seria nunca possível sem a existência do ISIS. Certo. Mas há mais a analisar. Olhemos agora o ponto d) Síria não tenta reconquistar terreno a esse alguém pois ainda tem de combater "rebeldes" terroristas de um lado e ISIS de outro. A Síria não tem meios físicos, logísticos e humanos para enfrentar avanços e ambições das FDS sem antes se ver livre de "rebeldes" terroristas e de ISIS. Portanto, a permanência prolongada destes é um problema para as forças sírias, facto óbvio que não merece grande análise. De análise mais interessante é, a meu ver, a interecção/cumplicidade entre rebeldes terroristas e ISIS, e as consequências positivas que têm para as ambições das FDS, ou seja, dos EUA na Síria.
Poderíamos falar sobre os inúmeros casos de mercenários estrangeiros que têm trocado de empregador vezes sem conta, para trás e para a frente, entre "forças rebeldes", todas as variações de al-Qaeda e o ISIS, mas nem vale a pena pois são factos bem documentados, basta procurar online esses factos facilmente acessíveis. Ainda assim deixo aqui um exemplo:
O que me interessa para este artigo são análises de comportamento e, neste tema, 2 padrões de comportamentos saltam à vista após um análise da evolução do mapa do conflito sírio num longo intervalo de tempo. Primeiro, existem várias zonas de fronteira entre "rebeldes" terroristas e ISIS que se mantêm estáveis ao longo do tempo e onde nunca se passa nada. Em segundo, ataques/conquistas das forças sírias contra um destes grupos ("rebeldes" terroristas ou ISIS) costumam ser seguidos de ataques quase sincronizados do outro destes 2 às forças sírias. Sabendo que a manta síria não é infinita e que não consegue tapar todas as partes do corpo ao mesmo tempo, alguma ficará inevitavelmente fria, não é?
Querem exemplos gráficos de vizinha e convivência pacifica entre "rebeldes" e ISIS ao longo do tempo? Vejam os mapas abaixo:
arredores de Damasco
sul da Síria
centro da Síria
nordeste da Síria
E agora, querem exemplos da sincronia entre "rebeldes" e ISIS na agressão ao estado sírio? Temos 2 exemplos perfeitos e bem recentes, um deles bem conhecido. Começo pelo bem conhecido. Perante a grande ofensiva síria contra os "rebeldes" terroristas em Aleppo Leste de Dezembro passado que obrigou os sírios a mobilizar uma grande parte das suas forças militares para o norte do país, o ISIS aproveitou para reconquistar Palmira no centro do país. No sentido contrário, na semana passada, perante o rápido avanço das forças sírias contra o ISIS na província de Aleppo rumo à cidade de Raqqa, os "rebeldes" terroristas realizaram uma enorme quantidade de ataques e atentados terroristas junto a Damasco e Hama que, claro, tiveram como consequência o congelamento por 2 dias dos ataques das forças sírias contra o ISIS. Entretanto, foi retomado o ritmo normal dos dias anteriores e os sírios continuam a conquistar várias vilas por dia junto à auto-estrada Aleppo-Raqqa.
A criação do "Estado Plano B" e a destruição da Síria
Analisemos por fim e em concreto o ponto e) esse alguém declarar-se-á, mais cedo ou mais tarde, independente, mantendo-se sobre ocupação militar dos EUA, isto é, um estado vassalo dos EUA.
Desde já, tirando a cidade de Raqqa e o triângulo quase totalmente deserto junto à fronteira com o Iraque, a mixórdia FDS (inventada pelos EUA para servir de força motriz para a criação de mais um estado vassalo do Império) controla já a quase totalidade do território previsto para o futuro estado curdo-gringo no nordeste da Síria. Vejam o mapa abaixo, no qual as FDS aparecem a amarelo, e comparem-no com a bandeira das FDS já mostrada acima:
E depois, a ver pela carta branca de Trump às suas forças armadas para fazerem aquilo que bem entenderem na Síria sem a sua supervisão presidencial, tudo está preparado para que os EUA pelo menos tentem a colonização definitiva do nordeste da Síria. Sei que não passa nos médias desse país à beira-mar plantado e em morte cerebral mas, são factos comprovados e inclusive anunciados pelo Pentágono que, nas últimas 3 semanas, chegaram 5000 tropas norte-americanas à zona controlada pelas SDF, assim como um esquadrão de bombardeiros B-52. Objectivo oficial: conquistar a grande cidade de Raqqa ao ISIS que, a ver pelas palavras do ministro dos negócios estrangeiros do terrorista estado francês, Jean-Marc Ayrault, será uma cidade que, uma vez conquistada, não será entregue ao seu legítimo dono, a Síria.
Pior, metendo a carroça à frente dos bois, a agora mesmo auto-proclamada Administração Autónoma do Norte da Síria, que é como quem diz, FDS sem armas, avisou há 3 dias atrás que abrirá assim que possível representações diplomáticas... adivinhem... nos EUA e no Reino Unido, pois claro!
Mas rebobinemos um pouco os acontecimentos e vejamos como o jogo de xadrez da Terrorismo-colonização da Síria foi sendo jogado pelos EUA e quais têm sido as últimas jogadas sujas mais importantes dos EUA a caminho da sua nova criação imperialista. Para o fazer há que, em primeiro lugar, analisar no mapa abaixo aquilo que eu chamo a "estrada do ISIS" ou, se preferirem, o sistema sanguíneo do ISIS sem o qual este não teria tido jamais tão prolongada existência:
A "estrada do ISIS" segue ao longo do percurso do rio Eufrates e estendia-se desde a fronteira com o Iraque até à fronteira com a Turquia, o que permitiu durante muito tempo a movimentação de mercenários do ISIS entre Turquia, Síria e Iraque, assim como a entrada em território sírio de equipamento militar da NATO para o ISIS através da Turquia e, no sentido contrário, o roubo de petróleo sírio pelo ISIS transportado por camiões cisterna até à cidade turca de Adana. Embora continue a controlar ainda a quase totalidade desta rota, o ISIS perdeu no dia 3 de Setembro de 2016 a ligação por terra à Turquia (ver aqui) e, mais importante, perdeu a ligação ao território sírio ocupado pelo estado terrorista turco há um mês atrás, no dia 26 de Fevereiro (ver aqui). Com este corte acabou-se o abastecimento de armas por terra mas não se acabou pelo ar, como mostram as inúmeras notícias documentadas de entregas norte-americanas por para-quedas, notícias que teimam em não aparecer nos média em língua portuguesa.
O outro motivo estratégico desta "estrada do ISIS" é o de ser uma rota que coincide com a localização de uma boa parte das reservas energéticas sírias, o que permitiu sustentar economicamente o ISIS durante todo este tempo.
Os sírios não se aproximaram nunca, durante estes últimos 2 anos, da "estrada do ISIS" por razões óbvias. A Síria é um pequeno estado de recursos limitados que combate várias agressões e invasões em simultâneo vindas de Israel, da Turquia, dos "rebeldes" terroristas patrocinados pelo ocidente, da NATO, das FDS e claro do próprio ISIS noutras partes do país. Pelo contrário, os EUA, ou a NATO, ou as FDS (como preferirem), há muito que podiam ter facilmente estrangulado o ISIS cortando a sua estrada num ou mais pontos vitais. Se o tivessem feito, há muito que o ISIS teriam deixado de poder circular armas, relíquias roubadas, petróleo e dinheiro e, sem nenhum destes, não teria resistido aos avanços por sul das forças sírias.
Mas aí está, precisamente para impedir que o governo sírio reconquistasse o seu próprio território ao ISIS, tendo como consequência a libertação de meios e homens para outras frentes antigas contra os "rebeldes" terroristas e quiçá novas frentes contra as FDS, os EUA nunca atacaram o ISIS a sul do rio Eufrates, a tal fronteira natural escolhida pelos EUA para dividir o futuro Curdistão-Gringo da Síria. Pelo contrário, como se devem lembrar, os EUA atacaram durante 3 horas sem cessar o enclave militar sírio em Der-Ezzor, a única parte da "estrada do ISIS" controlada pelo estado sírio. Apesar dos inúmeros avisos da Rússia, apesar de ser sabido que Der-Ezzor é controlado desde há muito pelos sírios, apesar dos EUA terem os melhores satélites de mapeamento do mundo, os EUA destruíram parte dos tanques e aviões sírios ali estacionados e mataram mais de 100 soldados sírios. Resultado: o ISIS conquistou parte de Der-Ezzor aos sírios, mais uma prova indirecta da ligação entre EUA e ISIS. Outro resultado: com o enfraquecimento dos sírios em Der-Ezzor, o ISIS pôde descer até Palmira e conquistar de novo esta cidade histórica onde aproveitou para estilhaçar o que não teve tempo da primeira vez. Obrigado EUA!
Dada o infinito poder militar dos EUA que se encontra ali mesmo ao lado, a norte do rio na zona das FDS, se houvesse deveras vontade por parte dos EUA de estrangular o ISIS, tal poderia ser feito com facilidade e em poucos dias, sem necessidade de matar civis uma vez que boa parte da estrada é deserta. Se não o fizeram, insisto, foi porque o sul de Eufrates não está no projecto de país Curdistão-Gringo e porque quanto mais mortes sírias melhor (para os EUA, pois claro).
Os mais atentos devem ter reparado que no mapa se pode ver uma zona amarela (EUA/curdos/NATO) a sul do rio Eufrates mas, não, não há aqui contradição nenhuma minha, bem pelo contrário. Essa parte amarela a sul do Eufrates foi conquistada na semana passada, num só dia, o que comprova que tenho razão quando digo que é facílimo para os EUA estrangular, se quiserem, o ISIS e, muito importante, não é exemplo nem dessa estrangulação ao ISIS nem da expansão das FDS para sul do Eufrates. Há uma terceira explicação maquievelicamente simples. Mas, antes da explicação, há que comparar estes dois mapas:
As forças sírias têm reconquistado desde o início do ano muito território ao ISIS, ao ritmo de vários quilómetros e várias vilas por dia. A continuar-se este ritmo, em poucas semanas as forças sírias chegarão às portas de Raqqa. É por este motivo que a máquina de guerra dos EUA activou a semana passada ataques contra sírios em Damasco e Hama, de forma a travar, como já disse acima, este rápido avanço sírio contra o ISIS. E é também aqui que entra a tal explicação para o atravessar do Eufrates por parte das FDS/NATO/EUA: os EUA decidiram sabotar o avanço sírio contra o ISIS. Simples. Querem ver as provas? Aqui vão elas, várias, ordenadas cronologicamente e antecedidas por mapas ilustradores:
No dia 22 deste mês, há uma semana, e com enorme facilidade os EUA e companhia passaram para sul do Eufrates e conquistaram um pedaço da estrada Aleppo-Raqqa, com o resultado estratégico de cortar o acesso dos sírios a Raqqa vindos de Aleppo, precisamente a via na qual têm avançado rapidamente nestas últimas semanas.
No dia seguinte, dia 23 de Março, os EUA bombardearam e destruíram uma ponte a sul de Maskanah (bola azul), tendo como resultado prático a sabotagem da via de avanço das forças sírias que hoje, 28 de Março, chegaram precisamente a essa vila de Maskanah onde combatem neste momento mercenários do ISIS.
Dois dias depois, a 25 de Março, os EUA e companhia avançaram mais 5 quilómetros para leste, até ao cruzamento que liga a estrada Aleppo-Raqqa à estrada Hama-Raqqa. Objectivo: cortar a segunda via pela qual poderiam avançar as forças sírias rumo a Raqqa, vindas do sul.
Durante estes dias houve uma chuva de ataques dos "rebeldes" terroristas em Hama e Damasco que, consequentemente, e como já referi, paralisaram temporariamente os avanços sírios contra o ISIS na estrada Aleppo-Raqqa. Os avanços foram retomados ontem.
Anteontem os EUA e companhia avançaram mais um quilómetro para leste e ocuparam al-Tabqa, uma grande base militar da Síria (quadradinho laranja a leste do cruzamento, na zona amarela, abaixo de al-Thawrah), acto que não deixa margem para dúvidas quanto à intenção dos EUA de impedir que as forças sírias se aproximem de Raqqa. Aposto que nos próximos dias ainda expandirão um pouco mais a sua zona de controlo para leste do cruzamento e da base, até junto do pequeno deserto ali ao lado, só para garantir o bloqueio às forças sírias. E, assim sendo, só sobra a terceira via, a estrada Der-Ezzor-Raqqa, opção que não conta pois corresponde à "estrada do ISIS" e não será tão depressa possível por ela avançar. Antes de o fazer, teriam de reconquistar o trecho Palmira-Der-Ezzor, o que não está acontecer devido à presença massiva de ISIS a leste de Palmira. Portanto, tecnicamente está cortado o acesso das forças de al-Assad a Raqqa, a não ser que na próxima semana, quando as forças sírias chegarem ao fatídico cruzamento gamado pelos norte-americanos, aqueles decidam atacar estes. Teriam toda a razão e direito de o fazer mas, grande problema, este ataque significaria o confronto directo entre militares russos e militares norte-americanos. Já estão haver no que daria, não estão?
E estão haver de que forma perversa se desenrola a terrorismo-colonização da Síria? E estão a ver como, para os EUA, é mais importante impedir que o sírios se aproximem de Raqqa do que libertar as gentes de Raqqa das mãos do ISIS? Ahhhh, qual libertação? Quais princípios humanistas? Qual altruísmo? Quais direitos humanos? Qual luta contra o terrorismo? Enfim...
Se infelizmente o imperialismo militar dos EUA for bem sucedido e se realizar a criação de um estado vassalo norte-americano no nordeste sírio onde se encontram boa parte das reservas de gás petróleo sírias, proponho para bandeira desse infame estado fantoche a capa deste artigo:
Luís Garcia, 28.03.2017, Chengdu, China
leia mais artigos sobre a Síria aqui