Sudeste Asiático terrivelmente danificado mas elogiado pelo Ocidente, por André Vltchek
Venha até ao Sudeste Asiático desfrutar de praias, sexo barato e promíscuos salões de massagens. Passe aqui uns tempos nesta parte do mundo da maneira que melhor lhe convier, usando chinelos de praia, calções e t-shirts. Foi-lhe dito que "tudo aqui é fácil, que as coisas são baratas e as pessoas são amigáveis e felizes". Faça o que quiser, visto que quase tudo aqui é permitido, especialmente se você for um ocidental e tiver montes de dinheiro e alguns cartões de crédito nos bolsos.
Esta é a sua simplificada percepção de como o Sudeste Asiático é suposto ser. Este estereótipo foi criado, refinado, aperfeiçoado e, por fim, injectado no subconsciente dos norte-americanos, europeus, australianos e japoneses. Este processo tem sido levado a cabo de forma consistente, durante décadas e décadas, até que todas estas mentiras, repetidas vezes sem conta, acabaram por substituir a realidade. Em resultado, dezenas de milhões de turistas, turistas sexuais, aventureiros e homens solteiros à procura de auto-afirmação vêm anualmente até ao Sudeste Asiático. A maioria deles não vê nem ouve nada. Muitos deles voltam para casa depois de ficarem bronzeados, um pouco mais gordos e muito mais confiantes. Vêm com ideias claramente formadas e voltam sem ter aprendido nada de novo.
A maior parte dos "visitantes" não quer ser perturbada pela realidade, porque a realidade pode ser extremamente desagradável ou até mesmo horripilante.
A "escondida" e extremamente desconfortável verdade é que a maior parte do Sudeste Asiático, na realidade, é absolutamente imprópria para turismo. O Sudeste Asiático encontra-se profunda e terrivelmente ferido e é uma destroçada parte do mundo que nunca foi autorizada a deixar para trás o seu brutal sistema feudal.
Os seus povos mal conseguem sobreviver ao colete-de-forças do capitalismo extremo. Todo o tipo de lixo importado, desde a acéfala música pop ao mais miserável dos filmes de Hollywood, junk food, mass media e "moda", bem como os "hábitos de eu-eu-eu", foram postos em marcha de forma a arruinar irreversivelmente as suas culturas tradicionais. No geral, as pessoas aqui são infelizes e, muitas vezes, encontram-se completamente confusas. Sociedades como as da Tailândia, Indonésia ou Filipinas estão se tornando cada vez mais violentas. Ao mesmo tempo, esta população politicamente "pacificada" não se rebela nem contra os governantes ocidentais nem contra as suas próprias servis elites. O extremismo político ou religioso de direita é quase sempre a única "resposta" à indignação popular.
As terras do Sudeste Asiático encontram-se devastadas como nenhum outro lugar do nosso planeta; na verdade, estas terras foram totalmente pilhadas pela desenfreada exploração mineira e madeireira, pelo óleo de palma e pelas plantações de borracha. A extracção de recursos naturais é feita de forma monstruosa, muitas vezes envenenando rios com mercúrio, deitando abaixo a maior parte das florestas primárias e terraplanando montanhas inteiras. Vistos de avião, lugares como a ilha do Bornéu ou a Malásia peninsular parecem ser nada menos do que o inferno na terra.
Esta grande porção do planeta, com uma população de cerca de 650 milhões, não conta com nenhuns pensadores ou cientistas de renome e, à excepção do Vietname (que é comunista e, portanto, bastante diferente), nem sequer um único escritor ou realizador mundialmente reconhecido.
Nada disto é suposto ser discutido "assim", desta forma. Escritores e cineastas, quer locais quer estrangeiros, são desencorajados de descrever e documentar o que aqui se está passando mesmo à frente dos seus olhos.
E porquê? Como é que o Sudeste Asiático conseguiu escapar quase por completo ao escrutínio dos meios de comunicação ocidentais?
Porque aquilo que acabo de descrever mais não é que o resultado de monstruosa pilhagem, assassínio e destruição em massa perpetrados pelo Ocidente e que tem acontecido por todo o lado, por todos cantos do Sudeste Asiático. A destruição tem sido tão espantosa e aterradora que quase nenhuns liberais em Paris, Londres, Amesterdão, Camberra ou Washington estão dispostos a reconhecê-la, preferindo continuarem agarrados a bizarros clichés e à glorificação do estado a que as vítimas foram reduzidas; a que foram forçadas a viver.
Equipas inteiras de académicos, nomeadamente da Universidade Nacional Australiana (ANU), mas também de várias outras instituições, repetem continuamente o dogma oficial ocidental que descreve a Indonésia como "um país normal".
Não será esta reacção o tal "politicamente correcto" ocidental? Digam-me lá se a coisa não funciona assim: "um país é atacado, o seu governo de esquerda é derrubado e líderes corruptos são postos no poder. Então, os recursos naturais são saqueados e as "elites" de extrema-direita, totalmente subservientes ao Ocidente, rapidamente roubam tudo o que podem ao seu país e ao seu povo, enquanto obedientemente compartilham o saque com as corporações ocidentais. A população é doutrinada e totalmente lavada do cérebro e a oposição é assassinada ou levada à submissão pelo medo. E depois, e depois, o Ocidente "mostra grande respeito" por essa "cultura local" e por essa "população local". Leia-se: respeito pelo seu próprio Frankenstein, pelas suas próprias criações.
Escusado será dizer que este gangrenoso monstro que o Ocidente primeiro criou e depois fez com que todos "respeitassem", não tem nada a ver com cultura ou com "povo".
No final, as próprias vítimas são metodicamente condicionadas com instrumentos como os meios de comunicação social, o "sistema de educação" e a propaganda contínua providenciada pelo regime político. Resignados, deixam de estar conscientes da sua própria condição. Tornam-se religiosos, submissos. Culpam-se e lutam uns contra os outros, mas nunca contra os verdadeiros opressores. Nunca contra o regime.
As vítimas, muitas vezes, sentem que não estão bem, mas não fazem ideia do porquê!
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Durante séculos, o Sudeste Asiático sofreu terrivelmente nas mãos dos colonizadores franceses, holandeses, norte-americanos e britânicos. Por exemplo, no início do século XX, as forças norte-americanas massacraram brutalmente cerca de 1 milhão de filipinos nessa sua colónia asiática.
A independência oficial face aos senhores coloniais europeus e norte-americanos não impediu o povo de sofrer.
Depois da Segunda Guerra Mundial, nenhuma outra parte do mundo sofreu mais massacres e mais terror ocidental do que o Sudeste Asiático. Nem mesmo África, o Médio Oriente ou a América Latina. Os números são realmente impressionantes.
Os adoráveis "destinos de férias" dos ocidentais, habitados por "amigáveis locais", foram bombardeados e envenenados com armas químicas. Milhões de pessoas foram massacradas por regimes militares impostos pelo Ocidente, por monarcas, por elites e por juntas militares. Não muito diferente do que se passou na América Latina, mas com números astronomicamente mais elevados, porque o Ocidente nunca considerou os asiáticos como seres humanos seus iguais (por exemplo, cerca de 2 milhões de indonésios foram massacrados durante o golpe militar de 1965 do General Suharto. O golpe perpetrado pelo General Pinochet no Chile, em 1973, matou entre 2 a 3 mil pessoas. Ajustado ao número de pessoas que vivem em ambos os países, a Indonésia, ainda assim, perdeu cerca de dez vezes mais pessoas do que o Chile).
Toda a gente sabe sobre o sofrimento a que o Vietname foi submetido pelo brutal regime colonial francês e, depois, durante a guerra terrorista desencadeada contra este país pelos EUA e seus aliados. Mas ninguém sabe, com exactidão, quantos vietnamitas morreram. O número de vítimas ronda os milhões. Pelo menos 4 milhões de Vietnamitas desapareceram.
No Laos da chamada "Guerra Secreta", as coisas foram ainda piores, numa contagem per capita. Centenas de milhares desapareceram neste país escassamente povoado, que é habitado por pessoas humildes e gentis. Bombardeiros estratégicos B-52s foram enviados contra agricultores e seus búfalos de água, usando malignas bombas de fragmentação que, até hoje, vão matando milhares por todo o interior do país. Não houve razão nenhuma para este brutal e monstruoso genocídio, à excepção de uma abstracta "preocupação" de Washington quanto à possibilidade desta pobre nação poder seguir o exemplo do Vietname e "tornar-se comunista" (e foi o que fez, depois de literalmente provar com a sua pele o verdadeiro sabor da "democracia" ocidental).
Camboja - um país onde o Ocidente alimentou corruptas e brutais elites em Phnom Penh, e depois começou a mesma monstruosa campanha de bombardeamentos como fez no Laos, contra camponeses desarmados e desesperadamente pobres, usando B-52s para o efeito, matando centenas de milhares e deslocando milhões. Neste país, as pessoas perderam por completo o juízo devido aos horrores dos bombardeamentos. E foram também expulsos das suas terras e começaram a morrer de fome. Esta sombria situação abriu as portas ao Khmer Vermelho, quem os EUA forneceu decisivo apoio (no campo de batalha e na ONU), mesmo depois deste grupo de tresloucados assassínios terem sido derrotados pelas heróicas forças comunistas do Vietname.
Tailândia - um país que foi sufocado pela indústria automóvel e pela forma mais monstruosa de capitalismo extremo, mantendo, ao mesmo tempo, o seu atrasado sistema feudal. Tailândia que aceitou em seu território uma parte do derrotado exército anti-comunista chinês, "pondo-o a trabalhar quase imediatamente", deixando-o massacrar uma parte substancial dos seus próprios movimentos de esquerda. Um estado tailandês que massacrou e violou os seus próprios estudantes e massacrou milhares de refugiados cambojanos. Tailândia que, tecnicamente, atacou o Vietname e o Laos ao deixar voar missões da Air America contra estes países, abrindo os seus aeroportos ao Ocidente, enquanto vendia as suas próprias mulheres (em inúmeros bordéis de Pattaya e outros lugares) aos pilotos ocidentais e seu pessoal de terra.
Indonésia, onde o golpe militar patrocinado pelos EUA e pelo Reino Unido em 1965 contra o presidente de esquerda Sukarno e (então) o terceiro maior Partido Comunista do mundo (PKI), tirou a vida a entre 1 e 3 milhões de pessoas, instalando o talvez mais grotesco regime fascista extremo-capitalista à face da terra. Indonésia onde todos os grandes artistas e pensadores foram mortos ou presos no campo de concentração de Buru e onde o Ocidente ajudou a instalar um sistema totalmente acéfalo, desintelectualizando a nação e levando-a à força de volta para a Idade Média. Indonésia onde o laicismo está agora colapsando e onde, durante as próximas eleições de Abril de 2019, os eleitores terão de escolher entre um líder pró-capitalista fraco e inepto, e um militar genocida verdadeiramente fascista.
Timor Leste - um pequeno país que foi invadido pela Indonésia em 1975, pouco depois de receber a independência de Portugal, sob a liderança do movimento de esquerda FRETILIN. O ditador indonésio de direita, Suharto, declarou na altura que "não iria tolerar uma segunda Cuba perto da sua costa", recebendo uma grande palmadinha nas costas e o total apoio dos EUA, do Reino Unido e da Austrália. Resultado: cerca de 30% da população de Timor Leste desapareceu durante a ocupação. Inúmeros líderes indonésios, incluindo o ex-presidente "SBY", realizaram serviço militar em Timor Leste. Se a Indonésia fosse um "país normal", estes indivíduos estariam agora enfrentando longas penas de prisão por genocídio ou, nalguns casos, teriam sido confrontados com um pelotão de fuzilamento.
Papua Ocidental - Na Papua Ocidental, sob a ocupação do genocida regime indonésio, já morreram centenas de milhares de pessoas, crime de estado que conta com o total apoio do Ocidente visto que a Papua, tal como o Bornéu (conhecido na Indonésia pelo nome de Kalimantan), está sendo exaustivamente pilhada por multinacionais, sob a atenta supervisão das forças militares do país, claro está! Horrores como a política estatal de "transmigração", pensada para tornar o povo da Papua numa minoria na sua própria ilha, continuam avançando de forma desenfreada. Os locais, que já perderam tudo o que tinham devido à ocupação, são obrigados a converter-se ao Islão e forçados a abandonar o seus estilo de vida e as suas terras. O que a Indonésia ali faz mais não é que puro genocídio. Não apenas devido às matanças e violações de que podem ser acusados os militares [indonésios], mas também porque a pilhagem dos recursos da Papua é mortífera por várias diferentes razões: esta forma de uso da força poderá ser usada para "abrir" outras vastas áreas como a Amazónia ou a Bacia do Orinoco (na América do Sul), áreas habitadas por tribos indígenas que nunca entraram anteriormente em contacto com o mundo externo. Nem mesmo o mais tresloucado presidente brasileiro ou venezuelano (do passado) sonharia jamais com tais brutais e genocidas medidas (embora a situação possa vir a mudar com a presidência fascista de Bolsonaro no Brasil). Na Papua Ocidental, dezenas de frágeis culturas estão a desaparecer. Pessoas que nunca tiveram contacto com o "mundo exterior" estão agora sendo forçadas a sair da floresta tropical, ao mesmo tempo que as árvores vão sendo cortadas e que companhias mineiras, protegidas pelas forças armadas da Indonésia, vão pilhando essas terras. Indefesos indígenas estão morrendo de doença e de fome, enquanto que corruptos governantes e homens de negócios indonésios vão queimando dinheiro em shoppings de Jacarta onde tudo é demasiado caro, ou em Singapura, Macau ou Hong Kong. E agora, milhares de turistas ocidentais estão voando para Raja Ampat, na Papua Ocidental, que está se tornando num destino de mergulho "na moda" .
A Malásia também tem a sua cota-parte de conflitos inter-religiosos, mas não com a mesma intensidade que na Indonésia. A natureza na Malásia, tal como na Indonésia, foi totalmente destruída pelas massivas plantações de óleo de palma e pela mineração.
As Filipinas viveram horríveis décadas de neocolonialismo norte-americano, provando do mesmo capitalismo extremo que foi imposto à Indonésia. Só nos últimos anos foram introduzidas políticas sociais sólidas e foi aplicada uma moratória à mineração, pelo menos em algumas partes da Ilha de Mindanao.
O Brunei, um dos mais ricos exportadores de petróleo da terra, é agora governado pela xaria que, pelo menos em teoria, permite amputações, açoites, apedrejamentos e outras práticas religiosas. Outro lugar onde tal retrógrada brutalidade é oficialmente permitida é a província autónoma de Aceh, na Indonésia.
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Eu trabalhei nesta parte do mundo durante décadas. Cobri inúmeros horrores e conflitos na Indonésia. Já vivi em Hanói e abordei em profundidade a situação no Laos, no Camboja, na Malásia e na Papua. Cobri Timor-Leste durante a ocupação, onde fui torturado pelas forças indonésias depois de ter denunciado as violações em massa ocorridas na cidade de Ermera.
Neste momento, estou a trabalhar num chocante e minucioso documentário sobre a total destruição ambiental do Bornéu.
Enquanto local (porque eu sinto-me um "local" em todas as partes do mundo), muitas vezes olho para os viajantes ocidentais visitando esta parte do mundo e pergunto-me: sinceramente, será que são assim tão ignorantes sobre o passado e o presente do Sudeste Asiático? Ou, quiçá, será que tudo fazem para se certificarem que não saibam?
Será que "desfrutam de verdade", rodeados de natureza devastada, praias privatizadas e arruinadas e uma cultura demente? Será que se sentem poderosos, únicos, superiores, só porque os seus países conseguiram destruir a totalidade do Sudeste Asiático, levando-o a uma vergonhosa submissão? Será, pelo menos em parte, esta a razão pela qual aqui estão?
Será que não vêem? As ilhas indonésias de Bali e Lombok tornaram-se em algo completamente horrível: tudo foi roubado ao longo das costas, as pessoas foram forçadas a sair das suas habitações e a cultura local foi totalmente arruinada. Bali sofre de engarrafamentos e poluição, de excesso de população, pobreza e imundície. Agora, em Bali, quase nada sobra de imaculado. "Cultura" agora é apenas uma mercadoria!
A costa da Tailândia está totalmente arruinada. Ilhas outrora imaculadas estão agora repletas de cidades-mercado de baixa qualidade, produzidas em massa, com bungalows improvisados e horríveis estruturas de betão. A "oferta" é padronizada e repetitiva, a maior parte de qualidade extremamente baixa. Há "comida de praia" tailandesa e ocidental, velha e má música pop (ocidental), e inúmeros salões de massagens e bares de faz de conta. Não há quase nada verdadeiramente tailandês na costa tailandesa. As mulheres tailandesas, as mais pobres por entre as pobres, muitas do norte do país, caminham de chinelos vestidas com patéticas t-shirts, de mãos dadas com avózinhos ocidentais (alguns deles na casa dos 80). Que bela visão!
Por todo o lado, seja em "resorts" indonésios, na costa tailandesa, em bares das Filipinas ou no Camboja, tudo parece "forçado", artificial e de um terrível mau gosto.
Em Phnom Penh e seu redor, o "turismo de genocídio" atingiu o seu pico. É alimentado e patrocinado por inúmeras ONGs ocidentais que estão literalmente prostituindo o horrível passado do país como "prova" de que "o comunismo é mau". Nem uma palavra sobre o facto de que a maioria das pessoas que aqui morreram, na verdade, foram vítimas dos sistemáticos bombardeamentos ocidentais e consequente fome, e que o Khmer Vermelho foi, na realidade, um bando de malucos patrocinados pelos EUA que sabiam pouco ou nada sobre a ideologia comunista (passei bastante tempo conversando com alguns deles nas profundezas da selva e a maioria deles admitiram que não faziam a mínima ideia sobre o significado de marxismo ou comunismo quando estavam no poder). Mas, para os ocidentais, o turismo de genocídio é algo emocionante, representa "algo de novo"; "algo que não tinham experimentado antes". É bom para as selfies e para se poder contar estórias incríveis aos amigos quando se volta de férias. E o Camboja está agora ganhando imenso dinheiro com tudo isto, disposto a distorcer o seu próprio e horrível passado só para ganhar algum dinheiro. Vá às aldeias e fale com as pessoas: elas sabem a verdade. Mas quase ninguém vai. Nem mesmo os média ocidentais.
O Ocidente roubou por completo a narrativa histórica de todo o Sudeste Asiático. O mundo académico na Malásia, Indonésia, Filipinas e Tailândia encontra-se profundamente influenciado e manipulado a partir do exterior. "Soft power" está a ser utilizado [para o efeito]: bolsas de estudo, financiamentos, convites para "intercâmbios académicos".
Hoje em dia, quer a narrativa académica quer a narrativa mediática, no Sudeste Asiático, encontram-se muito mais "ocidentalizadas" do que no próprio Ocidente.
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Clichés sobre esta parte do mundo são, na sua maioria, errados e, na verdade, bem surreais.
Apesar de sofrer de terrível intolerância religiosa, apesar do racismo e dos perpétuos conflitos e tensões, a Indonésia é retratada no Ocidente como sendo um país "tolerante". Não tendo um único partido político que represente a maioria (que é pobre), é classificada como sendo "democrática". Um lugar onde uma pessoa chinesa, negra, branca ou papuásia dificilmente pode dar uns passos na rua sem ser insultada ou ridicularizada pela sua aparência, a Indonésia é descrita pelos meios de comunicação ocidentais como sendo "amigável".
O mesmo se passa com a Tailândia. Um aliado firme do Ocidente durante a chamada Guerra do Vietname e na "luta contra o comunismo", o reino é retratado como sendo a "terra do sorriso". Na realidade, a Tailândia tem uma maior taxa de homicídios per capita do que os Estados Unidos e, anualmente, mais turistas mulheres são violadas aqui do que na África do Sul. Os sorrisos ficam reservados para aqueles que estejam dispostos a pagar um qualquer preço sem pedir muito em troca. Qualquer confronto aqui pode facilmente cair em violência. O Ocidente quase nunca critica os ultrajantes modelos capitalistas da Tailândia ou da Indonésia, nem tampouco as suas destruídas infraestruturas ou o seu desumano urbanismo que esquece as pessoas e dá prioridade aos veículos motorizados e ao promotores imobiliários sem escrúpulos. Banguecoque e Jacarta encontram-se muito mais poluídas do que as cidades chinesas, e os governos tailandeses e indonésios não fazem quase nada para mudar a situação. No entanto, o cliché diz que é perigoso ir a Pequim devido à qualidade do ar, enquanto que Banguecoque ou Jacarta raramente são mencionados.
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No Sudeste Asiático, ensurdecedor ruído é frequentemente administrado, de forma a silenciar o medo. O acto de pensar é desencorajado. É considerado indelicado discutir ou confrontar horríveis factos passados ou presentes. Recomenda-se que se tecle em telemóveis da forma mais acéfala possível. Aqui, as redes sociais são muito mais utilizadas do que em qualquer outra parte do mundo. Enquanto isto, países como a Indonésia têm o menor número de leitores de livros per capita de todo o planeta.
O Sudeste Asiático tem vindo a viver por entre genocídios, golpes de estado e total submissão aos mestres ocidentais e ao capitalismo selvagem. Foi privado da sua natureza e dos seus recursos naturais. A sua população tem sido "pacificada", forçada à obediência e à submissão. Conceitos religiosos extremistas foram injectados e apoiados a partir do exterior. Só nas Filipinas a situação está agora a mudar gradualmente. No Vietname, o estado ainda resiste fortemente à subversão ocidental, embora o país tenha também sido danificado em grande medida por ONGs e redes sociais ocidentais. Noutros partes [do sudoeste asiático], as coisas estão a ficar bem pior.
O Laos está agora aproximando-se da China, a qual está literalmente retirando esta bela e escassamente povoada nação do sono, construindo um sistema ferroviário de alta velocidade, infraestrutura, fábricas, barragens, escolas e hospitais. Mas, quanto mais a China faz pelo Laos, mais esta é demonizada pelo Ocidente, pelos seus média, pelos seus académicos e pelas suas ONG's. Neste momento, uma grande batalha é travada pelo Laos. No entanto, é claro que o povo do Laos está beneficiando imenso com esta proximidade à China, depois de ter sido literalmente arruinado pelo colonialismo francês e pelas "Guerras Secretas" ocidentais.
É de propósito que aqui não falo da Birmânia, dada a sua situação extremamente complexa e "específica". Mas, ainda este ano, espero publicar uma reportagem detalhada sobre o tema.
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O Sudeste Asiático é claramente uma vítima. É também uma "untold story" [uma história não contada ou por completo ignorada]. Uma profunda e sombria história.
Com a excepção de Singapura e, em parte, da Malásia, o Sudeste Asiático é uma vítima devastada e empobrecida. É também uma "bomba relógio". As pessoas aqui estão descontentes, muitas desesperadas até. Mas, na maior parte dos casos, não sabem sequer porquê. Ao contrário da América Latina e de África, onde a consciência política das vítimas é extremamente elevada, aqui, o normal é que as vítimas acreditem que são tratadas com justiça e que "esta é a única forma de organizar e governar uma sociedade".
Se alguém vem para aqui viajar à procura de "cultura" e "novas maneiras de entender a vida", deveria pensar duas vezes antes de o fazer. Na maior parte dos países do Sudeste Asiático, as culturas locais foram completamente desenraizadas. O que esses viajantes irão ver serão uns espectáculos populares para estrangeiro ver, quase nunca assistidos por locais. A maior parte dos locais destinados a eventos de música, assim como o teatro e outras formas de arte locais, foram substituídos pelos mais vulgares entretenimentos ocidentais, por videojogos e, naturalmente, pelas redes sociais.
Os homens ocidentais costumam sentir-se bem no Sudeste Asiático pois, aqui, foram "eles que ganharam". Por norma, são aqui "respeitados" apenas por serem homens e brancos. São respeitados da mesma forma que os colonialistas franceses, holandeses e britânicos eram respeitados aqui há um século atrás. Não são amados, não são admirados, mas são bem tratados por pertencerem à raça e à cultura que conseguiu conquistar, destruir e depois dar ordens.
De facto, para aqueles que anseiam reviver esses dias de "grandeza" imperialista, este é o lugar perfeito a visitar.
Com toda a naturalidade, o Sudeste Asiático é glorificado pelo Ocidente, à excepção das Filipinas, do Vietname e do Laos (e da Birmânia, por diferentes razões), todos países que estão tentando afastar-se dos ditames ocidentais.
É que esta parte do mundo é vista como "perfeita" aos olhos dos governantes do Império. Aqui, as vidas humanas são facilmente sacrificadas em prol dos lucros corporativos, tanto ocidentais como locais, da mesma forma que um pedestre aqui tem que esperar até que todos os carros passem. Aldeias inteiras têm que dar lugar às empresas de mineração e às plantações de óleo de palma. Os serviços sociais para os cidadãos não são algo de secundário, mas sim terciário, quase irrelevantes. O lucro é tudo o que importa. O bem-estar dos cidadãos quase não é levado em consideração.
O Ocidente quase nunca é criticado aqui. Como em qualquer "boa" sociedade feudal, o Ocidente é visto como um "pai". É severo, mas tem sempre razão. Bate nos seus "filhos", mas mostra o caminho. As religiões ajudam a reforçar este tipo de obediência que, em muitas outras partes do mundo, seria sinónimo de Idade Média.
Enquanto isto, as "elites" locais vão "se divertindo". Governam sem oposição. Só prestam contas a um poder muito maior, o ocidental. Podem fazer o que quiserem com os seus súbditos. Conduzem os seus super caros carros e SUVs, comprados com fundos roubados aos pobres, e os pobres curvam-se, prostrando-se em grande respeito, medo, servilismo e admiração.
E aqueles fazem o mesmo perante o Ocidente.
Em resumo: sociedades perfeitas na perspectiva de Nova Iorque, Camberra, Londres ou Paris.
E em Bali ou Phuket, mulheres vestidas com roupas tradicionais dançam em hotéis de 5 estrelas, rodando os seus grandes olhos e contorcendo os seus esbeltos braços, tudo isto para que os visitantes estrangeiros possam dizer: "que grande cultura"! Entretanto, pois claro, a verdadeiramente grandiosa cultura foi morta pelos regimes militares pró-ocidentais; foi sufocada e assassinada nos campos de concentração e dentro de quartéis militares.
As únicas vítimas deste "perfeito" estado das coisas são os pobres, os quais são a grande maioria no Sudeste Asiático (independentemente do que digam as estatísticas oficiais). De qualquer forma, quem é que se importa com eles, não é?
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Terá de facto a maioria dos países do Sudeste Asiático ganho a sua independência há algumas décadas atrás? Terão sido os famosos gritos de merdeka apenas uma grande farsa? Será mesmo verdade que a Tailândia nunca foi colonizada? Não será toda esta enorme região ainda uma colónia de facto? E se for, poderá esta situação mudar?
Estas não são apenas perguntas retóricas, são interrogações reais. E, respostas a este tipo de perguntas, nunca são simples.
As pessoas do Sudeste Asiático foram violadas, roubadas e, em seguida, cercadas por uma pseudo-realidade e por mentiras sobre o seu passado e sobre o presente. Foi-lhes dito que estão bem, que são felizes e que o que estão experienciando agora é progresso, liberdade e democracia. Receberam também ordens para acreditar que o seu usurpador (o Ocidente) é a verdadeira imagem de "boa governação" e honestidade. Muitos deles nunca foram confrontados com nenhum ponto de vista alternativo.
Depois de terem enterrado dezenas de milhões de cadáveres e de terem tido as suas florestas tropicais, rios e montanhas completamente destruídas, a maioria dos habitantes do Sudeste Asiático ainda estão convencidos de que os seus carrascos têm todas as condições [necessárias] para controlar o mundo.
André Vltchek
Traduzido para o português por Luís Garcia
Versão original em inglês aqui.
André Vltchek é um filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu e cobre guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus últimos livros são Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o revolucionário romance Aurora e um trabalho best-seller de análise política: “Exposing Lies Of The Empire”. Em português, Vltchek vem de publicar o livro Por Lula. Veja os seus outros livros aqui. Assista ao Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo, assim como ao seu filme/diálogo com Noam Chomsky On Western Terrorism. Pode contactar André Vltchek através do seu site ou da sua conta no Twitter.
Fotos de André Vltchek.