Síria: Jaish al-Islam volta a atacar Damasco a partir de Douma, por Vanessa Beeley
Após dez dias de paz, os morteiros voltaram a Damasco. Uma breve pausa de cerca de dez dias de paz e a segurança foi quebrada pelas restantes facções do Jaish al-Islam ainda infiltradas em Douma, a última zona de Guta ainda sob o seu controlo.
Ontem, equipas de media estrangeiros foram levadas até Guta, acompanhadas pelo Exército Árabe Sírio de forma a nos proteger de vários riscos: minas, bombas caseiras, armadilhas, potenciais ataques suicidas, etc. Enquanto tentávamos entrar em Mleha, foi-nos dito que tinha havido um atentado suicida com uma bomba numa viatura em Barzeh, a cerca de 15 km a noroeste da nossa posição. Ficámos parados por alguns minutos e depois fomos aconselhados a voltar atrás. Soldados passaram por nós em carrinhas, indo em direcção a Mleha. Podíamos ver a fumaça se elevando mais adiante na estrada e disparos de armas esporadicamente disparadas ao longe.
Jaish al-Islam atacou ontem em al-Rabweh, Damasco (Foto: media sírio)
No mesmo dia, quatro civis foram mortos em Damasco, entre eles uma criança e uma mulher. Vinte e dois outros ficaram feridos nos ataques do Jaish al-Islam no centro da cidade que atacaram os bairros de al-Rabweh, Masaken, Barzeh, al-Mezzeh 86 e os arredores da Praça Umayyad. Na sexta-feira é tradição damascena que as famílias se dirijam a al-Rabweh para almoçar e passar a noite nas margens do rio num dos coloridos restaurantes que se alinham à beira da estrada. Este foi um ataque deliberado contra densas áreas civis, por parte de facções do Jaish al-Islam apoiadas pela Arábia Saudita e hostis estados do golfo.
Jaish al-Islam atacou ontem em al-Rabweh, Damasco (Foto: media sírio)
Ontem à noite, o rugido de aviões a jacto regressou, assim como como o estridente som da artilharia do Exército Árabe Sírio que ecoou pelas estreitas ruas de paralelos da Cidade Velha, sacudindo as janelas já frágeis, enquanto o povo afluía às ruas para o início da Páscoa Ortodoxa.
Ruas da Cidade Velha inundadas de gente, ontem à noite, em Damasco (Foto: Vanessa Beeley)
Hoje bem cedo ouvi o regresso dos disparos dos militantes do Jaish al-Islam que voltaram a atacar as áreas civis de Damasco. Sete morteiros atingiram o bairro de al-Mezzeh 86, os arredores da Praça Umayyad nas proximidades, e as zonas de Abu Remmaneh e Ish al-Warwar. Destes ataques indiscriminados resultaram os inevitáveis danos materiais em casas, carros e infra-estrutura pública.
O director geral do Hospital al-Mowasat, em Damasco, anunciou que ocorreram 6 mortes já no dia de hoje, assim como 38 feridos e 10 pessoas em estado crítico. O seguinte vídeo acabado de publicar pela Syrian Arab News Agency mostra as horríficas imagens deste mortíferos ataques sobre Damasco. Assista ao vídeo:
Ontem recebi a seguinte declaração do centro de reconciliação russo:
De acordo com as informações do Centro Russo de Reconciliação do dia 6 de Abril, regressaram os bombardeamentos sobre Damasco e sobre posições das forças do governo. Os ataques de morteiros e outras armas pequenas estão a ser levados a cabo por combatentes do Jaish al-Islam liderados por Abu Qusay, que assumiu o seu poder. Os líderes do grupo interromperam a evacuação de combatentes e seus familiares e exigiram rever questões anteriormente acordadas sobre o desarmamento do grupo.
Abu Qusay decidiu usar civis como escudos-humanos. Com o objectivo de intimidar a população, executaram civis que protestavam contra os combatentes que permanecem na área. Os terroristas também começaram a se preparar para a execução de reféns. Há cerca de 5 000 pessoas, incluindo mulheres e crianças, em 2 prisões do Jaish al-Islam.”
Ficou ontem bem claro que a nova liderança do Jaish al-Islam não quer baixar os braços e que causará o máximo de dano a Damasco e aos seus cidadãos antes de ser militarmente derrotado ou eventualmente evacuado.
Hoje no Twitter - O jornalista sírio-britânico Danny Makki publicou as seguintes actualizações. Os pontos abaixo enumerados foram directamente tirados do tópico [thread] da conta Twitter de Makki:
Important: Here's how the Russian brokered deal to evacuate #Douma involving #SAA & Jaysh al Islam (JAI) went sour, paving the way for a widespread military operation today in the last trapped rebel enclave in East #Ghouta
— Danny Makki (@Dannymakkisyria) April 6, 2018
4 - Uma das razões para a retirada do Jaish al-Islam das negociações no final da reunião deveu-se a questões sobre a entrega de armas pesadas, o qual prefere entregá-las apenas quando uma solução política mais ampla seja alcançada, na Síria, nos termos daqueles que querem permanecer em Douma.
5 - A ideia era que, aqueles que quisessem, poderiam ficar e juntarem-se a uma força auxiliar das SAA [Exército Árabe Sírio], lutando contra a al-Nusra [al-Qaeda na Síria] e contra o ISIS, ou policiando Douma enquanto força local.
6 - Aqueles que quisessem sair, seriam levados para Jarablus, em Aleppo, zona controlada por forças apoiadas pelo Euphrates Shield turco.
7 - Segundo este acordo, o Jaish al-Islam entregaria as suas armas pesadas apenas no início do processo de retirada das armas pesadas das SAA da região de Douma (numa fase de de-escalada do conflito).
8 - O Jaish al-Islam perguntou aos russos se estes poderiam garantir que as SAA retirariam as suas armas pesadas. Os russos responderam garantindo que aviões de combate não seriam usados e que algumas armas pesadas seriam retiradas.
9 - Armas pesadas seriam entregues às SAA sob observação da polícia militar russa durante todo o processo, a ocorrer num período de três dias.
10 - Após findo o período de uma semana, o Jaish al-Islam entregaria as suas armas médias e ligeiras, e as SAA retirariam as suas unidades de combate da área.
11 - Aqueles que entregarem suas armas podem ser integrados num acordo de reconciliação e solicitar a adesão à força policial por um período de duas semanas e, assim, proteger a sua área, com a Rússia agindo como garantidora.
12 - Uma brigada de combate de remanescentes do Jaish al-Islam seria também criada, permitindo estes lutassem ao lado da SAA contra grupos extremistas noutras zonas do país.
13 - A nova brigada e polícia criada a partir de remanescentes do Jaish al-Islam receberiam armas e apoio da Rússia.
14 - A polícia militar russa deveria estar presente nos postos de controle [checkpoints] e em toda a zona, de forma a garantir o que é dito acima.
15 - Depois de terem sido entregues as armas às SAA, um comité da Província de Damasco viria para Douma com a tarefa de resolver todos os problemas de que sofre a cidade: serviços, água, etc.
16 - Todos os civis devem voltar para suas casas. Civis de Douma em idade de serviço militar receberiam uma amnistia temporária.
17 - SAA e forças de segurança não entrariam na cidade. Os prisioneiros pró-governo seriam devolvidos às SAA através dos russos.
18 - Os russos saíram da reunião afirmando que estão aguardando uma resposta por escrito do Jaish al-Islam até às 20h00, afirmando que a entrega de armas é obrigatória para que qualquer acordo possa ser levado adiante.
19 - Depois de tudo isto, as negociações cessaram e nunca chegou uma resposta. Desde a tarde de hoje, o inferno voltou, com combates pesados e bombardeamentos, tanto em Douma quanto em Damasco.
Parece que o principal problema para o Jaish al-Islam é bastante simples: ninguém os quer, eles são os párias da comunidade terrorista dentro da Síria. A única opção disponível para evacuação é a de Jarablus. Eles não poderão levar consigo o seu pesado arsenal acumulado ao longo de anos (ou décadas) de actividades de contrabando financiadas, em grande parte, pela monarquia absolutista da Arábia Saudita, com Israel como parteira presente durante o nascimento de uma das mais brutais e tirânicos dos grupos terroristas dentro da Síria.
Jarablus is their only option. No one wasn't the Jihadists and they have enemies everywhere. Even Turkey struggle to receive them in their occupied area in northern Syria. Nobody wants pro-Saudi Jihadists when the real war is over.
— Elijah J. Magnier (@ejmalrai) April 6, 2018
O seu intrínseco barbarismo está agora a vir à tona com uma crueldade sem precedentes. O Jaish al-Islam executou civis que se opõem a eles, de forma a pressionar o governo sírio. A perda de vidas humanas não lhe importa. A estimativa conservadora dos prisioneiros encarcerados nas suas prisões de “arrependimento” é de cerca de 3.500, mas muitos me disseram que temem que haja muitos mais. Suas vidas estão agora por um fio.
Vidas serão perdidas se o Exército Árabe Sírio intensificar a campanha militar contra o Jaish al-Islam agora, mas vidas já estão sendo perdidas diariamente e, para se verem livres da ocupação terrorista, terão de pagar um repugnante e sangrento preço. São sempre os inocentes que sofrem.
Soldado do Exército Árabe Sírio em Jobar, Guta. (Foto: Vanessa Beeley)
Os soldados que vi em Guta parecem assombrados por esta escolha, escolha que lhes foi imposta por potências externas: estados membros da NATO, Turquia, Israel, Arábia Saudita. Estes soldados são obrigados a testemunhar a destruição do seu próprio povo de forma a libertar o seu próprio povo. Isso não é uma escolha, é o horrível resultado desta guerra de mudança de regime que levou uma nação inteira a fazer escolhas que desafiam todos os valores morais e éticos. Não é um reflexo do Exército Árabe Sírio, nem dos seus aliados. É o reflexo daqueles que estão realizando, financiando e promovendo esta guerra, para os quais todo e qualquer tipo de vida humana pode e dever ser esmagada durante a sua desenfreada corrida por objectivos destrutivos.
O Jaish al-Islam deixou os esforços de reconciliação russos e o governo sírio com muito pouca margem de negociação. Se pudessem, reduziriam a Síria a uma nação “da idade da pedra” repleta de cemitérios, e devem ser impedidos de o fazer. A violência gera violência nas mentes destes atrasados extremistas que não vêem nenhuma saída para a sua auto-imposta situação, os quais farão desaparecer Douma junto a eles próprios, caso não sejam impedidos. Os civis presos devem ser libertados e Douma deve ser também libertada dessa decadente carcaça de violência mantida a soro pelos senhores da guerra sauditas.
It's impossible to deal with Islamist terrorists who hold stone age values. The only way to defeat them is military force. #Douma / #EasternGhouta pic.twitter.com/koP3RsFpCP
— Kevork Almassian (@KevorkAlmassian) April 6, 2018
Vanessa Beeley, 07.04.2018, Damasco, Síria
traduzido para o português por Luís Garcia
versão original em inglês: SYRIA: Jaish Al Islam Renew Attacks on Damascus from Terrorist Occupied Douma