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Síria: Jaish al-Islam volta a atacar Damasco a partir de Douma, por Vanessa Beeley

07.04.18 | Luís Garcia

 

capa

 

Vanessa Beeley POLITICA 

 

Após dez dias de paz, os morteiros voltaram a Damasco. Uma breve pausa de cerca de dez dias de paz e a segurança foi quebrada pelas restantes facções do Jaish al-Islam ainda infiltradas em Douma, a última zona de Guta ainda sob o seu controlo.

 

Ontem, equipas de media estrangeiros foram levadas até Guta, acompanhadas pelo Exército Árabe Sírio de forma a nos proteger de vários riscos: minas, bombas caseiras, armadilhas, potenciais ataques suicidas, etc. Enquanto tentávamos entrar em Mleha, foi-nos dito que tinha havido um atentado suicida com uma bomba numa viatura em Barzeh, a cerca de 15 km a noroeste da nossa posição. Ficámos parados por alguns minutos e depois fomos aconselhados a voltar atrás. Soldados passaram por nós em carrinhas, indo em direcção a Mleha. Podíamos ver a fumaça se elevando mais adiante na estrada e disparos de armas esporadicamente disparadas ao longe.

 


Jaish al-Islam atacou ontem em al-Rabweh, Damasco (Foto: media sírio)

 

No mesmo dia, quatro civis foram mortos em Damasco, entre eles uma criança e uma mulher. Vinte e dois outros ficaram feridos nos ataques do Jaish al-Islam no centro da cidade que atacaram os bairros de al-Rabweh, Masaken, Barzeh, al-Mezzeh 86 e os arredores da Praça Umayyad. Na sexta-feira é tradição damascena que as famílias se dirijam a al-Rabweh para almoçar e passar a noite nas margens do rio num dos coloridos restaurantes que se alinham à beira da estrada. Este foi um ataque deliberado contra densas áreas civis, por parte de facções do Jaish al-Islam apoiadas pela Arábia Saudita e hostis estados do golfo.

 


Jaish al-Islam atacou ontem em al-Rabweh, Damasco (Foto: media sírio)

 

Ontem à noite, o rugido de aviões a jacto regressou, assim como como o estridente som da artilharia do Exército Árabe Sírio que ecoou pelas estreitas ruas de paralelos da Cidade Velha, sacudindo as janelas já frágeis, enquanto o povo afluía às ruas para o início da Páscoa Ortodoxa.

 


Ruas da Cidade Velha inundadas de gente, ontem à noite, em Damasco (Foto: Vanessa Beeley)

 

Hoje bem cedo ouvi o regresso dos disparos dos militantes do Jaish al-Islam que voltaram a atacar as áreas civis de Damasco. Sete morteiros atingiram o bairro de al-Mezzeh 86, os arredores da Praça Umayyad nas proximidades, e as zonas de Abu Remmaneh e Ish al-Warwar. Destes ataques indiscriminados resultaram os inevitáveis danos materiais em casas, carros e infra-estrutura pública.

 

O director geral do Hospital al-Mowasat, em Damasco, anunciou que ocorreram 6 mortes já no dia de hoje, assim como 38 feridos e 10 pessoas em estado crítico. O seguinte vídeo acabado de publicar pela Syrian Arab News Agency mostra as horríficas imagens deste mortíferos ataques sobre Damasco. Assista ao vídeo:

 

 

Ontem recebi a seguinte declaração do centro de reconciliação russo:

De acordo com as informações do Centro Russo de Reconciliação do dia 6 de Abril, regressaram os bombardeamentos sobre Damasco e sobre posições das forças do governo. Os ataques de morteiros e outras armas pequenas estão a ser levados a cabo por combatentes do Jaish al-Islam liderados por Abu Qusay, que assumiu o seu poder. Os líderes do grupo interromperam a evacuação de combatentes e seus familiares e exigiram rever questões anteriormente acordadas sobre o desarmamento do grupo.

Abu Qusay decidiu usar civis como escudos-humanos. Com o objectivo de intimidar a população, executaram civis que protestavam contra os combatentes que permanecem na área. Os terroristas também começaram a se preparar para a execução de reféns. Há cerca de 5 000 pessoas, incluindo mulheres e crianças, em 2 prisões do Jaish al-Islam.”

 

Ficou ontem bem claro que a nova liderança do Jaish al-Islam não quer baixar os braços e que causará o máximo de dano a Damasco e aos seus cidadãos antes de ser militarmente derrotado ou eventualmente evacuado.

 

Hoje no Twitter - O jornalista sírio-britânico Danny Makki publicou as seguintes actualizações. Os pontos abaixo enumerados foram directamente tirados do tópico [thread] da conta Twitter de Makki:

 

 

1 -  Ontem, o negociador russo e o Jaish al-Islam concordaram em vários pontos, e um acordo foi feito (mas à espera de confirmação final) que veria a entrega de armas, a ida de alguns militantes para Jarablus e a permanência de outros.
 
2 - Depois, quando a reunião teve lugar (ontem) para formalizar o acordo, o Jaish al-Islam voltou atrás nalguns dos pontos acordados e recebeu um prazo para responder.
 
3 - O Jaish al-Islam mudou de negociador para a reunião, substituindo Abo Ammar Dalwan (director político do Jaish al-Islam) pelo assistente de Abo Qusay al-Deirani (líder do Jaish al-Islam e oficial de segurança).
 

4 - Uma das razões para a retirada do Jaish al-Islam das negociações no final da reunião deveu-se a questões sobre a entrega de armas pesadas, o qual prefere entregá-las apenas quando uma solução política mais ampla seja alcançada, na Síria, nos termos daqueles que querem permanecer em Douma.

 

5 - A ideia era que, aqueles que quisessem, poderiam ficar e juntarem-se a uma força auxiliar das SAA [Exército Árabe Sírio], lutando contra a al-Nusra [al-Qaeda na Síria] e contra o ISIS, ou policiando Douma enquanto força local.

 

6 - Aqueles que quisessem sair, seriam levados para Jarablus, em Aleppo, zona controlada por forças apoiadas pelo Euphrates Shield turco.

 

7 - Segundo este acordo, o Jaish al-Islam entregaria as suas armas pesadas apenas no início do processo de retirada das armas pesadas das SAA da região de Douma (numa fase de de-escalada do conflito).

 

8 - O Jaish al-Islam perguntou aos russos se estes poderiam garantir que as SAA retirariam as suas armas pesadas. Os russos responderam garantindo que aviões de combate não seriam usados ​​e que algumas armas pesadas seriam retiradas.

 

9 - Armas pesadas seriam entregues às SAA sob observação da polícia militar russa durante todo o processo, a ocorrer num período de três dias.

 

10 - Após findo o período de uma semana, o Jaish al-Islam entregaria as suas armas médias e ligeiras, e as SAA retirariam as suas unidades de combate da área.

 

11 - Aqueles que entregarem suas armas podem ser integrados num acordo de reconciliação e solicitar a adesão à força policial por um período de duas semanas e, assim, proteger a  sua área, com a Rússia agindo como garantidora. 

12 - Uma brigada de combate de remanescentes do Jaish al-Islam seria também criada, permitindo estes lutassem ao lado da SAA contra grupos extremistas noutras zonas do país.

 

13 - A nova brigada e polícia criada a partir de remanescentes do Jaish al-Islam receberiam armas e apoio da Rússia.

 

14 - A polícia militar russa deveria estar presente nos postos de controle [checkpoints] e em toda a zona, de forma a garantir o que é dito acima.

 

15 - Depois de terem sido entregues as armas às SAA, um comité da Província de Damasco viria para Douma com a tarefa de resolver todos os problemas de que sofre a cidade: serviços, água, etc.

 

16 - Todos os civis devem voltar para suas casas. Civis de Douma em idade de serviço militar receberiam uma amnistia temporária.

 

17 - SAA e forças de segurança não entrariam na cidade. Os prisioneiros pró-governo seriam devolvidos às SAA através dos russos.

 

18 - Os russos saíram da reunião afirmando que estão aguardando uma resposta por escrito do Jaish al-Islam até às 20h00, afirmando que a entrega de armas é obrigatória para que qualquer acordo possa ser levado adiante. 

 

19 - Depois de tudo isto, as negociações cessaram e nunca chegou uma resposta. Desde a tarde de hoje, o inferno voltou, com combates pesados ​​e bombardeamentos, tanto em Douma quanto em Damasco.

 

Parece que o principal problema para o Jaish al-Islam é bastante simples: ninguém os quer, eles são os párias da comunidade terrorista dentro da Síria. A única opção disponível para evacuação é a de Jarablus. Eles não poderão levar consigo o seu pesado arsenal acumulado ao longo de anos (ou décadas) de actividades de contrabando financiadas, em grande parte, pela monarquia absolutista da Arábia Saudita, com Israel como parteira presente durante o nascimento de uma das mais brutais e tirânicos dos grupos terroristas dentro da Síria.

 

 

O seu intrínseco barbarismo está agora a vir à tona com uma crueldade sem precedentes. O Jaish al-Islam executou civis que se opõem a eles, de forma a pressionar o governo sírio. A perda de vidas humanas não lhe importa. A estimativa conservadora dos prisioneiros encarcerados nas suas prisões de “arrependimento” é de cerca de 3.500, mas muitos me disseram que temem que haja muitos mais. Suas vidas estão agora por um fio.

 

Vidas serão perdidas se o Exército Árabe Sírio intensificar a campanha militar contra o Jaish al-Islam agora, mas vidas já estão sendo perdidas diariamente e, para se verem livres da ocupação terrorista, terão de pagar um repugnante e sangrento preço. São sempre os inocentes que sofrem.

 


Soldado do Exército Árabe Sírio em Jobar, Guta. (Foto: Vanessa Beeley)

 

Os soldados que vi em Guta parecem assombrados por esta escolha, escolha que lhes foi imposta por potências externas: estados membros da NATO, Turquia, Israel, Arábia Saudita. Estes soldados são obrigados a testemunhar a destruição do seu próprio povo de forma a libertar o seu próprio povo. Isso não é uma escolha, é o horrível resultado desta guerra de mudança de regime que levou uma nação inteira a fazer escolhas que desafiam todos os valores morais e éticos. Não é um reflexo do Exército Árabe Sírio, nem dos seus aliados. É o reflexo daqueles que estão realizando, financiando e promovendo esta guerra, para os quais todo e qualquer tipo de vida humana pode e dever ser esmagada durante a sua desenfreada corrida por objectivos destrutivos.

 

O Jaish al-Islam deixou os esforços de reconciliação russos e o governo sírio com muito pouca margem de negociação. Se pudessem, reduziriam a Síria a uma nação “da idade da pedra” repleta de cemitérios, e devem ser impedidos de o fazer. A violência gera violência nas mentes destes atrasados extremistas que não vêem nenhuma saída para a sua auto-imposta situação, os quais farão desaparecer Douma junto a eles próprios, caso não sejam impedidos. Os civis presos devem ser libertados e Douma deve ser também libertada dessa decadente carcaça de violência mantida a soro pelos senhores da guerra sauditas.

 

 

Vanessa Beeley, 07.04.2018, Damasco, Síria 

traduzido para o português por Luís Garcia

versão original em inglês: SYRIA: Jaish Al Islam Renew Attacks on Damascus from Terrorist Occupied Douma

 

 
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