Revolução na Ucrânia? Sim, por favor! Revolução em França? Estado de Direito!, por Danielle Ryan
Quando violentos protestos abalaram Kiev em 2013, analistas e líderes ocidentais rapidamente apoiaram a "revolução" anti-governo mas, depois de semanas de protestos dos Coletes Amarelos em França, a reacção tem sido muito diferente.
A cobertura dos meios de comunicação ocidentais foi também drasticamente diferente, com relatos descrevendo manifestantes franceses como desordeiros, enquanto os manifestantes ucranianos foram descritos como revolucionários. Esta contrastante reacção levou muitos a perguntar-se: se uma suposta revolução é permitida (e até aplaudida) na Ucrânia, por que não o é na França?
LOL.
— Enrique⏳ (@garoukike) December 3, 2018
Ukraine: Regime Change!!
France: Respect the Law!!
The European Union very well represented in this hypocrite...😷 https://t.co/ad168H8Syv
#France protests spreadhttps://t.co/V1ixt1RpKW
— Charles Shoebridge (@ShoebridgeC) December 2, 2018
Reminder: When similar scale protests in Libya Syria Iran & Ukraine (in contrast to when in US UK allies eg SaudiArabia & Bahrain), the West urged overthrow of their govts, and our media reported them not as riots but revolutions
A polícia francesa reprimiu os manifestantes "Coletes Amarelos" com sangrentos confrontos, durante os quais foram usados canhões de água e gás lacrimogéneo para dispersar enormes multidões, as quais responderam atirando pedras contra a polícia. A amplitude do caos gerado levou a que alguns funcionários do govenro chegassem a ponderar impor um estado de emergência e levantou preocupações sobre o possível alastrar do movimento protestante a outros países como a Alemanha ou a Holanda. Preocupados, funcionários do governo e comentadores políticos franceses e europeus têm avidamente apelado ao respeito pelo "Estado de Direito" e para que os manifestantes violentos respeitem as instituições francesas.
Em Kiev, no entanto, quando os manifestantes incendiaram carros, destruíram propriedade pública e atacaram policias, foram considerados como heróis. Lei e ordem eram de pouca importância para os meios de comunicação ocidentais que apoiaram o movimento Maidan do fundo dos seus corações. Da mesma forma, quando os protestos contra o governo sírio começaram em 2011, os líderes e comentadores ocidentais defenderam o rápido derrube do governo e forneceram apoio moral (e material) aos rebeldes anti-governo durante a subsequente guerra civil que dilacerou o país.
Durante a sua visita à Argentina para a Cimeria dos G20 do último fim de semana, Macron prometeu que "não concederia nada" aos "bandidos" que querem "destruição e desordem". A sua falta de vontade para ceder diante de um massivo movimento de protestos, no entanto, não despoletou apelos nenhuns para que Macron se demitisse e respeitasse a vontade popular, tal como tinha acontecido na Ucrânia e na Síria.
No Twitter, o famoso comentador político francês e personalidade mediática, Bernard-Henri Lévy, atacou os manifestantes Coletes Amarelos, acusando-os de "brincar com fogo" e dizendo que tudo o que importa é o respeito pelas instituições francesas e pelo presidente democraticamente eleito.
A ceux qui ont joué avec le feu des #GiletsJaunes, aux @laurentwauquiez, @MLP_officiel, @JLMelenchon, etc, il n’y a, ce soir, qu’une question à poser: soutenez-vous, ou non, les institutions de la République? les forces de l’ordre? le Pdt démocratiquement élu? Le reste est blabla
— Bernard-Henri Lévy (@BHL) December 1, 2018
Os seguidores de Lévy, no entanto, foram rápidos em lembrá-lo de que a sua reacção aos protestos na Ucrânia havia sido bem diferente. Lévy, que se encontrava na Ucrânia durante o movimento Euromaidan, promoveu-a activamente, fazendo discursos e tweetando entusiasticamente sobre os protestos. Quando Yanukovych foi derrubado, Lévy descreveu o acotecimento como uma "derrota histórica da tirania".
Peuple du #Maidan ! vous avez infligé une défaite historique à la tyrannie. (signé #BHL) http://t.co/PwxRYgQtnm
— Bernard-Henri Lévy (@BHL) March 3, 2014
Enquanto os protestos continuavam na terceira semana, outros utilizadores do Twitter ridicularizavam a reacção ocidental contra movimentos governistas noutras regiões, com um utilizadora sugerindo, inclusive, que talvez centenas de especialistas árabes pudessem se reunir em extravagantes conferências com o intuito de decifrar as causas do fascinante movimento "Inverno Europeu".
Next year in the Arab world, we will hold a host of conferences on the 'European Winter' with hundreds of 'experts' to describe this phenomenon. #oxidentalism
— Yara (@yarahawari) December 3, 2018
Experts are already warning of a 'domino effect' leading the protests to spread from France to neighbouring countries. In all of this it's not clear how we in the East should respond, aside from calling on the French authorities to respect the right to protest.
— Karl Sharro (@KarlreMarks) December 1, 2018
Outro utilizador disse que é era hora de o presidente iraniano, Hassan Rouhani, pedir a Macron para mostrar “moderação” e garantir que a “liberdade de expressão e manifestação” seja respeitada em França.
It’s time for president Rouhani to call on his French counterpart to exercise "restraint and appeasement".
— Zahra Shafei 🇮🇷 (@shafei_d) December 3, 2018
"fundamental liberties, especially freedom of expression and demonstration, must be respected".#EuropeanWinter https://t.co/ooTnyJ1pBy
Sarcasmo à parte, parece mesmo que revoluções violentas e mudanças de regime são apenas soluções suficientemente boas para crises em países distantes dos centros de influência e poder ocidentais, e que sejam liderados por governos que não cooperem [com a vontade dos poderes ocidentais]. Quando os rumores de revolução são ouvidos em Paris, onde Macron continua comprometido com a defesa de uma ordem mundial neoliberal centrada no Ocidente, a história é completamente diferente.
Danielle Ryan, 3 de Dezembro de 2018
Traduzido para o português por Luís Garcia
Versão original em inglês aqui.