Resumo do conflito sírio - parte 3, por Luís Garcia
Organigrama do conflito
Protestos e Guerras Civis
Antes de começar a analisar a tão extensa e complexa rede de inimigos do estado sírio que se encontra em território sírio, façamos um exercício de imaginação.
Imaginemos que estamos em 2016 e que grandes manifestações emergem num qualquer país que não a Síria. Imaginemos que se trata de um país como os EUA, a França ou o Brasil, onde, por norma, protestos quer pacíficos quer violentos são despachados com carga policial violenta e prisão de manifestantes, e acompanhados de um grotesco coro-mediático (prostituído) que chama todos os nomes que se lembra aos manifestantes: bandidos, arruaceiros, psicopatas, criminosos, etc. E o caso morre dias depois, para recomeçar semanas ou meses depois, repetindo-se da mesmíssima forma, se não aparecer ninguém que os apoie e mude o rumo dos acontecimentos.
Imaginemos que por uma vez, sim, por uma vez os manifestantes pacíficos dos "99%" nos EUA, ou os manifestantes violentos de Paris em 2006 queimando centenas de carros, ou os manifestantes pacíficos do "Fora Temer" no Brasil recebiam ajuda militar proveniente da Rússia, da China e do Irão. Tal como nas farsas de revoluções na Ucrânia 2014, Líbia 2011, ou na Venezuela 2014-16, imaginemos que, em "apoio ao povo descontente e espancado pelo regime" brasileiro, e em completa ilegalidade segundo as leis internacionais assinadas na ONU, a Rússia entregava aos protestantes brasileiros tanques de guerra, a China enviava especialistas em treino de guerrilha urbana, o Irão enviava Toyotas Hilux transformados em carros de combate e os 3 enviavam milhares de kalashnikovs, roquetes, toneladas de explosivos e dezenas de milhões de dólares. Imaginemos que toda essa ajuda fosse aceite pelos brasileiros descontentes e que estes começariam uma guerra civil, destruindo cidades e provocando a morte directa e indirecta de civis. Imaginemos que, perante a manifesta desproporção de forças entre os "freedom fighters" brasileiros e as forças armadas brasileiras, a Rússia, a China e o Irão enviariam juntos 200 ou 300.000 mercenários pagos e treinados por estes países e vindos do mundo inteiro mas sobretudo de estados seus aliados (Venezuela, Cuba, Bielorrússia, Bolívia, etc.), disparando entretanto o número de mortos civis para as dezenas ou centenas de milhares. Imaginemos que, com todo este apoio, o conflito se espalharia por todo o Brasil, que a destruição e morte se generalizasse e que o país desmoronasse numa hiper-complexa rede de grupos e frentes guerrilheiras com alianças e inimizades inter-cruzadas quase impossíveis de perceber. Imaginemos que os media da Rússia, da China e do Irão, a cada acção armada das Forças Armadas do Brasil mostrassem estas exclusivamente como agressoras desumanas viciadas em horror e que nunca produzem danos colaterais, apenas genocídios orquestrados com sangue frio, por mais óbvio que fosse o direito das Forças Armadas do Brasil de combater um invasão estrangeira disfarçada de guerra civil. Imaginemos que Temer, o ditador "sanguinário", marcava eleições e ganhava-as democraticamente (bom, aqui é imaginação a mais, kakaka, pois no dia em que Temer o fizer, perderá estrondosamente! Ahahaha!) como fez Al-Assad em 2014, mas que os media desses países ignorariam por completo.
Por fim, imaginem que EUA e seus vassalos assistiriam a tudo isto ano após ano sem a mínima reacção. Não dá para imaginar pois não? Ao segundo dia desta farsa já haveria um conflito mundial provocado pelos EUA com o argumento de proteger os seus "interesses nacionais" privados no Brasil de Temer, seu mais recente fantoche e cão fiel. Pois não dá para imaginar! Pois claro que países não podem financiar nem apoiar militarmente ilegais e criminosos golpes de estado e guerras civis noutros países. Por exemplo, é proibido pela ONU a venda de armas a países em conflito. E nenhum país tem o direito de invadir outro sem autorização da ONU que seja justificada com razões humanitárias urgentes. E se assim é, como é que protestos pacíficos ou violentos, reprimidos ou não violentamente pelas autoridades sírias, se transformam numa guerra total entre a Síria e uma coligação de dezenas de países e centenas de organizações terroristas? Porquê? Porque as regras da ONU são para ser respeitadas, excepto se o país se chamar Israel, se for membro da NATO ou se for uma ditadura árabe submissa ao EUA. Simples! Por isso um ministro francês pode vir à TV nacional afirmar que "a al-Nusra (al-Qaeda) faz um bom trabalho na Síria". Por isso primeiros ministros e/ou presidentes de países como o Reino Unido, França ou EUA podem vangloriar-se em directo dos milhões de dólares desviados das contas públicas para patrocinar terrorismo "moderado" e não moderado. Não porque tenham razão ou porque seja legal! Não! É absolutamente ilegal e criminoso o que dizem sem receio em directo nas TV's nacionais! Fazem-no e dizem-no abertamente porque fazem parte do exclusivo lote de países terroristas acima da lei internacional! Estes apenas se regem pela lei do mais forte, do militarmente mais forte e do mais forte na arte do engano em massa!
Se toda a gente parasse para analisar o quão absurdo lhes pareceria que a Rússia ou a China armassem civis franceses descontentes com o seu governo tendo como resultado a total destruição da França, perceberiam como é infinitamente patética a figura de otário que fazem quando engolem hollywoodescas estórias de sanguinários chamados Gadafi ou al-Assad que se lembram de massacrar da forma mais sádica possível a totalidade do seu povo... porque acordaram mal dispostos um dia... ou porque não lhes passa a porra da dor dentes da semana anterior! É caso para dizer: méééééééé´!
E veja-se, com o passar do tempo, no que dá as massas ovelhizadas por consumismo e publicidades desumanizantes aceitarem todas as ilegais guerras e conflitos inventados pelos EUA e companhia: acaba toda a gente aceitando com toda a naturalidade que a França bombardeie ilegalmente a Síria sempre e quando os seus líderes acharem por bem fazê-lo, que a Turquia abra campos de treino de terroristas lado a lado com bases da NATO, que Israel receba nos seus hospitais terroristas feridos e que os EUA, além tudo isto e muito mais, se dê ao luxo de ter bases militares (temporariamente secretas) absolutamente ilegais em território sírio para depois ameaçar de abater caças sírios se os seus pilotos tiverem o desplante de voar sobre as tais ilegais bases militares dos EUA... em território sírio! É, demasiado surreal para ser verdade... mas é verdade, é factual, é real, irra! E mais, depois levamos com o porta-voz da NATO dizendo que os EUA tem todo o direito defender a integridade física dos seus militares(!!!) e que se algum fosse morto ou ferido (dentro dessas bases gringas ilegais em território sírio), os EUA teriam todo o direito de declarar guerra à Síria!!! Que loucura! Direito internacional quê? Isso é para totós humanistas, não para os EUA, esse estado terrorista por excelência, que precisamente por ser terrorista, caga para direitos internacionais. De todos os modos, é ridículo que falem de legitimidade para declarar guerra contra a Síria pois essa foi declarada a partir do momento em que militares dos EUA trespassaram ilegalmente a fronteira síria. Ou muito antes, quando os EUA começaram a despejar armas e mercenários para a invasão disfarçada de guerra civil que já dura há 5 anos...
Guerra é paz, paz é guerra
E veja-se que ao contrário não vale. Como? No Iémene parte do povo fez uma revolução que acabou com a ditadura de um fantoche a mando dos EUA e o resultado foi: primeiro levarem com uma inundação norte-americana de terroristas da al-Qaeda que serviu de desculpa para a força aérea dos EUA aterrorizar e bombardear a população civil; depois, uma clara invasão do Iémene por parte da Arábia Saudita, EAU e Reino Unido que acharam por bem castigar o povo iemenita por este se ter livrado do seu ditador! E ainda temos de levar com o primeiro-ministro francês (Manuel Valls) defendendo a milionária venda (ilegal segundo a ONU) de armamento à Arábia Saudita invasora com o argumento de ser sua obrigação defender a economia francesa com essas vendas. Ainda esta semana um jornalista da CNN usou o mesmo absurdo não-argumento para defender o próximo envio de armamento dos EUA para Arábia Saudita! Então, se a questão é económica e não humanista, que interessa se al-Assad seja sanguinário ou não e se chacina ou não o seu povo? Então não é irrelevante seguindo essa lógica? Não deveria Manuel Valls, fosse ou não verdade essa grotesca mentira de "al-Assad sanguinário", vender armas à Síria, visto que mais importante que salvar vidas humanas de guerras desnecessárias é salvar postos trabalhos em França? Se postos de trabalho de "desenvolvidos" franceses valem mais que vidas humanas de "retardados" árabes no Iémene, o mesmo se deverá se passar em relação a vidas humanas árabes da Síria, ora essa! E a ovelhada não vê o óbvio, que não é civilizado um ocidente que vende armas a genocidas com argumentos de protecção de postos de trabalho, ocidente esse que patrocina ilegalmente a total destruição da Síria e a morte de centenas de milhares de sírios com a desculpa "humanista" de vir salvá-los do bárbaro genocida! Anda tudo a dormir?
Já agora, e em relação à Arábia Saudita, quero deixar uma pergunta àqueles que de forma genuína acreditam que al-Assad é um sanguinário que deveria ser deposto: Que opinião têm sobre o rei da Arábia Saudita e sua família real? Mesmo que acreditem na mentira de um al-Assad sanguinário, não deveriam os energéticos humanistas anti al-Assad canalizar alguma dessa energia contra o senhor rei e dono da Arábia Saudita, esse país absolutista sem lei nem justiça? Sei lá, por uma razão de coerência! É que, por um lado, o senhor rei saudita ordena decapitar em praça pública cidadãos que ousam ter ideias políticas que não o satisfaçam. Por outro invadiu o seu vizinho (Iémene) sem a mais insignificante tentativa de explicação possível, e em completa ilegalidade. E por outro ainda, esse reizinho que decapita cidadãos e invade vizinhos, faz parte da "humanista" coligação encarregue de "resgatar os sírios do sanguinário al-Assad"! Não vos perturba tamanha sequência de incoerências caros humanistas possíveis leitores destas linhas?
Como deflagrou o conflito
Como sempre acontece quando alguém recusa se submeter aos "interesses nacionais" privados dos EUA e governa um país que tem o geográfico desplante de se meter no caminho entre o ponto de partida e o ponto de chegada de um oleoduto ou gasoduto a construir por uma ou mais empresas gringas, acaba por haver golpes de estado, mortes de chefes de estado em dias de tempestade ou guerras e barbárie...
Em 2011 estava-se no auge da palhaçada das Primaveras Árabes inventadas pelos senhores que governam os EUA e que achavam por bem mudar todos os governos de países árabes laicos ou religiosos, democráticos ou ditatoriais, por uma antiga anglo-saxónica ferramenta de terror chamada Irmandade Muçulmana. A Síria não foi excepção. Havia que tirar do poder o insubmisso al-Assad o mais breve possível, estorvo antigo do expansionismo territorial de Israel na região e, sobretudo, presidente de um país demasiado valioso para escapar às mãos dos "interesses nacionais" privados dos EUA. Com as imensas reservas de gás sírias recém descobertas, e sabendo dos antigos planos da Síria, Iraque e Irão de construir (com a participação da russa Gazprom) um gasoduto (Islamic Pipeline) do Irão até à costa mediterrânica (de onde o gás sírio e iraniano seguiriam rumo ao mercado europeu), os EUA não podia esperar mais. Tinha de intervir na Síria antes que acordos e contratos fossem em breve assinados, e assim o fez, fazendo deflagrar a Primavera Síria em Abril de 2011 e esperando que, com a queda próxima de al-Assad, os EUA, Arábia Saudita e Catar pudessem por em marcha o seu projecto concorrente de gasoduto passando pela Síria (Qatari Pipeline).
Até um membro da família Kennedy veio a público afirmar que a invasão da Síria vinha sendo preparado desde há muito devido à teimosia de al-Assad em não aceitar o projecto de gasoduto dos EUA e companhia: "Un miembro del clan Kennedy revela el oculto motivo de la guerra en Siria", assim como é famosa a afirmação em 2007 do general norte-americano Wesley Clark sobre os planos dos EUA para invadir a Síria (entre outros):
Àqueles que não entendem a relação causa efeito acima referida, aconselho-vos a analisar a relação entre distribuição de energia no continente eurasiático e as guerras "contra o terrorismo" dos EUA no continente eurasiático. É que se o fizer descobrirá que, por detrás de qualquer guerra ou golpe de estado patrocinado pelos EUA no Afeganistão ou Quirguistão, por exemplo, existe sempre a determinação de, por um lado destruir antigos oleodutos/gasodutos soviéticos com os bombardeamentos-mata-terroristas e, por outro, controlar a longo prazo os governos dos países por onde passarão os novos gasodutos/oleodutos a construir e ser explorados por empresas norte-americanas. É este o jogo: as reservas energéticas estão no coração do continente eurasiático; o mercado consumidor encontra-se na Europa; os antigos oleodutos/gasodutos soviéticos que ligam o centro da eurásia à Europa são controlados pela Rússia; Os EUA não acham piada nenhuma ao facto e correm contra o tempo para destruir os oleodutos/gasodutos soviéticos e substitui-los pelos seus! O conflito ucraniano é outro exemplo perfeito do que ainda agora afirmei.
Um bom livro (de introdução) a este tema da rapinagem energética norte-americana disfarçada de lutas pelo bem é este livro de Michel Chossudovsky:
Mas voltando à invernal "Primavera Síria", os EUA, como é hábito desde o enorme sucesso da Operação Ajax no Irão em 1953, pôs em marcha em Abril de 2011 o seu mecanismo de deposição de governos que, quase sempre com sucesso, foi responsável pelos golpes que deram ao mundo regimes beija-cus submissos dos EUA, como no Brasil 1965, no Chile 1973, no Honduras 2009, no Líbia 2011 ou no Ucrânia 2013, entre várias dezenas de outros. Por vezes acaba em guerra generalizada, por vezes basta adicionar sabotagem económica, por vezes funciona tão bem que o governo caí uns dias depois só de protestos e já está. Mas também falha, como no Bolívia 2008, no Venezuela 2002 ou no Venezuela 20014-16.
Nas semanas que se seguiram a Síria não caiu com os protestos e, contra os desejos económico-imperiais dos EUA, o acordo para a construção do gasoduto sírio-iraquiano-iraniano foi por fim assinado em Julho de 2011, 3 meses depois do início do terrorismo primaveril norte-americano na Síria.
Os Inimigos da Síria
Descontentes com um determinado governo, genuínos ou induzidos, há sempre. Os protestos iniciados em Abril de 2011 por sírios descontentes com o governo de al-Assad continham sem dúvida protestantes com legítimas razões de queixa. Nenhum governo é perfeito, todos estão longe de o ser, e o de al-Assad não era nem é excepção. No entanto o deflagrar desses conflitos, de forma maquiavélica, foi realizado por fora, à má-moda da Operação Ajax como já referi. Foram os protestos reprimidos com violência policial? Foram, e quê? Qual é o espanto? Ou alguém acredita que as formas de poder que gerem a vida de seres-humanos por esse mundo não fazem o mesmo? Ou alguém tem o desplante de negar que o mesmo aconteça com protestos pacíficos nos EUA, França, Brasil ou Portugal, onde civis são espancados e presos por cantarem cânticos e levantarem os braços com cartazes anti-governo? Por que haveria de ser diferente na Síria? Porque não haveria o governo sírio de fazer o mesmo que os nossos governos fazem, sobretudo perante manifestações não puramente de sírios mas também compostas (e criadas) por forças estrangeiras interessadas em espoliar o estado sírio? E como se explica que, enquanto os protestos pacíficos ou violentos no Ocidente levam com a violência policial que for precisa para acabar com eles, na Síria os protestos rapidamente se transformaram numa guerra civil iniciada por protestantes recorrendo a armamento ligeiro e pesado que não era suposto possuírem? Ahhh, tanta pergunta sem resposta a fazer aos crentes da religião Assad É Um Sanguinário E Ponto!
Mas tentemos explicar. Tentemos entender a revolta síria que não foi uma revolta mas sim um guerra de proxy (de procuração), uma invasão de EUA e companhia, em 3 fases, com o objectivo de retirar al-Assad do poder, colonizar a Síria para propósitos geoestratégicos e roubar-lhe os seus recursos energéticos. Numa primeira fase os EUA e companhia enviaram armamento e mercenários para a Síria, por terra (Turquia, Israel, Jordânia, Iraque) e pelo ar, onde reciclaram mercenários de outras aventuras terroristas ocidentais como as da Líbia, do Afeganistão, do Kosovo ou do Mali. E assim apareceram o Exército de Libertação Síria, Oposição Síria, al-Nusra (al-Qaeda) e centenas de outros grupos e subgrupos terroristas que serão tema de uma próxima parte deste Resumo do Conflito Sírio. Objectivo principal: destruir o estado laico sírio governado por Assad. Objectivo secundário: demonizar a imagem de al-Assad perante a ovelhesca opinião pública mundial, atribuindo os crimes das organizações mercenárias estrangeiras às Forças Armadas da Síria, de forma a legitimar perante aqueles um futura invasão da Síria por parte de um coligação humanista ocidental, caso os mercenários terroristas não cumprissem o primeiro objectivo. E assim o mundo ocidental e seus aliados árabes do golfo presentearam o povo sírio com forças de "libertação" que trouxeram a aplicação estrita da sharia num estado secular, a limpeza étnica de aldeias cristãs e judias, mercados de escravas sexuais menores de idade, decapitações de adultos e crianças, jaulas com mulheres servindo de escudos-humanos contra o exército regular sírio, entre muitos outros horrores, sempre focados na completa destruição material, social e cultural da Síria.
O derrube do regime sírio nunca chegou a acontecer por obra dessa miríade de organizações mercenárias ocidentais, mas quase podia ter acontecido quando se montou em 2013 a farsa do massacre de Guta com o objectivo de mostrar ao mundo que al-Assad teria ultrapassado a Obamiana "linha vermelha" além da qual uma invasão estrangeira seria inevitável. A perversa armadilha montada pela França (na qual foram usadas centenas de crianças raptadas meses antes para servirem de marionetas numa encenação de ataque químico de al-Assad contra o seu povo) só não resultou porque Putin, numa genial jogada de xadrez político, ofereceu-se para monitorizar a destruição do arsenal de armas químicas sírias em troca dos EUA desistir de invadir a Síria (ler Cómo los servicios de inteligencia de Occidente fabricaron «el ataque químico» de la Ghouta).
Por essa altura começou a segunda fase da guerra de proxy dos EUA na Síria, com a introdução nesse país de uma organização terrorista cujos comportamentos horríficos só podem ser comparados com a inquisição da Igreja Católica ou a colonização europeia do continente americano: o ISIS! Apesar do terror provocado desde a sua chegada (amigos sírios confirmam-me terem perdido familiares em 2013 às mãos de trogloditas que se consideravam membros do ISIS), o Estado Islâmico (ISIS), que de estado tem nada e de islâmico só leitura literal de tretas, apenas se tornou mediático no verão de 2014. Em Junho de 2014 lembro-me muito bem de ler que milhares de terroristas fugindo do exército iraquiano tinham desaparecido subitamente no deserto. E lembro-me muito bem que 3 dias depois tive contacto com notícias que informavam que um Estado Islâmico acabava de ser criado no deserto sírio junto ao Iraque... composto por 30.000 trogloditas saídos do nada. Milhares de terroristas sunitas apoquentando o governo xiita iraquiano por este não se vergar aos EUA e se inclinar para o Irão desaparecem e ao mesmo tempo aparecem milhares de terroristas sunitas invadindo a Síria... só não vê a ligação quem não quer!! Aos que não querem ver, dedico-lhes a próxima parte 4 do artigo, sobre ISIS e companhia.
Com a entrada em jogo do ISIS as Forças Armadas passaram de uma a duas guerras a combater, agora contra a Oposição Síria e contra o ISIS, o qual depressa se apoderou da região produtora de energia do país, estrangulando ainda mais a já estranguladíssima Síria, destruída pela guerra, e empobrecida/esfomeada não só pela guerra mas também pelo bárbaro embargo ocidental à Síria (que ainda hoje perdura).
Senão fosse pela entrada em campo das Forças Armadas da Federação Russa, muito provavelmente, apesar de terem resistido até então a uma intensa guerra contra dezenas de países muitíssimo mais ricos e poderosos durante 4 anos e meio, a Síria teria sido derrotada e condenada às trevas profundas como foi o caso da Líbia e do Afeganistão. Mas não, apesar da guerra económica imposta pelos EUA à Rússia através dos seus suicidas vassalos europeus como castigo à Rússia pelo golpe de estado que os EUA patrocinaram na Ucrânia, as Forças Armadas da Rússia alcançaram no fim de 2015 o nível de renovação e capacidade que Putin considerava necessário para poder intervir militarmente a favor da Síria, seu aliado histórico e geoestratégico.
Com a Rússia a balança inclinou de volta para o lado sírio, foi denunciada a evidente ligação entre Turquia (ler NATO, ler EUA) e o ISIS, o ISIS foi duramente atacado e destruído e as forças sírias puderam finalmente, graças ao apoio militar russo e também à modernização militar síria apoiada pelos russos, passar a reconquistar o território perdido durante os últimos anos. As massas de jornalistas-prostituídos bem tentaram (e conseguiram por entre as massas ovelhizadas) fazer passar os russos por vermelhos monstros sanguinários apoiantes de alauitas monstros sanguinários... mas poucos recuperam do duplo trauma de ver a Rússia libertar a multi-milenar Palmira das mãos do ISIS, apesar das ruínas se encontrarem fortemente armadilhadas e prontas a explodir em caso de derrota dos trogloditas islâmicos. Duplo trauma pois além da vitória da Rússia contra a representação do mal na terra, os russos, ao contrário do que costumam fazer os rambos gringos, não botaram a baixo as ruínas no acto de libertação!
E com este trauma de fim 2015, os EUA entram em 2016 com a sua terceira vaga de caos e horror: a criação (absurda) de um estado curdo no norte da síria onde vivem dezenas de grupos étnicos de várias confissões religiosas. Típica solução gringa, a de etno-estados que, como o próprio nome indica, têm a (des)virtude de destruir a riqueza e diversidade cultural de países bem mais interessantes culturalmente que os invasores EUA! Para o fazer juntaram alguns membros da NATO, Austrália e todas as forças curdas que conseguiram comprar pelo dinheiro, e deram a essa absurda mistura o nome de Forças Democráticas Sírias (FDS), imagine-se! Para o tornar possível, criaram bases militares norte-americanas ilegais e no início secretas em território roubado à Síria e não, não mudaram de nome, continuaram a auto-denominarem-se de "democráticos" e de "sírios", imagine-se! E para que a ovelhada ocidental não estranhasse antes de entranhar, encomendaram às suas organizações terroristas (ISIS) o massacre de Kobani e outros, de modos que a chegada de ocidentais "salvadores" de curdos foi aceite com toda a naturalidade pelas massas ocidentais, por pouco ou nada que compreendessem essas massa o porquê do massacre de uns ou da chegada de outros.
A criação das ignominiosas FDS trouxe várias vantagens aos EUA neste guerra contra a insubmissa Síria. Serviu para desviar alguns dos até então aliados de al-Assad na luta contra o terrorismo da Oposição Síria e do ISIS: os curdos sírios e curdos turcos, embora muita da informação e das opiniões partilhadas por curdos nas redes sociais deixe transparecer a ideia que o suborno/compra de curdos por parte dos EUA tenha se realizado apenas por entre as chefias militares curdas, enquanto que os combatentes na base da pirâmide respeitam em contra-vontade as ordens de cima ou nem sequer as respeitem. Em 2014, no Curdistão turco, encontrei-me com curdos que combateram nas batalhas do norte da Síria contra o ISIS e a parte da Oposição Síria que atacava curdos, e não me ficou a menor dúvida que aqueles curdos turcos, obviamente, apoiavam o governo de al-Assad. É portanto difícil hoje, em 2016, imaginá-los a combater as forças de al-Assad. As linhas cinzentas no organigrama entre Síria e algumas forças curdas representam o que acabei de escrever neste parágrafo.
Como se entendeu muito bem (entrelinhas) no aviso de John Kerry (EUA) a Serguei Lavrov (Rússia), aquando do primeiro grande cessar fogo a meio de 2016, ao referir-se à necessidade de implementar um Plano B no caso em que o cessar-fogo corresse mal (e os EUA fez tudo o que era possível para correr mal), os EUA davam a si próprios a autorização para criar um novo estado independente no norte da Síria, o Curdistão Sírio. Assim os EUA podiam por fim justificar mediaticamente a invasão da Síria pela NATO e assegurar pelo menos uma parte do território para um possível plano alternativo de gasoduto construído no matter what! Perante a lei internacional, perante a ONU, no entanto, justificaria coisa nenhuma, ficaria tudo na mesma: na mais profunda ilegalidade!
Com a desejada ocupação militar dos EUA (via apoio às Forças Democráticas Sírias), os EUA passaria então a atacar o ISIS, sua criação útil em período de destruição mas sem valor de ocupação a longo prazo, o qual (ISIS) deveria ser aos poucos substituído no terreno pelas Forças Democráticas Sírias (FDS) que tomariam conta do terreno à espera da independência do novo Curdistão Sírio. É que, o mundo nunca aceitaria um país chamado Estado Islâmico (ISIS) mas, o mundo repleto de pseudo-humanistas, haveria de babar-se de cabeça aos pés perante a criação de um novo país cujo nome contivesse a palavra Curdistão. Assim se explica que os EUA tenha continuado a fornecer apoio militar ao ISIS estabelecidos longe das FDS e perto das Forças Armadas Sírias (de al-Assad). É que, ao fazê-lo, ao apoiar o ISIS perto das zonas controladas por al-Assad, não só enfraqueceria as Forças Armadas Sírias (al-Assad), principais inimigos das Forças Democráticas Sírias (NATO+curdos), como, ao proporcionar a eventual conquista de territórios pelo ISIS a al-Assad, estaria a aumentar a área potencial de conquistas das FDS contra o ISIS, áreas essas que num futuro próximo viriam a constituir o tal Curdistão Sírio, que a realizar-se, seria o mais recente estado vassalo dos EUA.
Tudo muito bonito para os EUA, se não existisse a Rússia e as suas Forças Aéreas... E para baralhar mais as contas, veio o golpe de estado falhado na Turquia. Senão tivesse falhado, por certo teríamos assistido a mais uma rocambolesca surpresa bélica dos EUA neste conflito sírio. Como falhou (ler segunda parte deste artigo), a reacção da Turquia ao golpe falhado veio estragar as contas aos EUA, "conquistando" a brincar território ao ISIS que assim não cairão nas mãos das FDS (NATO+curdos) nem serão, por enquanto entregues ao seu dono legítimo que é o estado sírio. E mais, a ilegal incursão turca tem o mérito de acabar de uma vez por todas com a possibilidade das duas zonas controladas pelo FDS (uma no litoral e outra no interior junto ao Iraque) se juntem numa só, o que seria imprescindível para os EUA no caso de ainda querer construir no seu novo Curdistão Sírio um gasoduto entre a fronteira sírio-iraquiana e a costa síria.
Antes de chegar às conclusões, gostava de deixar esta reflexão: como é irónico que os governos dos EUA e Europa tudo façam para que as suas massas distraídas tenham ódio e fobia a muçulmanos, e ao mesmo tempo apõem vários grupos curdos (muçulmanos, portanto) que juntos são supostos criar um estado curdo em território sírio onde até agora viviam algumas das mais antigas sociedades cristãs do mundo, como são o caso dos Assírios. Mais, os EUA, que se apresentam à ovelhada ocidental como os Neo-Cruzados, inventaram a Oposição Síria e o ISIS que dizimaram inúmeras aldeias e vilas de cristãos e judeus sírios, e em seguida inventaram o Curdistão Sírio para acabar com o trabalho. E tudo isto sob a desculpa de apoiar a revolta popular contra um "sanguinário genocida" al-Assad que faz parte da comunidade Alauita, um grupo étnico-religioso conhecido por realizar um pacífico sincronismo entre crenças muçulmanas e crenças cristãs, que celebra rituais das duas religiões e que frequenta tanto mesquitas como igrejas (apesar de se considerarem muçulmanos de religião). Isto num país que leva milhares de anos sendo o mais puro exemplo de país onde se pratica de forma tolerante uma das mais complexas pacíficas misturas de religiões e grupos étnicos que o mundo já conheceu. O período de governação de al-Assad pai e de al-Assad não foram excepção! E, ironia das ironias, os EUA, país que se auto-propôs à tarefa de desfazer este belo exemplo sírio, nasceu, cresceu e prosperou do massacre de nativos americanos, da escravidão de africanos e da submissão feudal da maioria pobre europeia que lá chegou na condição de servos não livres... bravo EUA, bravo!
Por fim dizer que as Forças Armadas da Síria (e seus aliados sírios, palestinos, iranianos e russos) são os únicos combatentes coerentes desta guerra absurda. Olhando o organigrama é fácil de compreender que ao contrário de todos os outros grupos envolvidos, a Síria (e aliados) só tem um objectivo: recuperar a integridade do território que legalmente lhe pertence, lutando contra todas as outras forças inimigas postas ao mesmo nível, ao nível de agressores e invasores que são. Na oposição o contrário reina, ou seja, os objectivos são múltiplos e inter-cruzados, denotando-se apenas um denominador comum: a aplicação da Teoria do Caos em favor dos "interesses nacionais" privados dos EUA. Senão, é só confusão e incoerência: os EUA combate a al-Qaeda ao mesmo tempo que ajuda a al-Qaeda a combater as Forças Armadas da Síria; os EUA apoia o ISIS contra as Forças Armadas da Síria enquanto que ataca o ISIS em protecção às FDS; A Turquia combate as Forças Democráticas Sírias (FDS) compostas por curdos e NATO ao mesmo tempo que a Turquia é país membro da NATO; Os EUA são aliados quer das FDS quer da Oposição Síria, o que não impede que haja combates entre FDS e Oposição Síria, e por aí fora... a lista de incoerências é quase infinita... Portanto, um viva a multi-étnica, multi-religiosa e muito coerente Síria!
Luís Garcia, 13.09.2016, Chengdu, China
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