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Resumo do conflito sírio - parte 2, por Luís Garcia

08.09.16 | Luís Garcia
 

  

resumo do conflito sírio p2.jpg 

Luís Garcia POLITICA  

Organigrama do conflito

Formato Original  Formato Reduzido

Os Inimigos e os aliados do Iraque, do Irão e da Rússia 

Agora vamos às linhas verdes e vermelhas, que é como quem diz, vamos analisar quem está em conflito com quem e quem apoia quem. Convém lembrar que, devido à inúmera quantidade de grupos e sub-grupos (sobretudo do lado da Oposição Síria) envolvidos neste conflito, quando afirmo que uma coligação de forças se encontra em guerra com alguém, não significa que todos os membros dessa coligação estejam presentes nessa determinada frente de batalha, principalmente por serem demasiado pequenos ou por encontrarem-se presentes em pequenas partes do território sírio. Por exemplo, o Partido Islâmico do Turquestão: acima já referi que a China tem um conflito latente com esta organização a qual, na Síria, enfrenta, por entre os aliados da Síria, a Liwa Fatemiyoun e o Hezbollah. Portanto, quando disser que a coligação pró-Síria está em conflito com uma determinada força, significa no geral que as forças armadas sírias mais algum (ou alguns) aliado(s) estão em conflito com alguém. Seria tarefa infinita (ler impossível) descrever ao pormenor todos os inimigos de todas as forças e todos os cruzamentos de forças em conflito.

 

Iraque (e Síria)

O Iraque encontra-se em guerra com o ISIS, apesar de ser um estado ocupado pelos EUA. Enquanto ocupante, a grande potência militar do planeta poderia proteger o Iraque e evitar que este fosse ocupado pelo ISIS (veja-se a título de exemplo a perfeita inviolabilidade do estado israelita, suposto inimigo número 1 de terrorismos islâmicos, durante os 5 anos do conflito). Mas não, o ISIS tem origem precisamente no Iraque, onde as forças armadas e a polícia do tempo de Saddam Hussein foram despedidas das suas funções a pedido de George Bush, O Ocupante. O resultado foram 2 milhões de homens com treino militar despedidos e prontos para serem seduzidos pelo ISIS, pela al-Qaeda e outras, essas criações norte-americanas (sunitas) que no Iraque iriam ter como principal função desestabilizar o poder democraticamente eleito no Iraque. Porquê? Porque com eleições ganha a maioria; a maioria é xiita; e os xiitas (iraquianos) são pró-Irão (país de maioria xiita). Aos EUA não lhes interessa a prosperidade iraquiana, apenas a sua importância estratégica como terreno para bases militares (úteis no cerco ao Irão) e zona de passagem de oleodutos e gasodutos norte-americanos.

 

O Iraque encontra-se em conflito com Al Qaeda (sunita) pelas mesmíssimas razões de desestabilização que interessam aos EUA.

 

O Iraque encontra-se em conflito com o Curdistão Iraquiano (estado vassalo-económico de Israel), o qual se aproveita do conflito entre o Iraque e os agressores terroristas (ISIS e al-Qaeda) para se apoderar de territórios historicamente árabes. Uma vez mais, na perspectiva dos EUA, o Curdistão Iraquiano serve de contrapeso ao poder das eleições democráticas, essa produto que os EUA adora exportar e que adora detestar quando os resultados democráticos são contrários aos seus interesses.

 

O Iraque encontra-se militarmente ocupado, a norte, pela Turquia, país que para aí se deslocou oficialmente com a desculpa de ir combater o ISIS. Não faz(ia) sentido nenhum, sabendo-se que precisamente graças à Turquia o ISIS pode durante muito tempo armar-se e vender o petróleo roubado à Síria e ao Iraque. Ou até faz sentido, mas apenas agora, na Turquia pós-golpe de estado falhado que, mais que combater o ISIS (não o faz, finge fazê-lo) que antes alimentava, ordena-o que saia do norte da Síria onde é substituído pela ocupação turca ilegal cujo o objectivo é impedir as forças curdas de capturar mais território sírio ao quase-morto ISIS. A conquista do norte da Síria pela Turquia em meia-dúzia de dias contra o ISIS é militarmente inverosímil, demasiado rápida, demasiado fácil, com perdas humanas e materiais quase nulas para os turcos... treta!

 

Paradoxal mas não tanto é a reacção sírio-russa, reagindo oficialmente nas Nações Unidas contra a ilegal invasão turca da Síria com "preocupação", sem contudo não desprezar o valor desta invasão turca que ordena a retirada do ISIS e que poupa homens, recursos e tempo dos russos e dos sírios na luta contra as Forças Democráticas Sírias (NATO e curdos) que ali tentam instalar um inventado Curdistão.

 

Voltando ao Iraque, aí a Turquia veio combater sim forças curdas, mas quais? O Curdistão Iraquiano tem um historial de boas relações políticas e económicas com a Turquia de Erdogan!. A Turquia entrou em 2016 no Curdistão Iraquiano para combater curdos turcos e curdos sírios, desde que estes últimos 2, aliados da Síria de al-Assad até então, se venderam à promessa norte-americana do tal estado independente curdo no norte da Síria. Até aqui, inclusive os curdos iraquianos (pró-Israel e pró-Turquia) eram inimigos dos curdos turco-sírios que combatiam pela Síria de al-Assad, Síria essa constantemente atacada pela força aérea de Israel e pelo ISIS (ler Turquia). Agora é difícil perceber de que lado estão os curdos Iraquianos que, recebendo os curdos sírios e curdos turcos no seu território (que lutam contra a Turquia), ao mesmo tempo continuam os seus negócios com a Turquia de Erdogan. Este ponto é impossível de entender!

 

Insisto, ainda sim: todas as forças curdas, ou pelo menos os seus comandantes, apoiam esse Cavalo de Tróia norte-americano composto por forças armadas de países da NATO, Austrália e forças curdas, e que dá pelo orweliano nome de Forças Democráticas Sírias (FDS). Objectivo dos EUA: criar o Curdistão Sírio independente, ou seja, dividir para reinar; ou seja, se não podem controlar a Síria inteira, os EUA ambiciona controlar parte, pois precisa mesmo de construir a porra do gasoduto proveniente do Catar! Mas todos os curdos? Não pode ser! É que voltamos à grande incompatibilidade: ao mesmo que a turca supostamente combate todos os curdos, a Turquia continua assinando acordos de parceria económica com o Curdistão Iraquiano relacionadas com a extracção de petróleo no Iraque, ainda há 2 semanas o fez. Mais um problema de incompatibilidades: temos neste momento a Turquia, membro da NATO, em guerra aberta com uma coligação de curdos e...  com países membros da NATO, o tal FDS! Há uns tempos encontrei aqui na China um ex-militar polaco que, coitado, ingénuo, me confirmou que também as forças armadas da Polónia se encontram ocupando (ilegalmente) o norte da Síria em apoio a essa anedota ilegal de FDS. Ele próprio esteve em combate na Síria durante meses. 

 

Isto tudo dá num duplo conflito de interesses: a Turquia é membro da NATO; o patrão da NATO é os EUA; o Iraque é um estado ocupado pelos EUA; e, ora essa, a Turquia entra militarmente nesse estado ocupado pelos EUA! E logo para quê! Para combater as várias secções curdas agora todas vendidas à promessa norte-americana de lhes criar um estado independente! A Turquia, com a desculpa de ir combater o seu aliado ISIS, e aliada dos EUA e membro da NATO, invade um estado vassalo dos EUA (Iraque) para destruir as forças que esperam criar um novo estado vassalo dos EUA, o Curdistão Sírio (que nunca chegará a existir, se tudo correr bem). Que absurdo se não fosse tão real!

 

Irão

O Irão, além de directamente envolvido na guerra da Síria e na resistência palestiniana à ilegal ocupação israelita, está em conflito de várias intensidades com Israel, EUA e os seus tristes vassalos. Por um lado sofre (ainda) parcialmente do desonesto embargo já referido acima e que é uma clara guerra económica com consequências graves para o Irão, 18ª economia do mundo (que por birra dos donos do mundo não faz parte do G20). Por outro lado, é vítima constante de terrorismo de estado de Israel e EUA. Nos últimos anos vários cientistas do programa nuclear iraniano foram mortos em atentados à bomba; mais, a central de enriquecimento de Natanz foi alvo de sabotagem através do vírus Stuxnet, o qual provocou a destruição de milhares de centrifugadoras contendo material radioactivo; mais, a totalidade do país e não apenas a central de Natanz são alvo potencial de guerra electrónica já preparada e prestes a ser usada a qualquer momento. Um óptimo resumo desta grave situação é o documentário norte-americano Zero Days cuja visualização aconselho vivamente.

 

Rússia

Turquia: toda a gente ouviu falar do avião de guerra russo abatido pela força aérea turca, certo? No entanto, como saber se o ataque foi uma decisão da Turquia ou antes a execução de uma ordem do seu patrão, os EUA? Tendo em conta o desenrolar dos acontecimentos durante e após o golpe de estado falhado contra Erdogan, a segunda opção parece-me a mais provável (ler o artigo Os golpistas turcos, os bárbaros gregos e os angélicos europeus). Ao que tudo indica, o golpe falhado contra Erdogan foi realizado pelas forças armadas turcas fiéis aos EUA com apoio dos EUA. Como se chega a tão alucinante conclusão? Simples, os militares turcos envolvidos no golpe falhado são oficiais da NATO (ler fiéis aos EUA). A Turquia fechou por completo a principal base dos EUA na Turquia, a base de Incirlig junto à Turquia onde se encontram os mísseis nucleares dos EUA apontados à Rússia e de onde saiam os caças da NATO para bombardear a Síria. Mais, o governo russo afirma que avisou horas antes o governo turco do golpe que estava para chegar. Se o fez, informar a Turquia que meses antes abatera um caça russo, é porque teria algo a ganhar com isso: sabotar um golpe dos EUA e capturar a submissão de Erdogan com tão preciosa ajuda. Mais, os pilotos turcos que haviam atacado o caço russo voaram a partir de Incirlig e estavam às ordens da NATO (ler EUA). Depois do golpe falhado... sim, foram ambos presos a pedido de Erdogan. O padrão compõe-se, não? E veja-se as consequências: Erdogan pediu desculpa à Rússia pelo caça abatido, ambos os países reataram as negociações para a construção do oleoduto Turkish Stream e a Turquia ordena ao ISIS que saia da Síria! 

 

Outra frente em que a Rússia está envolvida é a luta contra o terrorismo islâmico dentro das suas fronteiras. No Cáucaso russo encontram-se várias organizações terroristas como o ISIS, a al-Qaeda ou Emirado do Caúcaso. Ao combatê-las na Síria, junto às Forças Armadas da Síria, tenta eliminar o mal à distância, mostrando que a presença russa na Síria, mesmo que se devendo a altruísmo, deve-se sobretudo ao pragmatismo russo ao serviço da integridade e segurança da Federação Russa.

 

Destaco só mais uma frente envolvendo a Rússia: a Ucrânia pós golpe de estado do FMI e dos EUA. No final de 2013 o democraticamente eleito governo ucraniano de Yanukovich assinou um enorme acordo económico com Putin, em detrimento de um outro proposto pela União Europeia. Quando digo que Yanukovich foi eleito democraticamente, quero dizer que a maioria dos seus cidadãos optaram pelo partido dele, independentemente de ser corrupto ou não, independentemente de ter casas de banho com torneiras em ouro ou não, como regurgitavam sem cessar as ovelhas do EuroMaidan que apelidavam Yanukovich de ditador! Voltando ao acordo russo-ucraniano, este, por entrar em conflito com os interesses norte-americanos de cerco e isolamento militar e económico à Rússia, tinha de ser abortado fosse como fosse. Como é hábito, e em poucos dias, as células Gladio (forças secretas da NATO)  adormecidas por essa Europa fora, e também na Ucrânia, criaram um farsa de revolução que acabou com a demissão de Yanukovich e com a instalação no poder de uma explosiva ditadura rússofoba composta por funcionários do FMI (vários nem sequer ucranianos de nacionalidade), grupos de extrema-direita NAZI's, ultra-conservadores religiosos e máfia ucraniana. Resultado: caça aberta e oficial aos russos, interdição de se falar russo em locais públicos, nova constituição imposta em menos de 3 horas, e por aí fora. Não podendo deixar ao abandono (de acordo com a constituição russa) os milhões de russos de nacionalidade ucraniana perseguidos (sobretudo na Crimeia quase exclusivamente habitada por russos) e não podendo perder a sua estratégica porta de entrada no Mar Mediterrâneo que é a sua base naval na Crimeia, a Rússia ocupou militarmente a Crimeia e ofereceu um referendo aos habitantes russos que, sem surpresas, votaram pela reintegração à sua antiga pátria. Se não o fizesse, fechava-se por completo o cerco da NATO-EUA ao ocidente da Rússia e a base naval da Crimeia nas mãos dos EUA seria como se a Rússia abrisse uma base naval nas Baamas ou na fronteira México-EUA.

 

Outro ponto sobre a Ucrânia que diz respeito à Rússia: a Ucrânia desde então vende armamento leve e pesado à Turquia, Barém, Catar e Arábia Saudita, os quais por sua vez os distribuem pelas suas organizações terroristas na Síria (ISIS, al-Qaeda, Exército de Libertação Sírio, etc.). Pior, vários documentos filtrados provam que a Ucrânia tem vendido ao Catar bombas de modelo russo/soviético incompatíveis com os caças de guerra norte-americanos da força aérea do Catar mas, e não é coincidência não, idênticas às bombas que os caças russos usam nos bombardeamentos ao ISIS e outros grupos terroristas. Daí a vermos na RTP ou no Público freedom fighters (mercenários terroristas) mostrando pedaços de bombas de fabrico russo como prova que a força aérea russa bombardeia apenas, exclusiva e maquievelicamente criancinhas, velhinhos e incapacitados... é um pequeníssimo passo de propaganda de enorme efeito sobre manadas e ovelhadas...

 

Para acabar com a Ucrânia no que à Rússia diz respeito, é um facto comprovado que o governo do primeiro oferece terreno para campos de treinos a mercenários islâmicos em parceria com a Turquia (acredito que a situação tenha mudado após o golpe falhado na Turquia, mas não há notícias que neguem ou confirmem tal suposição), grupos que confrontarão as forças russas quando voltarem para a Síria e que ultimamente têm cometido ataques e actos de sabotagem contra a Crimeia agora russa.

 

Na próxima parte vamos ao centro da questão: quem está em guerra com a Síria legítima, a governada por al-Assad.

 

Luís Garcia, 08.09.2016, Chengdu, China

 

 leia também  Resumo esquemático do conflito sírio

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