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Pensamentos Nómadas

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Por que razão a Venezuela e a Síria não podem cair, por André Vltchek

19.12.18 | Luís Garcia

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Andre Vltchek Política Sociedade

 

AVISO: A versão original em inglês deste artigo é antiga e data de 10 de Junho de 2018. 

 

Apesar das tremendas dificuldades que o povo venezuelano tem vindo enfrentando, apesar das sanções e das intimidações vindas do exterior, o presidente Nicolás Maduro ganhou um segundo mandato de seis anos.

 

Há duas semanas atrás, na embaixada da Venezuela em Nairobi, no Quénia, onde me dirigi a vários líderes de oposição de esquerda da África Oriental, um Charge d’ Affaires, Jose Ávila Torres, declarou: "O povo da Venezuela está agora enfrentando uma situação semelhante à do povo sírio".

 

Verdade. Ambas nações, Venezuela e Síria, estão separadas por uma tremenda distância geográfica, mas estão unidas pelo mesmo destino, pela mesma determinação e pela mesma coragem.

 

Durante a Guerra Civil Espanhola, combatentes anti-fascistas checos, voluntários das Brigadas Internacionais, costumavam dizer: "Em Madrid, estamos lutando por Praga". Madrid caiu nas mãos dos fascistas de Franco em Outubro de 1939. Praga fora ocupada por tropas alemãs vários meses antes, em Março de 1939. Foram a cegueira e a cobardia dos líderes europeus, assim como o apoio que as hordas fascistas assassinas receberam das populações de todas as partes do continente, que levaram a uma das maiores tragédias da história moderna: uma tragédia que apenas terminou a 9 de maio de 1945, quando as tropas soviéticas libertaram Praga, derrotando a Alemanha nazi e, de facto, salvando o mundo.

 

Mais de 70 anos depois, o mundo enfrenta uma outra calamidade. O Ocidente, mentalmente incapaz de terminar pacificamente com os seus vários séculos de assassino reinado sobre o planeta, um reinado que já ceifou centenas de milhões de vidas humanas, está concentrando as suas forças e precipitando-se de forma tresloucada em todas as direcções, provocando, antagonizando e até mesmo atacando directamente países tão longínquos como a Coreia do Norte (RPDC), China, Irão, Rússia, Síria e Venezuela.

 

O que está acontecendo agora não é chamado de fascismo ou nazismo, mas é precisamente isso, visto que o [seu] bárbaro domínio é baseado no desprezo pelas vidas humanas não-ocidentais, em fanáticos dogmas de extra-direita que fedem a excepcionalismo e num desejo desenfreado de controlar o mundo.

 
Muitos dos países que se recusaram a vergar-se à brutal força ocidental foram recente e literalmente reduzidos a escombros, incluindo o Afeganistão, a Líbia e o Iraque. Em muitos outros países, os governos foram derrubados por intervenções directas e indirectas, assim como trapaceados, como foi o caso do mais poderoso país da América Latina: o Brasil. Inúmeras "revoluções coloridas",  "revoluções guarda-chuva" e outros tipos de revoluções como as "primaveras" têm sido patrocinadas por Washington, Londres e outras capitais ocidentais.

 

Mas o mundo está acordando, lenta mas irreversivelmente, e a luta pela sobrevivência da nossa espécie já se encontra em andamento. 

 

A Venezuela e a Síria estão, sem margem para dúvidas, na vanguarda desta luta. 

 

Contra todas as expectativas, sangrando mas mantendo-se heroicamente de pé, estes países posicionam-se contra poderes esmagadoramente mais fortes, e recusam desistir.

 

"Aqui ninguém se rende!", Gritou Hugo Chávez, já careca devido à quimioterapia, morrendo de cancro que muitos na América Latina acreditam ter sido obra dos Estados Unidos. O seu punho estava cerrado e pesada chuva caía sobre o seu rosto. Assim morreu um dos maiores revolucionários dos nossos tempos. Mas a sua revolução sobreviveu e continua marchando em frente!

*

Estou bem consciente do facto que muito dos meus leitores são ocidentais. Por alguma razão, especialmente a europeus, já não consigo explicar o que significa ser um revolucionário. Recentemente discursei perante uma grande assembleia de professores "progressistas" que teve lugar na Escandinávia. Tentei despertá-los da letargia, tentei explicar-lhes que monstruosos crimes o Ocidente tem vindo a cometer pelo mundo inteiro durante séculos.

 

Tentei mas falhei. Quando as luzes se acenderam, senti-me perfurado pelos olhares penetrantes. Sim, houve aplausos, e muitos levantaram-se com aquele falso cliché de ovação em pé. Mas eu tinha plena noção que os nossos mundos encontravam-se separados por uma enorme distância. 

 

O que se seguiu foram pré-fabricadas e superficiais questões sobre direitos humanos na China, sobre o "regime de Assad", mas nada sobre a responsabilidade dos povos ocidentais. 

 

Para se perceber o que se passa na Síria e na Venezuela, é preciso sair da mentalidade ocidental. Não pode ser compreendido por egoístas mentes obcecadas exclusivamente com sexualidade, orientação sexual e com interesses pessoais. 

 

Há algo de fundamental, algo muito elementar e humano que está ocorrendo quer na Síria quer na Venezuela. Trata-se de orgulho humano, de amor à pátria, de amor pela justiça e por sonhos, por uma muito melhor configuração do mundo. Não é algo mesquinho, é de facto algo enorme. Algo grande o suficiente pelo qual vale a pena lutar e morrer. 

 

Em ambos os países, o ocidente fez um erro de cálculo, tal como claramente fez erros de cálculo nos "casos" de Cuba, da Rússia, da China, do Irão e da Coreia do Norte. 

 

“Patria no se vende!” ("A Pátria não se vende!") tem sido repetido durante décadas em Cuba.

 

Lucro não é tudo. Ganho pessoal não é tudo. Egoísmo e minúsculos embora inflamados egos não são tudo. Justiça e dignidade valem muito mais. Ideais humanos valem muito mais. Para algumas pessoas é de facto mais valioso. Sim, sem dúvida, são, acredite em mim, por mais absurdo que possa isto soar no Ocidente. 

 

A Síria está sangrando, mas recusa render-se ao terrorismo injectado pelos ocidentais e seus aliados. Aleppo transformou-se na Estalinegrado dos tempos modernos. A troco de um enorme preço, a cidade resistiu a todos os viciosos ataques, conseguiu alterar o curso da guerra e, graças a isso, salvou o país. 

 

Venezuela, tal como Cuba nos anos 90, encontra-se sozinha, abandonada, cuspida e demonizada. Mas não se ajoelhou.  

 

Na Europa e na América do Norte, análises do que se está ali passando têm sido feitas de forma "lógica" e "racional". Ou será mesmo assim?

 

Será que os ocidentais sabem de facto o que significa ser colonizado? Será que sabem quem são os "opositores venezuelanos"?

 

Será que estão a par da forma persistente com que terror tem sido espalhado pelo ocidente, durante séculos, por toda a América Latina, desde lugares como a República Dominicana e Honduras, até ao Chile e Argentina nos confins do continente?

 

Não, não sabem nada, ou quase nada, como aqueles alemães que viviam mesmo ao lado de campos de exterminação e que, depois da guerra, defendia-se dizendo que não tinham ideia sobre a natureza daquele tal fumo saindo de chaminés.

 

Não há praticamente um país da América Central e do Sul cujo governo não tenha sido derrubado pelo menos uma vez pelo Norte, a toda a vez que se decidiu trabalhar em prol do povo.

 

E o Brasil, no ano passado, transformou-se na "última edição" dos pesadelos, das campanhas de desinformação, das "fake news" e de golpes, espalhados em conjunto com "elogios" vindos do Norte, por intermédio de "elites" locais.

*

Está a ver, não vale de todo a pena discutir demasiados assuntos com a "oposição" de países como a Venezuela, Cuba ou a Bolívia. O que há a dizer já foi dito. 

 

O que está ocorrendo não são discussões académicas mas sim guerra: uma real e brutal guerra civil.

 

Eu conheço a "oposição" nos países da América Latina, e conheço as suas "elites". Sim, claro que conheço muitos dos meus camaradas, os revolucionários, mas também estou bem familiarizado com as "elites".

 

Só para dar uma ideia, deixe-me relembrar aqui uma conversa que tive uma vez na Bolívia com o filho de um poderoso senador de direita, que era ao mesmo tempo um magnata dos meios de comunicação. Num estado ligeiramente ébrio, ele insistia em repetir que:

“Em breve correremos a pontapé com esse índio de merda [presidente da Bolívia, Evo Morales] ... Acha que nos preocupamos com dinheiro? Temos montes de dinheiro! Não queremos saber se perdemos uns milhões de dólares, mesmo 10 milhões de dólares! Nós iremos espalhar insegurança, incerteza, medo, deficits e, se for preciso, até fome... Sangraremos esses índios até à morte!"  

 

Tudo isto poderá soar "irracional" e indo contra o seus próprio evangelho capitalista. Mas eles não se preocupam com racionalidade, apenas pensam em poder. E, de qualquer das formas, aqueles que os manipulam a partir do Norte, compensarão as suas perdas.

 

Não há forma de negociar ou de debater com este tipo de pessoas. São traidores, ladrões e assassinos.

 

Há décadas e décadas que vêm usando a mesma estratégia, apostando na candura e no humanismo dos seus oponentes socialistas. Arrastavam governos progressistas para infinitos e fúteis debates, usando depois os seus próprios média e também média ocidentais para os difamar. Se não funcionasse, sufocavam as suas próprias economias, criando deficits como no Chile antes do golpe de estado de Pinochet de 1973. Quando nada disto funcionava, usavam terror às claras e de forma implacável. E por fim, como último recurso, recorriam a intervenções ocidentais directas. 

 

Não estão lá pela "democracia" ou sequer pelo "livre mercado". Estão lá para servir os mestres ocidentais e os seus próprios interesses feudais.

 

Negociar com eles é perder. É o mesmo que jogar o jogo com as suas próprias regras. Porque por detrás deles está toda a propaganda ocidental, assim como a maquinaria financeira e militar. 

 

A única maneira de sobreviver é endurecer, cerrar os dentes e lutar. Como Cuba tem feito desde há décadas e, sim, como a Venezuela está fazendo agora.

 

Essa abordagem não parece muito "adorável"; nem sempre é "clara", mas é o único caminho a seguir, o único caminho para o progresso e único que garante a sobrevivência da revolução .

 

Antes de Dilma ter sido "impugnada" por esse bando de corruptos tresloucados pró-Ocidente, eu sugeri, no meu ensaio que foi censurado pelo Counterpunch mas que foi publicado em dezenas de outros média em todo o mundo e em muitas línguas, que ela deveria ter enviado tanques para as ruas de Brasília. Sugeri que era essa a sua obrigação, em nome do povo brasileiro que votou nela e que beneficiou enormemente com o governo do seu PT. 

 

Ela não o fez, e agora tenho quase a certeza que ela se arrepende de não o ter feito. O seu povo está novamente sendo roubado; está sofrendo. E, como resultado, toda a América do Sul está em desordem.

*

Corrupção? Má administração? Durante décadas e séculos, os povos da América Latina foram governados e roubados por bandidos corruptos que usavam o seu continente como uma vaca leiteira, enquanto viviam na repulsiva opulência da aristocracia ocidental. Obviamente, tudo o que foi feito em nome da "democracia" foi uma tremenda trapalhada. 

 

A Venezuela ainda existe, sofrendo horrivelmente e quase morrendo de fome, mas em recuperação, e com o povo se unindo em apoio ao governo. É que, para muitas pessoas, os interesses pessoais são secundários. O que de facto importa é o seu país, a ideologia socialista e a grande pátria sul-americana. Patria grande.

 

Tudo isto é impossível de explicar. Não é racional, é intuitivo, profundo, fundamental e humano.

 

Aqueles sem ideologia nem capacidade de se comprometer, nunca o entenderão. E, sinceramente, que importa se o fazem ou não.

 

Esperemos que em breve o Brasil e o México (os dois mais populosos países da América Latina) votem em novos governos de esquerda. Então as coisas mudarão e tornar-se-ão bem melhores para a Venezuela.

 

Até lá, Caracas tem de contar com os seus distantes mas chegados camaradas e a amigos, China, Irão e Rússia, e também com a sua linda e destemida irmã: Cuba.

 

Evo Morales recentemente alertou que o Ocidente está planeando um golpe na Venezuela.
 

O governo de Maduro tem de sobreviver mais alguns meses, até o Brasil regressar e o México se juntar ao grupo.

 

Será uma luta dura, quem sabe até sangrenta. Mas a história não se faz com fracos compromissos e capitulações. Não se pode negociar com o fascismo. A França tentou, durante a segunda guerra mundial, e todos sabemos no que deu.

 

O ocidente e o seu fascismo só podem ser combatidos, jamais apaziguados.

 

Quando alguém defende o seu país, as coisas não podem ser todas certinhas. Não existem santos. Santidade conduz à derrota. Os santos nascem depois, depois de obtida a vitória e quando a nação puder se dar ao luxo de os ter.

 

A Venezuela e a Síria têm de ser apoiadas e defendidas, custe o que custar.

 

Essas maravilhosas pessoas, venezuelanos e sírios, estão agora sangrando, lutando em nome de todo o mundo oprimido e não-Ocidental. Em Caracas e Damasco, as pessoas estão lutando, lutando e morrendo pelas Honduras e pelo Irão, pelo Afeganistão e pela África Ocidental.

 

Os seus inimigos apenas podem ser parados pela força.

*

Na Escandinávia, um verme sírio, que mora no Ocidente, que vilipendia o presidente Assad e que é totalmente recompensado por o fazer, desafiou-me, assim como ao "regime" sírio e ao Irão, durante uma sessão de perguntas e respostas. Eu disse que me recuso a discutir isto com ele, pois mesmo que passássemos duas horas gritando um com o outro, em público, nunca encontraríamos um ponto em comum. Foram pessoas como ele que começaram a guerra, e guerra é o que merecem ter. Eu disse-lhe que ele é sem dúvida pago pelos seus esforços e que a única maneira de resolvermos o assunto seria "lá fora", na rua.

 

A Venezuela e a Síria não podem cair. Há demasiadas coisas em jogo. Ambos lutam neste momento contra algo enorme e sinistro: lutam contra o imperialismo ocidental no seu todo. Não se trata apenas de alguma "oposição" ou de alguns elementos traidores dentros das suas sociedades.

 

Trata-se de algo bem maior. Está em jogo o futuro e a sobrevivência da humanidade.

 

Milhares de milhões de pessoas em todo o mundo têm seguido de perto as eleições na república bolivariana. Lá, o povo votou. O presidente Maduro ganhou. Uma vez mais ganhou. Com cicatrizes e marcas, mas ganhou. Uma vez mais, o socialismo derrotou o fascismo. Viva a Venezuela, irra!

 

André Vltchek, 10 de Junho de 2018

Traduzido para o português por Luís Garcia

Versão original em inglês aqui.

 

Por Lula, de Andre Vltchek

André Vltchek é um filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu e cobre guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus últimos livros são  Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o revolucionário romance Aurora e um trabalho best-seller de análise política: “Exposing Lies Of The Empire”. Em português, Vltchek vem de publicar o livro Por Lula. Veja os seus outros livros aqui. Assista ao Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo, assim como ao seu filme/diálogo com Noam Chomsky On Western Terrorism. Pode contactar André Vltchek através do seu site ou da sua conta no Twitter.

 

 

 

 

 

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