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Pensamentos Nómadas

Nomadic Thoughts - Pensées Nomades - Кочевые Мысли - الأفكار البدوية - 游牧理念

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Operação Mali - parte 1, Luís Garcia

03.02.13 | Luís Garcia
 

 

Bandeira de Azauade

Luís Garcia POLITICA    

A ORIGEM DO MAL

A origem do mal é europeu, sim, uma vez mais aponto o dedo ao nosso continente, e com toda a lógica, basta dar uma breve olhada ao mapa de outro continente, o africano, para concluir que uma terra como esta habitada por populações com organizações sociais tribais que variam entre as centenas e as dezenas de milhares de indivíduos não é de todo compatível com o seu mapa político que com regra e esquadro europeus se dividiu em absurdas parcelas de países na sua maioria com mais de 1 milhão de km2 (2 vezes a França). Veja-se por exemplo o Ruanda! Sem querer de todo fazer a apologia de qualquer género de massacre ou barbárie entre membros de uma mesma espécie humana, quando traços são desenhados em linha recta separando membros de uma mesmo povo em dois lados de uma nova fronteira política, deixando por outro lado nações historicamente rivais/inimigas dentro dum mesmo estado político, é fácil de prever que irrompam "guerras civis" e que "cidadãos" atravessem "ilegalmente" fronteiras políticas desencadeando conflitos internacionais que desencadeiem genocídios, miséria e refugiados. Mali é um exemplo perfeito, gauleses e ingleses juntaram-se em privado e criaram do nada este estado que não é de todo uma nação, focados apenas em interesses estratégicos e partilha de áreas de acção para cada um dos 2 ex-impérios. Resultado: um país de 1,24 milhões de km2 que se estende desde a África tropical de população negra (predominantemente Bambara) a sul até ao centro do Deserto do Saara a norte habitado por inúmeras tribos nómadas como os Tuaregues ou os Mouros. Não nos espantemos então que conflitos brotem e se repitqm vezes sem conta em África, e deixemos-nos desse paternalismo bacoco de afirmar que "com tanta guerra e miséria, melhor estavam eles sob o nosso jugo", não, não, fomos nós que criámos as condições de instabilidade (países e fronteiras artificiais)  e mais, somos nós que fornecemos os meios (armamento) para que os conflitos se desenrolem incessantemente (no top dez dos exportadores de armamento estão 7 países europeus, além dos inevitáveis EUA, Rússia e China).

 

AS REVOLUÇÕES TUAREGUES

1916-1917 - A primeira revolução Tuaregue contra o colonizador francês deu-se entre 1916 e 1917 nas Montanhas de Aïr (norte do Níger, no Deserto do Saara). Uma bando de 1000 homens liderados por 2 irmãos (Kaocen e Mokhtar Kodogo) e munidos de armamento roubado na Líbia italiana, conquistaram várias cidades e controlaram-nas por um curto período de tempo, findo o qual as populações que os apoiavam acabaram vítimas silenciosas de perseguições e execuções. Kaocen acabou por ser enforcado em 1919 e o seu irmão morto por forças francesas em 1920.

 

1961-1964 - A segunda revolução Tuaregue ocorreu no Mali, imediatamente a seguir à criação deste estado artificial resultante da descolonização francesa. Os tuaregues, um povo nómada que se move no Saara central e nos bordos do Sahel, ou seja num vasto espaço dividido entre a Líbia e a Argélia, assim como no Mali e Níger(1)reivindicava o seu direito à autodeterminação e à criação de um estado próprio no interior do Saara que reflectisse a realidade demográfica desta área do planeta ao invés de se perpetuar as consequências nefastas das decisões coloniais francesas (e europeias).  Como agravante, os tuaregues e outros grupos minoritários não foram integrados no novo governo do Mali, e, quando o governo passou a promover uma lei de reforma agrária que poderia ameaçar as terras tradicionais das tribos tuaregues, estes protestaram. Isso, combinado com a insatisfação em relação ao novo governo levou alguns tuaregues no norte do Mali a rebelar-se em 1961.(2)

 

Neste mundo, como já foi dito acima, as guerras fazem-se quando o ocidente decide fornecer armas. Ora os tuaregues encontravam-se completamente abandonados e esquecidos. Com armamento quase inexistente a rebelião tuaregue depressa se transformou em guerrilha, a qual teve escassos "sucessos" em ataques relâmpagos contra as forças do poder estabelecido, poder esse que com o armamento fornecido pelo ocidente neutralizou por completo a rebelião, cometeu massacres sobre civis tuaregues e devastou completamente a região norte do Mali,  levando assim as populações tuaregues à miséria e à condição de refugiados em países vizinhos. Obviamente a independência do Mali (e seus vizinhos) nada teve a ver com os valores eloquentemente evocados pelas potências ocidentais que tanto se vangloriam pela sua entrega à causa da liberdade e da auto-determinação dos povos, que tanto elogiaram a nobreza das decisões políticas e dos valores humanos que estariam supostamente por detrás da onda de independências em África naquela época. Nada disso, descolonizando politicamente, o ocidente abria caminho à colonização económica, estabelecendo e armando ditaduras amigas  e dóceis, e patrocinando a repressão de povos (como os tuaregues) que, no decorrer das suas lutas pela liberdade e auto-determinação, pudessem pôr em causa o acesso aos recursos naturais explorados agora indirectamente através do referido colonialismo económico.

 

2007-2009 - A terceira rebelião teve origem no regresso massivo dos anos 90 de populações Tuaregues dispersas durante muito tempo na Argélia, Líbia e outras zonas do Níger e Mali que voltaram para as suas regiões originais. A outra razão para a rebelião deveu-se à dificuldade destas populações em integrarem-se na realidade social malinesa assim como na realidade política, na qual políticos tuaregues inseridos em governos nacionais rapidamente eram afastados dos seus cargos por pressão da maioria negra, e muitas vezes acabaram presos. Esta revolução, tal como as anteriores, foi principalmente uma guerra de guerrilha entre rebeldes tuaregues do norte e as forças armadas da maioria (populações negras do sul). Ao contrário das antecedentes, esta revolução acabou com negociações de paz, intermediadas pela Argélia no caso do Mali, e pela Líbia de Gadafi no caso do Níger. Uma das principais consequências desta nova revolução falhada foi a interrupção da produção de urânio, afectando o abastecimento das centrais nucleares francesas.

 

2012-2013 (Actualidade) - Se bem que a causa para mais uma revolução é a mesma de sempre - a vontade de autodeterminação dos povos Tuaregues do Mali e países limítrofes-, desta vez entraram em jogo dois grandes catalisadores, ambos Made in USA.

  1. Segundo o New York Times, nos últimos quatro anos os Estados Unidos investiram entre 520 a 600 milhões de dólares em treinos e armamento  destinados a preparar as forças armadas do Mali na "luta contra o terrorismo", mas ao invés do que seria de prever, não formaram apenas militares das etnias negras do sul que governam o país, mas incluíram também nessa nova força "anti-terrorista" homens provenientes da minoria Tuaregue. Ora, em Março de 2012, depois dos islamistas bem armados provenientes de Líbia invadirem o norte do Mali, o general Amadou Sanogo - treinado pelos instrutores norte-americanos - encabeçou o golpe de estado ocorrido no país.(3) Levanta-se aqui uma questão interessante: será esta nova falha de ingerência norte-americana mais um exemplo da sua aselhice em matéria de política externa e geostratégica, ou terão os EUA agido de plena consciência, antevendo uma revolução na qual poderiam vir a intervir mais tarde, oficialmente em prol da luta anti-terrorismo e da exportação da democracia, mas pragmaticamente em prol dos seus interesses nacionais (sede de recursos estratégicos), que é como quem diz, correndo o colonizador-económico francês (seu aliado e amigo quando convém ) para depois tomar o seu lugar.
  2. Os EUA, com a fulcral ajuda dos seus vassalos ingleses e franceses, criaram na Líbia uma rebelião artificial, treinaram mercenários líbios e de várias outras nacionalidades a que os nossos media erroneamente chamaram de rebeldes e freedom fighters, forneceram-lhes explosivos, armamento ligeiro e mais tarde armamento pesado, bombardearam com os seus caças as principais cidades do país até deixar o mais desenvolvido país africano num monte de escombros, e no final deixaram esse bando de mercenários à solta no país,  livres para saquear, violentar, matar, e vingar com as suas próprias mãos  antigas disputas e querelas (no caso dos mercenários líbios de tribos hostis à do ex-presidente Gadafi). Findo o golpe ocidental disfarçado de revolução democrática líbia, uma grande parte dos mercenário-rebeldes foram contratados para outra gravíssima ingerência: a farsa de revolução Síria. Mas não todos, muitos deles, tuaregues  encontrando-se finalmente com meios bélicos e treinos militares necessários para o sucesso da sua antiga causa independentista no Mali e Níger, voltaram às suas terras natal. E não voltaram sós, rebeldes-mercenários de outras nacionalidades vieram com eles, podendo nós nos perguntarmos pelas razões deste sucedido: porque partilham a mesma fé islâmica, porque foram companheiros de armas, porque apoiam a causa tuaregue, a verdade é que chegaram ao Mali bem organizados e com ideias bem definidas.

 

GOLPE DE ESTADO NO MALI, INDEPENDÊNCIA DE AZAUADE

Essas ideias independentistas bem definidas agora apoiadas por armamento em condições e rebeldes bem treinados levaram a que em poucos dias  o Movimento Nacional de Libertação de Azauade (MNLA) lograsse fazer aquilo que nunca nenhum outro movimento independentista Tuaregue tinha obtido nos 100 anos precedentes: conquistar (com facilidade) importantes cidades e/ou controlar vastos territórios, mostrando capacidade militar pela primeira vez na sua história de lutar de igual para igual com o Exército do Mali. Durante os primeiro 2 meses deste novo conflito (Janeiro/Fevereiro de 2012) as conquistas, retiradas e reconquistas foram várias, provocando a ruptura de munições no exército malinês e um desgaste nos meios político e militar em Bamako que levaram vários militares malineses de baixo ranking (descontentes com as humilhações sofridas a norte contra os tuaregues) a desencadear um golpe de estado em Março. O golpe foi condenado pelo ocidente e foi condenado também ao "fracasso", visto que a 8 de Abril a "ordem" restabeleceu-se no poder central, por entre mediações de países vizinhos e revoltosos amnistiados, com golpistas a abdicarem das pretensões de governar o Mali, entregando o poder à Assembleia Nacional do Mali, enquanto o presidente Amadou Touré renunciava ao seu cargo.

 

No entanto 2 dias antes, a 6 de Abril, a organização tuaregue do MNLA tinha já proclamado a independência de Azauade, nomeando Gao capital do novo estado tuaregue e a assegurando pela voz de Mossa Ag Attaher que reconheciam e pretendiam respeitar as fronteiras internacionais com os estados vizinhos. Esta declaração de independência foi fruto da onda de conquistas tuaregues durante o período de instabilidade institucional em Bamako, durante o mês de Março, provocada pelo golpe militar, e no qual o MNLA aproveitou para em apenas 3 dias capturar as três maiores cidades da região norte: Kidal, Gao e Timbuctu.

Mapa de Azauade

Notas

 

Referências

  • Estes são os principais artigos usados para a construção deste meu artigo, mas muitos outros  lidos na imprensa online portuguesa e estrangeira não ficam aqui referenciados, assim como não serão referenciados programas noticiosos visionados em canais como a Russia Today, a PressTV, a HispanTV, a Telesur e canais mainstream ocidentais. 

 

Luís Garcia, Ribamar, Portugal, 03.02.2013

 

 
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