Não querer saber
Talvez se se deixasse de perpetuar à força um sistema de escassez fomentado pelo acesso a recursos através de dinheiro, acabasse a lamentela em relação ao facto de a maior parte das pessoas "não querer saber" da verdade acerca dos acontecimentos político-económicos, porque deixariam de ter de se arrastar em empregos precários, senão precários que ocupam a maior parte da jornada diária, altamente desgastantes, física e psicologicamente, os quais exercem sempre num ambiente altamente stressante, orientadas pelo medo de a qualquer momento poderem, como sempre podem, perder tudo, ser despedidas e já não poder sustentar a família, perder a casa, perder a possibilidade de se deslocar, não poder comer, viver na rua ao sabor das intempéries ambientais também elas provocadas por uma elite que pretende, a todo o custo, manter-se como tal na hierarquia social mundial e, para tal, manter também todos os estratos abaixo de si no seu devido lugar, também porque deixariam de aprender, de pequeninos, a submeter-se a autoridades, a submeter a sua opinião e posição pessoal, a sua capacidade crítica, ao grupo, a autoridades que emanam sempre os conhecimentos que são os considerados verdadeiramente essenciais para se manter vivo e prosperar, a frequentar um sistema de ensino desenvolvido para o exército prusso no século XIX e que deu origem à educação pública, em que tanto num como no outro o objetivo sempre foi doutrinar as pessoas para seguirem ordens e aprenderem o suficiente para desempenhar uma função requerida socialmente, aniquilando outros aspetos fundamentais do desenvolvimento do intelecto humano, e que levam a que as pessoas aceitem tão passivamente tudo o que lhes é imposto pelo coletivo, por quem está acima de si na hierarquia, e degluta e integre no imediato e para sempre os preceitos culturais transmitidos por essa via. Talvez se se superasse todas essas condicionantes, como eu ia a dizer, as pessoas não chegassem a casa cansadas demais para se interessarem por procurar fontes de informação independentes, para estudarem ciência, para aprenderem algo que poderiam aplicar para contribuir para melhorar a sua própria vida, a dos outros ao seu redor, a dos animais, a do planeta.
Não vale a pena perpetuar atitudes moralistas, atitudes de crítica destrutiva ao sistema, atitudes de padre a dar o sermão do púlpito, se não se criarem condições para que as pessoas desenvolvam valores diferentes, integrem conhecimento relevante e adquirem a capacidade de comunicar com os outros e não impor uma comunicação aos outros, o que não é possível se se insistir em manter modelos linguísticos ambíguos e culturalmente cêntricos. Não vale a pena pedir uma revolução, violenta ou não, se se perpetuarem culturalmente os mecanismos que fazem com se verifique um "eterno retorno" do fascismo.
Ricardo Lopes