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Pensamentos Nómadas

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Laos, o pesadelo do viajante

05.09.15 | Luís Garcia
 

 

 

 VIAGENS Claire Luís Garcia

 

Depois da Tailândia fomos para o Laos, um país de altíssimas e intermináveis cadeias montanhosas. Alto foi também o preço a pagar para as poder ver, muitíssimo alto, sem dúvida.

 

Na República Popular Democrática do Laos, tudo e qualquer coisa tem um preço, até mesmo ajuda. Um bom exemplo foi o caso que se passou na Embaixada do Vietname em Vientiane, onde um funcionário laociano nos propôs que “comprássemos-lhe“ a ajuda de nos dar de volta os nossos passaportes uma hora antes do estabelecido quando este apenas precisava de abrir uma gaveta e de lá tirar os passaportes já prontos com vistos e carimbos. Recebemos muitas propostas do género pelo caminho, inclusive enquanto fazíamos boleia, quando os pouquíssimos condutores que paravam não andariam mais que meia-dúzia de quilómetros sem nos perguntar “quanto pagas para andar mais ? “, por muito ricos ou muito pobres que fossem !

 

À chegada a Vientiane, o que primeiro nos chocou foram os preços, muito mais altos que em Banguecoque ou Lisboa. Depois, descobrindo pouco a pouco o quão artificial é a cidade (prédios acabados de construir, nada de histórico, um monte de edifícios para um sem-número de mais ou menos úteis repartições públicas, produtos caríssimos e todos os serviços possíveis e imaginários para turistas…), pensámos ainda assim que a capital fosse um caso isolado.

 

No entanto, quando começámos a nos afastar de Vientiane, percebemos que seria de todo impossível viajar num país onde aos estrangeiros cobra-se sempre preços especiais para tudo o que possa ser comprado (o dobro do preço, o triplo e muito mais), onde não existe uma economia real e no qual cada insignificante acto de vida (ou melhor, de sobrevivência) tem um preço. E mais, uma vez que os turistas aceitam com todo o prazer dar dinheiro de mão beijada por toda e qualquer razão (por mais absurda que seja), um estrangeiro é pura simplesmente visto como sendo um multibanco ambulante.

 

À nossa maneira aprendemos que, num país no qual a bandeira comunista ondeia literalmente em todo o lado (vimos milhares delas), o conceito de propriedade privada reina acima de tudo. E mais, que neste pseudo-comunismo, as gentes impiedosamente recusam nos dar bens de primeira necessidade que nunca ninguém antes nos recusou no país vizinho da Tailândia ou em qualquer outro país capitalista por nós visitado na Europa ou na Ásia.  Por exemplo, encher uma garrafa com água sob um sol escaldante enquanto pedíamos boleia à beira de uma estrada cheia de pó ! A sério, um estrangeiro poderia morrer à beira da estrada por um motivo ridículo que por certo nenhum laociano reagiria. Bom, minto, por vezes reagiam ironicamente, fazendo troça da nossa miserável condição… que adorável este povo! Outra necessidade básica, água quente para preparar um café ou uma sopa instantânea quando tínhamos frio ou fome, para esquecer, ninguém no Laos daria. Preferem mandar fora !

 

Fomos para Vang Vieng com o objectivo de ver as belíssimas montanhas que rodeiam o imenso vale, desprevenidos do facto que estaríamos a entrar no mais conspurcado e extremo ambiente turístico onde uma pessoa (estrangeira), imagine-se,  tem de pagar para passar uma ponte pública a pé (o bilhete falso é imprimido por um cabrão aldrabão laociano que vive ao lado da ponte e que depois os vende às manadas de turistas ovelhescas, seres sempre prontos a mandar dinheiro fora). Se uma pessoa decidir passar sem pagar, o mais certo é encontrar-se de seguida à bulha com três macacos laocianos (pessoas, queríamos nós dizer) ou, andar 1 km até à próxima ponte (esta sim privada) feita em bambu e que termina dentro de água a 2 metros da margem, daí que um pessoa ou a sua mota tenham que entrar na água (carros não passam )! Para quem tenha uma viatura de 4 rodas, aconselhamos que passe na ponte anterior à velocidade máxima possível e que passe por cima desses bandidos vendedores de bilhetes falsos. Vang Vieng é ainda uma pequena e muito artificial cidade cuja razão de existência reside no facto de multidões de turistas lobotimizados virem embebedar-se à grande para de seguida fazerem “tubbing” e serem literalmente tratados como gado. Van Vieng é ainda esse inesperado destino turístico no qual se podem comprar bilhetes de comboio para viajar num país que não tem nenhumas linhas de comboio.

 

Ainda assim, tivemos por lá um momento de liberdade quando alugámos uma scooter e fomos andar às voltas sem destino pelas montanhas que se estendem pelos céus com impressionantes formas, aproveitando deste modo para nos afastarmo-nos do gado turista. E sim, não havia um único turista naquelas maravilhosas montanhas a apenas 15 km de Vang Vieng. Numa das aldeias entre as montanhas e Vang Vieng, até as crianças com que genuinamente brincámos na água vieram no fim nos pedir dinheiro! Ahhh, obrigado raio de turistas obtusos que por lá passaram antes!

 

Por sorte encontrámos a pousada ChiLao Gueshouse onde os donos vietnamitas, sem dúvida as mais gentis pessoas que havíamos encontrado até então no país, nos trataram com imenso respeito e muita bondade, como se fossemos convidados especiais. Durante a nossa estadia na pousada tivemos a oportunidade de conhecer Holger Eichinger, um designer alemão com uma mente repleta de boas ideias e de espírito pronto a abrir os olhos sobre diveros temas. Sem dúvida uma excelente companhia para passar um serão conversando e bebendo cerveja fresquinha.

 

Cansados de esquemas, impiedosos laocianos e dada a impossibilidade de obter preços honestos e reais na compra das mais básicas necessidades de um viajante, decidimos procurar refúgio usando a plataforma online Helpx, a qual permite encontrar part-times de curto prazo em troca de comida e casa. O sim veio de Nathalie, uma canadiana dona de uma piscina (La Pistoche) em Luang Prabang e que aparentemente “precisava de ajuda “ de vários tipos. Infelizmente,  após 10 anos vivendo no Laos, Nathalie não é em nada melhor que os locais. Além de escravizar trabalhadores locais pagando-lhes 0,30€/hora numa piscina/restaurante onde uma sanduíche custo pelo menos 3€, Nathalie não mostrou interesse algum nos seus “trabalhadores de intercâmbio“ (nós) e mostrou-se incrivelmente ingrata para com o intenso trabalho de reparação e bricolage que efectuámos no seu estabelecimento. O plano era de ficar pelo menos 2 semanas para recarregar baterias e poupar dinheiro… 1 semana depois partimos ainda mais cansados e sonolentos, uma vez que todos os dias éramos acordados antes das 7 da manhã pela música em volume máximo que saía do sistema de som do estabelecimento, ligado pelos imbecis dos funcionários laocianos. Inferno na terra!

 

Em Luang Prabang reencontrámos Ilaria, a viajante italiana que conhecêramos no Templo de Kaochee um mês antes na Tailândia. Ao contrário de antes, deixara de viajar só e andava agora na companhia de outras 3 viajantes italianas que encontrara por acaso. Com elas passámos uns bons momentos conversando, felizes por conviver  com viajantes verdadeiras que sempre com bravura e muito entusiasmo se fazem à estrada. Já com muitas aventuras para contar, estas viajantes contam sobretudo com a boa sorte e com a sua perseverança, e pelos vistos funciona bem assim a viagem. Possivelmente havemos de nos encontrar de novo algures neste planeta.

 

Ainda em Luang Prabang travámos conhecimento com Camille, um francês nascido no Haiti, que aparentemente conhecia todos os estrangeiros que passavam em qualquer lugar que fossemos. Camille sonhava de explorar o sudoeste asiático enquanto viajante mas não tinha noção de como fazê-lo nem por onde começar. Daí que, ainda em Luang Prabang, quando fugimos da ingrata máquina de fazer dinheiro chamada La Pistoche, convidámo-lo a partir connosco. No dia seguinte lá estava ele à nossa espera na estação de autocarro, momento a partir do qual passámos a constituir um trio de viajantes.

 

A semana seguinte passámo-la em Oudom Xai numa pousada/casa-de-alterne esperando que Camille resolvesse os seus problemas com o visto para o Vietname. Aqui descansámos imenso, tirámos as melhores fotos no Laos (albúm) e fizémos amizade com as prostitutas excitadíssimas por ter um potencial cliente negro chamado Camille (não tiveram sucesso, apesar da insistência).

 

Após Oudom Xai experenciámos o único dia de genuína viagem no Laos, quando saímos da dita cidade e nos fomos perder no interior profundo, longe da estrada principal. Em Ban Kat fomos encontrar genuínos seres-humanos como por hábito acontece em qualquer lugar que viajemos, um grupo de agricultores que nos ofereceram jantar, duche e um lugar para dormir numa das suas modestas casas, com toda a simplicidade do mundo. Isto era tudo o que precisávamos e mais, ficámos muito felizes por constatar que, apesar de tudo, é possível se sentir humano no Laos…

 

Para mal dos nossos pecados a experiência de viajem agradável não durou muito e pouco depois estávamos de novo à mercê da impiedosa venalidade que reina no Laos. Para definitivamente nos enojar deste país, tivemos que andar a fugir de ladrões que convenceram a polícia que erámos nós e não eles os desonestos. Gente que queria ganhar uma imensa quantidade de dinheiro num curtíssimo período de tempo e que pensara que poderiam fazê-lo conosco.

 

Em poucas palavras, o incidente passou-se assim : a 2ª boleia do dia avançou-nos 8 km. Na aldeia onde parámos o condutor perguntou-nos em laociano se nós aceitaríamos pagar 3.000 kip por pessoa em troca dos 15 km de boleia até ao nosso destino (coincidente com o dele). Também em laociano dissemos que sim e perguntámos 3 vezes se tinha a certeza acerca dos 3 MIL ! Três vezes respondeu que sim. Nós pensámos “tudo bem, 0,30€ a cada é um preço simbólico, para ajudar a pagar o combustível. Por norma não pagamos quando fazemos boleia mas neste caso aceitámos dado o valor diminuto e a simpatia  do condutor. Quando chegámos a Muang La, o nosso destino, o condutor e amigos pediram-nos não 3.000 kip mas sim 300.000! 100.000 cada, ou seja, 10€!!! Situação banal no Laos. Oferecemos 10.000, mais que o original 3×3000 kip, mas o condutor recusou. Daí que lhes tenhamos virado as costas e partido sem mais palavras. No primeiro sítio que encontrámos para parar, tirámos as nossas catanas das malas e caminhámos em direcção ao rio que passa na cidade. Enquanto nadávamos, um grupo de pessoas rodeou Camille que estava sentado à beira-rio. Um laociano que se apresentava como sendo polícia muito rudemente pediu-nos o dinheiro e os passaportes. Incapaz de provar que era polícia (e não era de facto, apenas um parente do condutor),  gritámos bruta e ostensivamente a todos eles, ameaçando-os de usar violência se não partissem. Chocados, não mexeram um milímetro sequer durante uns momentos, depois partiram. A caminho da estrada principal onde planeávamos recomeçar a boleia só para sair daquela maldita aldeia, fomos encontrar num cruzamento polícia militar esperando-nos com kalashnikovs e um camião. Queriam nos levar para uma esquadra, a última coisa que uma pessoa poderia aceitar em tal circunstância. Uma vez mais recusámos agressivamente, chamando-os de “gangsters mafiosos “ e decidimos ultrapassar a barreira de veículos na estrada caminhando entre estes. Sim, nós não deveríamos falar desta maneira para as autoridades, seria um comportamento suicida em qualquer outra parte do planeta, mas não no Laos. E nós sabíamo-lo bem! No Laos, de forma a libertarmo-nos de todo o género de laociano desumano, sempre tivemos que falar com agressividade. Por vezes não funciona e uma pessoa vê-se obrigada a passar ao nível seguinte: ser agressivo. De qualquer maneira, ou éramos levados à força pela polícia até à esquadra ou jamais lá iriamos. E portanto não fomos pelos nossos pés, virámos-lhe as costas e continuámos a caminhar, impossibilitados de fazer boleia ou apanhar um autocarro uma vez que a barreira de carros da polícia e dos amigos do condutor paravam toda a gente avisando-os para não nos levarem. Caminhámos 3 km, gritando constantemente aos militares “vão se embora, deixem-nos em paz“,  mas estes não faziam caso. Nunca se aproximaram muito de nos com o seu camião mas também nunca pararam de nos perseguir. Que situação surreal! Exaustos, stressados, cheios de sede e queimando sob o sol com as nossas pesadas malas às costas desistimos e parámos para nos refrescármos à beira de um rio. 2 polícias civis vieram ter conosco de scooter e pediram-nos os passaportes. Olharam para todos os papelinhos sem valor dentro do passaporte de Camille e não deitaram olho nem por um segundo às páginas com as nossas identificações e com os vistos para o Laos! Trogloditas! Abandonamo-los sem dizer nada e caminhámos de novo na estrada principal. 200 metros depois fomos encontrar uma nova barreira para nós, desta vez apenas com polícias civis acompanhados pelos parentes e amigos do maldito condutor. Durante mais de uma hora fizemos o nosso melhor para fazer os polícias entenderem que deveriam prender o condutor e NÃO nós. Mas fazer o quê, eles também eram laocianos, ou seja, descerebrados. Apenas queriam falar do raio do pagamento. A estória acabou quando por fim conseguimos convencer o polícia menos deficiente mental que, no Laos, 200 km de autocarro custam 6 euros, logo 15 km de boleia não podem custar 10 euros, sobretudo quando não se tratava de um autocarro ou táxi fazendo o percurso de propósito para nós, mas sim uma simples carrinha de caixa aberta conduzida por um local que aceitou nos levar com ele até ao seu destino previsto: Muang La. Depois deste espantosa iluminação na mente de uma pessoa laociana, pegámos nas malas e voltámos à estrada em paz, sem ninguém a perseguir-nos… ufffff!

 

Centenas de situações negativas, na sua maior parte insignificantes, outras bem mais sérias, tiveram lugar no Laos enquanto por lá andámos, nesse país “comunista“ onde nada é “público “ nem “em comum“, e  onde ninguém toma conta de nada nem de ninguém de graça, de uma forma “socialista“… Os laocianos são horríveis para com os estrangeiros, mas não são muito melhores entre eles e para eles próprios. Ultimo exemplo: no último lugar que visitámos no Laos, Muang Khua, num cyber-café, perguntámos à pessoa de serviço se falava inglês. De forma arrogante e bruta disse que não e virou-nos literalmente as costas. Conclusão: perdeu clientes que estavam prontos para pagar pelo seu serviço de internet e que de certo teriam tentado comunicar-lhe em laociano depois de um “no“ em relação ao inglês. No dia seguinte, quando passávamos por acaso na mesma rua, ouvimo-la a falar em bom inglês com 2 clientes que ainda assim também lhe fugiram segundos depois. Enfim, um exemplo perfeito do que é, na nossa opinião, a sociedade laociana.

 

Tudo isto percebemos agora melhor, depois que descobrimos que o Laos é o 3º maior produtor de heroína do mundo, e também depois de constatar que, sim, apesar da grande pobreza que se encontra um pouco por todo o país, o Laos é Um País de Mafiosos, e sem dúvida que os turistas contribuem imenso para tal… sabemos do que falamos… ah, se tivéssemos tempo para lhes contar o imenso resto…

 

Albúns de viagem na Laos:

 

Claire Fighiera & Luís Garcia, 5.09.2015, Lampang, Tailândia

 

 

 

 
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