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Pensamentos Nómadas

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Laos, entre o Ocidente e a China (PARTE 2), por Luís Garcia

05.01.19 | Luís Garcia

 

 

Luís Garcia  POLITICA  Sociedade

 

Para começar a escrever este ensaio, escolhi um bar/restaurante super-cool chamado Tango, no centro da cidade, onde tive o prazer de estar rodeado por jornalistas franceses e canadianos comendo maravilhosa comida ocidental e bebendo caríssimo vinho tinto. Eles iam dizendo incríveis e orwellianas enormidades, cheias de verdades-verdades sem sentido nenhum do género que aprenderam nas suas escolas de jornalismo novalingua, longe de imaginar que eu entendia cada palavra que iam proferindo. As suas belas namoradas laocianas, uns 20 anos mais novas que eles, estavam sentadas numa mesa aparte, mudas e desesperadamente aborrecidas. Voltarei a este lugar, por certo, para ter (por que não) uma conversa com alguns dos "jornalistas" franceses e canadianos.  

 

Mas bom, começemos então com o tema das ONG's presentes (ou não) em Vientiane. A minha primeira visita foi ao "museu" the uma delas, a MAG. A MAG é financiada pelo governo dos EUA, a União Europeia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Noruega, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Nova Zelândia e pela UKAID.

 

 

Esta ONG, que não é de todo uma ONG (Organização Não-governamental) porque, como o leito pode verificar no website da MAG, esta é financiada por um governo estrangeiro, dois ministério de negócios estrangeiros, uma união de 27 governos e um fundo de ajuda governamental, embora sim, trabalhe na remoção de minas e munições não-detonadas (UXO na sigla inglesa). Excelente! adorável!

 

Mas, no seu "museu", falta algo absolutamente essencial: claras e visíveis referências sobre o país culpado por todas aquelas bombas e minas, assim como as claras e necessárias críticas sobre o que os EUA fizeram no passado e que estão agora fazendo na Líbia, Síria, Iémene, Iraque e Afeganistão, para citar apenas alguns. 

 

No "museu" inteiro, apenas encontrei a palavra "EUA" escrita de forma tímida em 2 painéis . Zero críticas, zero imagens dos bombardeamentos, do sofrimento, das matanças, da ocupação. Nada, absolutamente nada. Nem referências sobre os aeroportos tailandeses usados pelos EUA para violar o Laos da maneira que violaram. 

 

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Enquanto lemos os textos espalhados pelas paredes do "museu", somo s levados a acreditar que as bombas tinham vida própria, que pensavam por si, que poderiam ter tomado a decisão de caírem sobre os céus do Laos. Não foram seres humanos dos EUA que decidiram, trazendo bombas e lançando-as. Não, pelos vistos as bombas realizaram sozinhas toda a destruição e todo o terror. Orwelliana novalingua, para não dizer pior.  

 

Outro perturbante aspecto deste "museu" é a sufocante omnipresença de bandeiras dos EUA, do Reino Unido e da União Europeia. Como se os patrocinadores desta macabra farsa, cientes da falta de explicações legítimas para todos os horrores que cometeram aqui no passado, e absolutamente conscientes do facto que continuam cometendo hoje os mesmíssimos horrores no Iémene e na Síria, tenham sentido a necessidade de branquear os seus ignóbeis e imperdoáveis crimes contra a humanidade. E, portanto, patrocinam este horrendo show de bandeiras dos EUA e do Reino Unido representando humanidade humanamente "ajudando" as pobres vítimas das bombas que eles aqui deixaram. 

 

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Sinceramente, se os estados do ocidente imperial quisessem deveras ajudar, estes deveriam pura e simplesmente pagar compensações ao povo laociano, entregando dinheiro directamente nas mãos do governo do país, de modo a fazerem o mesmo trabalho sem recorrer à orwelliana propaganda ocidental usada para branquear os seus crimes e para realizar um outro tipo de genocídio: o genocídio cultural que começou com nos campos de refugiados do tempo dos bombardeamentos, e que continua até hoje com a lavagem cerebral e com a instrumentalização que as ONG's ocidentais infligem ao povo laociano. 

 

É absolutamente repulsivo ler a merda que escrevem, e a forma paternalista com que tratam os locais, e os maravilhosos bólides que conduzem (pagos pelos ingénuos doadores ocidentais), e os "valores" ocidentais que impõem, como se o Laos fosse uma nação culturalmente inferior necessitando de ser criada por brancos ocidentais cultural e intelectualmente superiores.

 

Temos um enorme problema no Ocidente. Mesmo cientes do facto que o Ocidente pilhou, bombardeou, destruiu, colonizou e cometeu genocídios por todo o planeta, de alguma forma, a nossa "cultura" é superior e, assim sendo, acreditamos ter a "obrigação" de ensinar aos incivilizados "macacos" do resto do planeta o que é "humanismo" e o que significa ser "civilizado"!

 

Talvez os ocidentais pudessem ser menos monstruosamente "humanistas", se lessem o que Boaventura de Sousa Santos diz neste ensaio: Uma concepção multicultural dos direitos humanos

*

Enfim, com ou sem genocídio cultural e branqueamento dos seus próprios crimes e do seu paternalismo cultural, genocídios de verdade continuam sendo realizados noutras latitudes. E os responsáveis são os mesmos de sempre. Eu poderia tentar fingir que acredito nas boas intenções dos governos desses países, mas os factos não me permitem fazê-lo.

 

Para que aquilo que fazem com a MAG pudesse ser visto como um acto honesto, primeiro precisamos de um mundo livre de ocidental terrorismo de estado. Um mundo no qual os EUA e seus estados vassalos como a Noruega ou a Nova Zelândia não usem bombas de fragmentação, ou fósforo branco, ou urânio empobrecido. Só que sim, usam, agora mesmo! Só nos últimos meses, no leste da Síria, os EUA usaram bombas de fragmentação e fósforo branco (uma arma química ilegal), matando centenas de civis sírios na província de Deir-ez-Zour. E portanto não são honestos Não, não são!

 

Alguns leitores deste artigo não terão ouvido falar destes massacres de civis sírios? Bom, não me surpreenderia com isso, visto que a maior parte dos ocidentais segue mentirosos média mainstream. Estes quase nunca mencionam os massacres de civis cometidos pelos EUA pelo menos uma vez por semana no leste da Síria. Outros sim, mencionam, como a RT, a PressTV ou a Telesur. Mas estes, de acordo com os mentirosos média mainstream, mesmo quando nos informam com factos comprovados e transmissões em directo, são acusados de espalhar "fake news". 

 

Os falsificadores ocidentais falseiam notícias e chamam-nas de A Verdade, mesmo sem terem jornalistas no terreno. Os alternativos média russos, iranianos ou venezuelanos, com jornalistas no terreno, mostram-nos factos em directo, mas aqueles dizem-nos que é tudo "fake news". E a maior parte da plebe ocidente engole isto. O incivilizado ocidente engole as suas próprias mentiras. 

 

O que é verdade sobre a Síria é igualmente verdade sobre o Iémene. No Iémene, a situação é ainda pior, como desprezível é a total ausência de reportagens no Ocidente sobre os crimes contra a humanidade cometidos pela Arábia Saudita, o Reino Unido e os EUA no Iémene. Sim, ao mesmo tempo que financiam a MAG para remover bombas dos EUA no Laos, os EUA e o Reino Unido ajudam a Arábia Saudita a fazer exactamente o mesmo no Iémene.  

 

Por favor, leia o meu artigo Propagated Fake News VS Untold Reality para perceber por que razão digo o que digo. Ou visite a página Facebook support the Yemeni people against the crimes of the Saudi coalition, gerida pelo senhor Mohammed Abdullah Al-Babli, quem, de forma simpática, me envia relatórios sobre os actos genocidas dos EUA, do Reino Unido e da Arábia Saudita no Iémene. Eis um exemplo desses relatórios: Report on the Aggression on Yemen.

 

Ou, pelo menos, assista a este vídeo:

 

Video 1

(link alternativo: http://media.almasirah.net/uploaded/Videos/2018/08-2018/08-08-2018/jrymh_aladwan_alsawdy_alamryky_basthdaf_asrh_fy_sfyan_bmhafdhh_amran_08_08_2018.mp4)

*

No museu encontrava-se uma directora canadiana, infelizmente demasiado ocupada para responder às minhas inconvenientes questões. E partiu ao volante do seu caro carro. Daí que tenha ficado mais de uma hora conversando com duas muito simpáticas funcionárias laocianas.  

 

Foi interessante reparar que, o primeiro nível de discurso, não passava de regurgitações de propaganda memorizada. Os EUA e seus estados clientes são tão simpáticos e altruístas, e eles ajudam-nos tanto na remoção de munições não-detonadas, e dão-nos empregos, etc. Pois, pois, maravilhoso. 

 

Mas depois, quando comecei a colocar problemáticas perguntas, os verdadeiros seres humanos dentro destas duas mulheres vieram à superfície. Perguntadas sobre o porquê de não haver no museu referências directas aos autores de todos estes crimes, elas concordaram que a "informação" presente no museu deveria ser alterada. Perguntadas sobre o genocídio cultural trazido por ocidentais bêbados e ONG's pagas por aqueles que destruíram o Laos, elas tinham a mesma perspectiva que eu tenho sobre o assunto. Quando as confrontei com uma melhor solução (O ocidente entregando directamente o o dinheiro nas mãos do povo laociano e deixá-lo tomar conta do problema), elas mostraram-se mais do que excitadas com a ideia!

 

Estas duas mulheres também concordaram que EUA seus estados vassalos vangloriando-se de patrocinarem ONG's como a MAG, é algo de vergonhoso e, seguramente, não é a maneira mais honesta de lidar com o problema. Concordaram quando disse que os EUA deveriam manter-se o mais discretos possível e, ao mesmo tempo, deveriam dar-lhes enormes compensações económicas pelos crimes que cometeram aqui. Elas gostariam de ver laocianos tomando o controlo das operações, usando o dinheiro obtido graças às compensações.

 

Disseram-me que, e eu concordo, os laocianos em particular e os asiáticos no geral, são muito sociáveis, gostam de trabalhar em equipa em prol de causas comuns e de se ajudaram uns aos outros, não precisam da supervisão de "ocidentais egoístas que largam os seus cidadãos idosos em casa especiais". Tão certo! A minha resposta foi simples: "foi por isso que os EUA vos bombardearam, para eliminar entreajuda, comportamento social, socialismo, comunismo...".

 

Mas bom, estas simpáticas senhoras precisam de ter empregos para pagar as suas facturas. De forma pragmática, embora tristes, argumentam que, por agora, o melhor que elas podem fazer é trabalhar para estas ONG's, de forma a obterem dinheiro e poderem remover as bombas. 

 

Últimas palavras sobre estas pragmáticas senhoras. Quando perguntadas, admitiram nunca terem ouvido falar sobre bombardeamentos dos EUA na Síria ou no Iémene. Mas ficaram chocadas. E queriam saber mais. Pediram-me para as ajudar a "googlar" o assunto. Assim fiz. E sim, ficaram espantadas e revoltadas por descobrir que os EUA e o Reino Unido fazem-no hoje, em 2018, enquanto continuam a remover velhas bombas no Laos. 

 

E sim, confrontei-as de novo com a terrível contradição: "Como é possível que os EUA e aliados estejam aqui removendo bombas de fragmentação e, ao mesmo tempo, estão lançando bombas de fragmentação na Síria ou no Iémene? Se são honestos nas suas intenções aqui, não acham desnecessário mostrar as suas bandeiras em todas as paredes e objectos do museu? E não acham que primeiro deveriam para de bombardear a Síria e o Iémene?".

 

Claro que concordaram, sinceramente concordaram comigo. Disseram-me que o problema é que "as pessoas não sabem história, a maior parte dos ocidentais que nos visitam, em especial os norte-americanos, nunca ouviram sequer falar dos bombardeamentos sobre o Laos"! Exactamente. E por isso respondi: "Nós, o Ocidente, escondemos os nossos horrores passados de for a podermos repeti-los no presente. A plebe ocidental não pode saber o que se passou no Laos, para que possamos ter Laos 2.0 como o Iémene ou a Líbia ou a Síria". 

 

 

Elas perceberam e concordaram, espantadas e com vontade de saber mais sobre o assunto. E esta é a grande diferença entre asiáticos e ocidentais. Laocianos no particular e asiáticos no geral, estão longe de serem perfeitos, pois claro. Embora imensamente ignorantes (propaganda ocidental e ocidentalização são também culpadas), conseguem pensar com lógica quando confrontados com chocantes factos. Conseguem reconsiderar o que pensam ou acreditam sobre um determinado assunto. 

 

A maioria dos ocidentais já não consegue fazê-lo. Seja como for, Kim Jong-un é um louco; seja como for, russos, iranianos e chineses  são demoníacos; Cuba é pobre por causa do comunismo; etc. Um laociano ignorante ouve e anseia por aprender. Um ignorante ocidental é arrogante e imporá de imediato um "safe space" de relativismo e disparates pós-modernos sem sentido. Na maior parte dos casos, toneladas de factos não serão jamais suficientes para destruir as erradas opiniões negativas que têm sobre al-Assad, Kim Jong-un ou Putin. Falarei maus sobre este tema na quarta parte, partilhando partes de conversas que tive com alguns ocidentais aqui em Vientiane. 

 

 
Por agora, deixo-o com a excelente análise que Murad Gazdiev fez sobre a "invasão económica chinesa em África" (os primeiros 5 minutos do vídeo abaixo). O paralelo com as ilógicas críticas feitas por ocidentais aos investimentos chineses no Laos é óbvio:
 

 

 

Luís Garcia, Vientiane, Laos

 

 

 

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