Jesus teve mau perder
Ao longo do Novo Testamento são relatados vários feitos milagrosos protagonizados por Jesus de Nazaré, suposto Filho de Deus Pai. Talvez um dos mais conhecidos milagres seja a famosa multiplicação dos pães e dos peixes, onde uma multidão de quatro ou cinco mil foi generosamente alimentada pelo Nazareno. O próprio disse aos discípulos quando confrontado com a população faminta:
"Tenho compaixão deste povo, porque há três dias que estão sempre comigo e nada têm que comer. Não quero despedi-los em jejum, para que não desfaleçam no caminho".
O Rei do Judeus perguntou-lhes então quantos pães eles tinham e a resposta foi: "sete, e alguns peixinhos." O Filho de Deus pediu então ao povo que se sentasse, pegou nos pães e nos peixes, agradeceu ao Pai, e foi partindo e dando-os aos discípulos para que os distribuíssem pela multidão. Toda a gente comeu até estar satisfeita e ao que parece, ficou demasiado satisfeita. “Certo é” que depois do milagre, ainda sobraram sete cestos com pedaços de pão. Tal foi o festim.
Numa outra caminhada, e acompanhado pelos seus discípulos, Jesus foi confrontado com uma simples e verdejante figueira. Esta desafortunada, se soubesse o que lhe iria acontecer teria crescido exemplares do célebre borda d’água em vez de verdes folhas. Reza a história contada por Marcos:
12 No dia seguinte, quando estavam saindo de Betânia, Jesus teve fome.
13 Vendo à distância uma figueira com folhas, foi ver se encontraria nela algum fruto. Aproximando-se dela, nada encontrou, a não ser folhas, porque não era tempo de figos.
14 Então lhe disse: "Que nunca mais alguém coma de teu fruto!". E os seus discípulos ouviram-no dizer isso.
Marcos 11: 12-14
Desta vez era o próprio Nazareno que tinha fome quando naquela altura do ano se deparou com uma figueira que ainda só equipava com folhas. Gosto de visualizar este acontecimento na minha cabeça e convido ao exercício. Imagine-se então a Luz do Mundo a chegar ao pé da figueira, dando umas quantas voltas olhando para cima e para baixo, remexendo e trepando os troncos à procura de figos. Nisto, alguns dos discípulos já comentavam entre si: “Não vejo figos nenhuns, nem botões sequer. Ainda estamos em Janeiro vai ser complicado encontrar ali qualquer coisa”. Um outro, vendo que figos não havia, mas deveras confiante nas capacidades do Cordeiro de Deus no que toca a alimentar multidões famintas murmurou: “Esta vai ser fácil. Ainda estou a arrotar o peixe da semana passada e agora vou encher a pança de figos”.
Note-se que os evangelhos foram escritos depois da morte, ressurreição e ascensão do Primogénito de toda a criação. Fragmentos de cópias dos evangelhos foram encontrados no séc. IV. Mas vários autores discutem que estes tenham sido escritos entre 50 a 100 anos depois da morte do Filho da Virgem. Logo é engraçado que o narrador (Marcos) seja capaz de informar o leitor de que não era de facto época de figos. No entanto, o Autor e Consumador da nossa fé, teve alguma dificuldade em perceber que figos é só no verão, e que figos secos é no Pão por Deus.
Assim, depois de descer da árvore, o frustrado Filho de Deus fez birra, e com mau perder, usou o seu privilégio de entidade divina e os seus poderes mágicos para amaldiçoar uma pobre e indefesa figueira, que só pode ter ficado burra com tamanha injustiça. O mau perder do Filho do Homem deixou os apóstolos não só de barriga vazia como também de boca aberta, com o queixo de alguns a bater forte no chão.
Ora esta deveria ser fácil (eu concordo com os murmúrios dos discípulos), pois se até Moisés abriu o mar a meio, esperava-se que o Príncipe da Paz, aquele que veio tirar o pecado do mundo, curar os moribundos e saciar esfomeados, tivesse optado por uma solução de paz e de benefício mútuo. Esperava-se que, e em hora de aperto, o Pão da Vida tivesse realmente optado por disponibilizar algum pão. Esperava-se que com o seu condão, o Mediador tivesse carregado a figueira de tal forma com figos que o peso dos mesmos quebrasse a figueira a meio, e que o estrondo do colapso tivesse atraído outros cinco mil para se saciarem com o fruto da terra e do trabalho do homem. Mas não, o Bom Pastor, o Caminho, a Verdade, e Vida, decidiu amaldiçoar a desgraçada da figueira.
“Se eu não como, mais ninguém come. ”Assim falou Jesus Cristo o Filho de Deus Pai.
James Tissot
De notar ainda que “A passagem da figueira” é entendida e ensinada como um milagre, pois no dia seguinte alguém passou pela pobre da figueira e esta, condenada ao inferno, já tinha secado e definhado, tudo isto porque o Salvador do Mundo pouco sabia de fruta da época. Nestas lendas do Filho de Deus na terra, há água que se transforma em vinho, há pão e peixe que se multiplicam para alimentar multidões, há figueiras condenadas à morte, só não há é consistência.
Pedro Anacleto, Braga, 2015
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