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EUA para o TPI: vamos quebrar as vossas pernas, por André Vltchek

25.04.19 | Luís Garcia

 

Andre Vltchek Política 

 

Bom, não exactamente, mas de certa forma será assim. Por fim foi "retirada a máscara". Os EUA estão abertamente ameaçando o tradicionalmente tímido TPI (Tribunal Penal Internacional) e os seus juízes. E, inesperadamente, o TPI está ripostando. Recusa-se a calar-se, a ajoelhar-se e a implorar por misericórdia.

 

E, de um momento para o outro, nem mesmo os meios de comunicação ocidentais conseguem esconder os agressivos desabafos aos estilo das máfias, proferidos por funcionários do governo dos EUA. No dia 15 de Março, a Reuters informava que:

Os Estados Unidos retirarão ou negarão vistos a todo e qualquer funcionário do Tribunal Penal Internacional que esteja investigando possíveis crimes de guerra cometidos por forças dos EUA ou aliados no Afeganistão, disse o Secretário de Estado Mike Pompeo na sexta-feira.

O tribunal, com sede em Haia, respondeu, afirmando ser uma instituição independente e imparcial que continuará a fazer seu trabalho sem se deixar "dissuadir" pelas acções de Washington.

Em Setembro, a administração de Trump ameaçou proibir a entrada de juízes e procuradores do TPI nos Estados Unidos e sancionar fundos que tenham no país caso o tribunal decida investigar crimes de guerra no Afeganistão.

Washington deu o primeiro passo na sexta-feira, com o anúncio de Pompeu.

«Estou anunciando uma política de restrições de vistos para os EUA a indivíduos directamente responsáveis por qualquer investigação do TPI a funcionários dos EUA», disse Pompeo numa conferência de imprensa em Washington.

"Estas restrições de vistos podem também ser usadas para dissuadir os esforços do TPI de perseguir funcionários de países aliados (incluindo Israel) sem o consentimento desses aliados.”

 

E assim vai o mundo... a arrogante expressão facial de Mike Pompeo apareceu acima de inúmeras reportagens, e disse tudo: o mundo tem de respeitar os ditames dos EUA, senão...!

 

Como é natural, há uma certa lógica (mesmo que distorcida) por detrás das ameaças dos EUA. Estamos a falar de um jogo extremamente perigoso de jogar!

 

Nenhum país da era pós-Segunda Guerra Mundial cometeu tantos crimes contra a humanidade e apoiou tantos genocídios como os Estados Unidos da América. E, em resumo, nenhuma outra parte do mundo assassinou mais pessoas no nosso planeta do que a Europa. E a maioria dos norte-americanos são descendentes dos europeus. A "política externa" dos EUA deriva directamente das políticas colonialistas das antigas potências europeias. Assim sendo, podemos afirmar que os crimes contra a humanidade cometidos pelo Ocidente nunca pararam; há séculos que continuam sem cessar...

 

Este facto tão simples tem sido abafado ao longo do tempo. Nunca foi deveras discutido de uma forma aberta pelos meios de comunicação, nas salas de aula ou nos tribunais.

 

Se o TPI for autorizado e começar a investigar crimes contra a humanidade cometidos pelo Ocidente, toda essa distorcida visão que vê os EUA e a Europa como pioneiros da liberdade e da democracia poderá fácil e rapidamente desmoronar-se.

 

Mesmo as críticas de Washington, Paris ou Londres contra países como a Venezuela, a China ou a Rússia, sobre as suas "violações dos direitos humanos", tornar-se-ão absurdas e grotescas. O  conceito de "mudança de regime" poderia claramente ser desmascarado e por fim entendido pelo que sempre foi: ilegal banditismo.

 

Os governantes dos EUA estão bem cientes do facto de que este é um "momento extremamente inconveniente" para o Império permitir desafios vindos de alguns organismos internacionais pelo menos parcialmente independentes.

 

Os EUA tentam destruir toda e qualquer insubmissão, como em 2018, quando os EUA e o seu aliado mais chegado (Israel) deixaram o organismo da ONU que, pelo menos, e de forma parcial, é intelectualmente rebelde: a UNESCO. 

*

O Ocidente está claramente perdendo a guerra ideológica e está a entrar em pânico. E, quanto mais entra em pânico, mais agressivo fica.

 

Um país após outro é definido como "não democrático" e colocado na lista de "mudança de regime" a realizar. Os métodos são diferentes. Há golpes suaves que conseguiram derrubar governos de esquerda na Argentina e mais tarde no Brasil. E há métodos duros usados pelo Império em países como o Afeganistão, a Síria, a Venezuela, o Irão, o Iémene, a Nicarágua, a Coreia do Norte e grandes partes de África.

 

O Ocidente apoia abertamente genocídios na República Democrática do Congo (RDC), na Papua Ocidental ocupada e pilhada pela Indonésia, na Caxemira ocupada pela Índia, assim como apoia o apartheid perpetrado por Israel.

 

O TPI está agora concentrado nos crimes contra a humanidade cometidos pelos Estados Unidos no Afeganistão, onde pelo menos 100.000 pessoas morreram em resultado das quase duas décadas de ocupação da NATO. Estes crimes são reais e indiscutíveis. Tenho andado a trabalhar no Afeganistão e posso testemunhar que o Ocidente (e, em particular, os EUA e o Reino Unido) transformou este orgulhoso país num estado abominável.

 

Mas o Afeganistão pode ser apenas o começo; uma proverbial Caixa de Pandora poderá vir a ser aberta daqui em diante.

 

Muito provavelmente, se chegarem a acontecer, os julgamentos contra os EUA e seus crimes, não evitarão de imediato o terror que o Ocidente está espalhando pelo mundo inteiro. Mas abrirão o debate, pelo menos em países que foram vítimas de terríveis injustiças. Tais julgamentos ajudariam também a realinhar o mundo: definitivamente na direcção da Rússia e a da China, com um regresso ao socialismo na América Latina e, muito provavelmente, também em África e em partes da Ásia.

*

O discurso de Pompeu foi tão extremo que poderia ser facilmente definido como contraproducente para o Império.

 

Até a imprensa ocidental teve de reagir. Até as "organizações de direitos humanos" ocidentais sentiram a obrigação de protestar.

 

No dia 15 de Março, a AP publicou uma artigo sem precedentes:

A Human Rights Watch chamou-lhe «uma tentativa brusca de penalizar investigadores» do TPI.

«A administração Trump está tentando escapar à responsabilidade», disse a Human Rights Watch. «Tomar medidas contra aqueles que trabalham no TPI é enviar uma clara mensagem aos torturadores e assassinos: os vossos crimes nunca serão investigados.»

A Amnistia Internacional descreveu esta decisão como «o mais recente ataque à justiça internacional e às instituições internacionais realizado por uma administração determinada em fazer retroceder a protecção dos  direitos humanos».

A American Civil Liberties Union, que representa três pessoas diante do TPI que diz terem sido torturadas no Afeganistão, chamou a decisão de «errada e perigosa» e «uma tentativa sem precedentes de contornar a responsabilidade internacional pelos crimes de guerra bem documentados que ainda hoje atormentam os nossos clientes».

 

Uma grande parte do planeta já se encontra horrorizada com os últimos ataques do Ocidente contra a Venezuela e com as tentativas de empurrar países como a China, a Rússia e a Coreia do Norte rumo a um confronto militar.

 

Um tão descarada apologia da impunidade não irá por certo correr muito bem em muitas partes do planeta.

 

Sempre se compreendeu que o Ocidente tem forçado o planeta a aceitar o seu "excepcionalismo", mas este facto era compreendido apenas ou predominantemente por uma bem informada minoria  de pessoas.

 

Estas últimas manchetes chegarão aos ouvidos das massas de todos os continentes.

 

O Sr. Pompeo cometeu um grande erro táctico. Ele tocou no "grande tema" que sempre era suposto ser "compreendido" mas nunca mencionado. Agora anda nas bocas do mundo.

 

O próximo passo poderia ser a admissão de que o direito internacional não se aplica ao Ocidente.

 

Assim que este indiscutível facto for pronunciado, poder-se-á seguir uma insurreição e, por fim, a recusa por parte de pelo menos vários países e de milhares de milhões de pessoas em todo o mundo de continuar a  aceitar o status quo.

 

Parece que o Império foi longe demais. Paradoxalmente, o resultado poderá ser colocar em risco a sua própria impunidade. 

 

André Vltchek

 

Traduzido para o português por Luís Garcia

Versão original em inglês no  NEO - New Eastern Outlook.

 

André Vltchek é um filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu e cobre guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus últimos livros são Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o revolucionário romance Aurora e um trabalho best-seller de análise política: “Exposing Lies Of The Empire”. Em português, Vltchek vem de publicar o livro Por Lula. Veja os seus outros livros aqui. Assista ao Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo, assim como ao seu filme/diálogo com Noam Chomsky On Western Terrorism. Pode contactar André Vltchek através do seu site ou da sua conta no Twitter.

 

Leia também:

Por Lula: O Brasil de Bolsonaro - O Novo Tubarão Num Mar Infestado de Tubarões

(Traduzido por Luís Garcia)

 

 

 

 

 

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