Detectores de notícias falsas e outras falsidades - parte 3, por Luís Garcia
FACEBOOK E O DARWINISMO NOTICIOSO
Em princípio o facebook seria apenas uma rede social na qual pessoas de todo o mundo partilhariam selfies, tretas que não lembram a ninguém e estórias privadas ou, de forma bem mais interessante, partilhariam informações que não passam nos media corporativos, contribuindo para a democratização, gratuitidade e instantaneidade da informação procurada. Mas pelos vistos não, pois o proprietário do facebook, além de entregar de forma massiva dados sobre utilizadores do facebook à orwelliana máquina de vigilância global de Barack Obama, agora, entre o fim do mandato de Obama e início do mandato de Trump, lembrou-se de instalar um Ministério da Verdade dentro do próprio facebook.
Faz algum sentido esta iniciativa? Pois claro não! Num mundo (supostamente livre) no qual muita gente (com poder) abusa de forma errónea de princípios científicos para, corrompendo-os, fazer a apologia de barbaridades como o "darwinismo social", por que raio não encontro, por entre essas mesmas gentes com poder, quem defenda o óbvio, o darwinismo noticioso? Malta que acredita ou finge acreditar que vive num mundo de plena liberdade individual e liberdade de expressão, por que raio se mostra tão incomodada com a possibilidade de existirem notícias falsas? Insisto, por que não optam por respeitar o princípio do darwinismo noticioso, deixando que sejam os consumidores de notícias a decidir que medias terão sucesso e que medias se extinguirão por manifesta falta de capacidade para atrair consumidores? Apliquem a lei do mais forte, vá lá, então não é o mesmo princípio que adoram defender na esfera económica (apesar da também evidente perversidade do conceito nessa esfera)? Ah, é capaz de não dar jeito, não é, é capaz de resultar em selecções noticiosas que beneficiem as ovelhas e não os pastores, não é?
Eu não tenho problema nenhum nem com a produção de notícias falsas nem com os seus produtores, apenas com as notícias falsas em si. Daí que seja absolutamente contra qualquer sistema de detecção, de qualificação e sobretudo de censura de medias produtores de notícias falsas. Bem pelo contrário, dever-se-ia assegurar que as notícias falsas, produzidas por órgãos deliberadamente mentirosos, permanecessem disponíveis online, para que os interessados possam constatar que um determinado media mentiu repetidas vezes, num processo de verificação pessoal com o objectivo de concluir se vale a pena ou não seguir um determinado media. Infelizmente, o contrário acontece, media mentirosos compulsivos, como por exemplo o jornal Público, não hesitam em apagar notícias suas falsas, depois dessa notícia falsa já ter cumprido o objectivo de manipulação desonesta das opiniões dos seus leitores sobre um determinado tema. Como o Público há muitos mais em Portugal.
Voltando ao darwinismo noticioso que proponho, só encontro vantagens e, acima de tudo, a garantia das liberdades individuais tão papagaiadas nas ditas democracias multipartidárias progressistas humanitárias e tal.
Por um lado, temos pessoas que procuram, com critérios rigorosos, medias que os informem de verdade. Nesse processo de procura, perante o imenso caudal de mentiras descaradas (sobre armas de destruição massiva de Saddam Hussein, para dar só um exemplo) emitidas pela CNN, BBC, SIC, TVI, RTP, TF1, TVE, etc., os consumidores exigentes acabarão por abandonar esses medias e procurar outros como a HispanTV, a PressTV, a Telesur ou a RT, por exemplo. Desta forma é realizada a verificação de factos e a detecção de falsas notícias sem interferência nenhuma nas referidas liberdades individuais, visto que o trabalho é feito pelo próprio consumidor de notícias.
Por outro lado, temos pessoas que, talvez pelo medo de descobrir que não vivem na realidade que lhes foi proposta durante a infância e a adolescência, procuram medias que confirmem as suas (induzidas) suspeitas sobre a maldade endémica dos chineses ou o prazer mórbido dos árabes em rebentar bombas. Neste caso, é bem provável que passem a ser ou continuem a ser consumidores de órgãos de propaganda sistemática e comprovadamente mentirosos como CNN, BBC, SIC, TVI ou RTP. E onde está o problema? Eu não vejo problema nenhum, se é em democracia garantidora de liberdade de pensamento e de acção que vivem, por que razão haveria alguém de querer lhes cortar acesso àquilo que querem consumir? Se muita gente gostar de ser enganada, então esses medias sobreviverão ao processo de selecção natural de notícias (quer sejam falsas quer não).
Por outro lado ainda, há aqueles (muitos) que não procuram nem informar-se sobre a realidade nem contaminar-se com falsas informações que corroborem as suas visões deturpadas da realidade. Essa terceira categoria é composta por malta que deliberadamente gosta que lhes contem tudo e mais alguma coisa que não faça sentido nenhum e que não se baseie em nada que se relacione minimamente com o método científico. Consomem sites de "top 10 qualquer coisa" destinados ao clickbait, com pretensas notícias sobre achados arqueológicos com milhões de anos ou, ao contrário, com provas da contemporaneidade de dinossauros e seres humanos. Uma vez mais, se muita gente gostar, e parece que sim, este tipo de sites não só sobreviverão como seguramente proliferarão. Viva a liberdade de escolha, viva a liberdade de acção, eheh! Então não é disso que se trata a democracia?
Dadas as vantagens do darwinismo noticioso, por que raio foi o facebook se meter nesta orwelliana embrulhada de fact checking (verificação de factos) e de caça a medias supostamente mentirosos? E porque não começam desde já a censurar os sites da terceira categoria (os da parvalheira total), visto que é facílimo desmentir as enormidades fantasiosas que espalham online? Ahhh, pelo contrário, nesses nem tocam, não é? É, deixai em paz quem assegura que somos visitados por extra-terrestres ou que somos governados por répteis. Quanto mais crentes de fantasias parvas melhor, pois menos serão então os consumidores de notícias exigentes e críticos, não é?
Então não me fodam, claro que o assunto não é caça a medias mentirosos ou a notícias falsas. O assunto é censura, censura daqueles que, usufruindo das características emancipadoras inerentes ao modo de funcionamento da internet, ousam contar (e provar o que contam com factos) versões da realidade diferentes e até contrárias àquelas propostas pelos media mainstream (medias de referência) controlados por corporações ocidentais ou estados ocidentais. O assunto, a preocupação do facebook, é a censura pura de medias insubmissos assim como a descredibilização desses medias com vista a uma auto-censura por parte dos próprios consumidores de notícias.
DETECTOR DE NOTÍCIAS FALSAS DO FACEBOOK
O detector facebook-orwelliano de notícias falsas, em inglês, já foi implementado há semanas, e portanto não é novidade. Para os interessados, há mais de um mês atrás que partilhei aqui o artigo FAKE NEWS - Censura no Facebook, no qual podem ler a lista das organizações (muito suspeitas e pouco credíveis, na minha opinião) que compõem a International Fact Checking Network que está por detrás do tal detector de notícias falsas do facebook.
A versão alemã foi também já prometida pela própria Angela Merkel:
Mas o assunto agora é a criação da versão francesa de detecção de notícias falsas no facebook, tal como foi anunciado há dias nesta notícia da RTP:
Como se não bastasse já o Décodex do Le Monde, que apresentámos no artigo anterior (ler Detectores de notícias falsas e outras falsidades - parte 2), agora ainda teremos de levar com o Le Monde, a Agence France Presse, a BFM TV, a France Télévisions, a France Media Monde, o L´Express, o Libération e o 20 Minutes, todos produzidos por gente muito série e credível (minto), no lugar de averiguadores de notícias no facebook! Hehehe, está tudo doido!
Para quem não sabe, a BFM TV é um género de Correio da Manhã francês, enquanto que o 20 Minutes é um jornal gratuito, daqueles distribuídos em transportes públicos e escritos por malta analfabeta amante de notícias da terceira categoria acima referida. E vão pôr esta malta a verificar veracidade de notícias? Hehehe.
O resto da lista são grandes medias franceses privados que, por um lado, recebem anualmente milhões de euros em subvenções do estado francês (ler Aides à la presse: qui touche le plus?) e, por outro lado, são propriedades de corporações francesas donas de empresas petrolíferas, de armamento e de outras áreas que gerem biliões e que, portanto, têm todo o interesse em que se minta nos media, casos essas mentiras ajudem a legitimar e vender, por exemplo, guerras onde gastar bombas e usar jactos de guerras, e após as quais construir infra-estruturas e extrair petróleo.
Um exemplo flagrante é o Le Figaro, jornal do Grupo Dassault, do qual também faz parte a Dassault Aviation, a empresa francesa que produz os caças de guerras franceses usados pela força aérea francesa para bombardear, por exemplo, o Mali, a Líbia e a Síria. A sério, acha possível depois que possam ser credíveis as notícias do Le Figaro sobre esses conflitos? A sério, que credibilidade pode ter um detector de notícias falsas composto por empresas que participam de forma activa nos assuntos noticiados e que ao mesmo tempo os noticiam?
Mais, mesmo que esses medias da lista de colaboradores do facebook não tivessem relações com mais coisíssima nenhuma, ainda assim, insisto, continuam a ser medias produtores de notícias. Se o são, não poderão fazer, por manifesto conflito de interesse, a verificação das suas próprias notícias! E se não o farão, quem se ocupará da tarefa? Irão os membros da lista verificar as notícias uns dos outros? Que disparate, pior que conflito de interesses, é união de interesses! Ou o facebook irá pura e simplesmente deixar as notícias destes medias franceses fora da orwelliana máquina de verificação? E, não verificando notícias destes conjunto de medias mainstream, vão ter de se entreter com medias alternativos, não? Estão a ver onde quero chegar, não estão?
É isso mesmo, nada nem ninguém, sob a tutela do facebook, verificará veracidade de coisa nenhuma. Esta trapalhada mais não é que guerra aberta aos medias alternativos que ousam dizer o contrário da versão oficial ocidental. Simples e óbvio!
Luís Garcia, 12.02.2017, Chengdu, China