Depressões, por Ricardo Lopes
Não venho aqui escrever sobre o Chester Bennington. Não o conheci, nem sei praticamente nada sobre ele, nem sequer a morte dele me afetou particularmente. Apenas fui fã dos Linkin Park durante um muito curto período de tempo na minha adolescência, e tal não deixou qualquer tipo de impacto em mim, nem me influenciou significativamente. Outros artistas e bandas, sim, mas não, certamente, os Linkin Park.
Venho, antes, escrever sobre um assunto que vejo ser tratado de uma maneira muito superficial e cheia de lugares-comuns, com toda a certeza pela necessidade de andar a acender velinhas ao politicamente correto.
Ora, eu também sofro de depressão, e também já tive interesse em ser artista. E é sobre isso que quero discorrer aqui. Não fiz esta introdução para jogar a cartada da vítima, como muitas pessoas fazem, para se imunizarem à crítica. Não, antes pelo contrário, apenas o fiz para dizer que estou literalmente por dentro do assunto, como não poderá estar quem nunca passou por tal estado psicológico.
A verdade, a meu ver (e irei apontar algumas fontes), é que a depressão já é um tema que recebe demasiada atenção na praça pública dos países ocidentais. Não deve haver alminha que pelo menos tenha acesso a uma televisão, que já não deve ter tido contacto com algo como “a pessoa não tem culpa”, “é uma doença como outra qualquer”, “é um desequilíbrio cerebral”, “não diga isto à pessoa”, “não diga aquilo à pessoa”. Tudo bem, e eu não estou a questionar, em nada, a validade de tais afirmações. Eu sei bem o que funciona e o que não funciona. Mas, por o saber, também sei que são ditas muitas barbaridades, e que muita coisa útil fica por dizer, mais uma vez, por estrita observância às regras do politicamente correto, e a uma mentalidade cada vez mais dominante de divisão da sociedade em vítimas e carrascos, sendo que as primeiras estão imunes a qualquer contrariedade, e os segundos podem ser tratados como aprouver a quem se identificar como vítima por uma via ou por outra.
A verdade é que as pessoas precisam de ser tratadas com mais dureza. Não com brutidade, mas com dureza, que é algo completamente diferente. As pessoas têm de ser levadas a assumir responsabilidade por si próprias, por se terem a si próprias, por darem valor a si próprias, pela sua própria vida, pelas decisões que tomam e, também!, pelos efeitos que as suas ações têm nas pessoas com quem se relacionam e interagem.
E, não!, as outras pessoas não têm qualquer tipo de obrigação no que se refere a suportar ou tolerar as ações, atitudes, dizeres e pensamentos que alguém deprimido produz. Lamento imenso, mas não. Não o têm de fazer se forem familiares, não o têm de fazer se forem amigos, não o têm de fazer se forem namorados/as ou maridos/mulheres. Haverá, com certeza, um limite inferior, abaixo do qual não se pode ir, em termos da forma como se trata alguém doente, para se poder ser considerado uma pessoa decente e humana. Por outro lado, haverá, também com certeza, um limite superior, acima do qual o comportamento de alguém doente (excluindo os casos das pessoas que perderam as faculdades necessárias para controlarem o próprio comportamento) é intolerável.
Nunca se fala disto, mas as pessoas doentes, e as que padecem de doenças mentais em particular, por serem demasiado acomodadas pelos outros, podem tornar-se nuns completos parasitas emocionais, psicológicos e vitais. E, não, não estou a exagerar. Há pessoas deprimidas que podem, se demasiado acomodadas, aprender a desenvolver estratégias e mecanismos de manipulação alheia que não se podem, de todo, tolerar como comportamento.
Ainda mais, é justificável que alguém que se sinta mal perante o comportamento de alguém deprimido decida abandonar a pessoa. Sim, mais vale ir um abaixo do que irem dois, e alguém deprimido pode destruir algo de muito importante nos outros, nomeadamente a capacidade de experienciar algo na vida como positivo.
Não, as pessoas positivas não são necessariamente irritantes. E, quando falo em pessoas positivas não me refiro a patetas alegres, mas sim a pessoas que tentam levar uma vida simples e retirar de tudo o que têm, pouco ou muito que seja, o melhor possível, e aproveitar todos os bons momentos ao máximo, e não perder uma única oportunidade de experimentar como positivo algo que efetivamente o é. Aliás, as pessoas positivas normalmente são as mais fortes de todas, e são certamente as que mais admiro.
Outra coisa, o mundo não é uma merda. A vida é um completo caos, e é algo muito complicado de conseguir levar a cabo corretamente. É muito difícil saber e conseguir viver bem, é o que quero dizer. Mas, isso não permite fazer o salto lógico para algo como o mundo ser uma merda, ou as pessoas serem uma merda, ou até o sistema ser uma merda. Não, tudo isso é ilógico, e é o resultado, em termos de raciocínio, produzido por uma mente insalubre.
Recentemente, tive a imensa sorte e privilégio de tomar conhecimento de uma pessoa que se chama Jordan Peterson, professor da Universidade de Toronto. E, maus caros, digo, sem qualquer tipo de reticência, que TODA A GENTE deveria ler tudo o que ele escreveu e ver todos os vídeos do seu canal do YouTube. Este homem mudou para sempre o meu pensamento, e fez-me ver tudo com muito maior clareza. Se eu, hoje, ainda tenho algo a que me agarrar, é graças ao que aprendi com ele, e com uma outra pessoa cuja gesta pretendo fazer noutro tempo e lugar.
Foi este senhor que me fez perceber o que é ser duro, sem ser cruel.
Foi este senhor que me fez perceber que até mesmo o que vem de pessoas com ideologias diametralmente opostas às minhas, pode ter muito valor e merece sempre ser conhecido e refletido.
Foi este senhor que me fez perceber melhor a posição política que eu tenho, e deixar de olhar para as pessoas de direita como alguém com quem apenas é possível discordar e discutir aos berros e à marretada.
Foi este senhor que mudou completamente a minha perspetiva em relação à religião e à mitologia. E, graças a ele, conheci melhor outros autores que também para isso contribuíram. Continuo a não ser religioso, mas posso garantir que nunca mais desrespeitarei alguém que o seja, muito menos alguém que se disponha a ter discussões sérias mesmo empregando as suas crenças nelas. Por isso é que digo que quem não o conhece, não conhece Jung, Mircea Eliade, Dostoievski, entre outros, e ataca a religião com base na típica postura literalista de esquerda, só pode ser profundamente ignorante, como eu era até há bem pouco tempo.
Foi este senhor que me fez perceber que há que dizer chega à mentalidade de vitimização que permeia a cultura ocidental moderna, que há que dizer chega a mais direitos para as pessoas, e que muito mais importante do que isso é RESPONSABILIDADE. Experimentem imaginar o que é ser-se responsável e, provavelmente, sentir-se-ão muito melhor, depois de andarem banhados no lodo paralisante que é a mentalidade de mediocridade, vitimização, inveja doentia e completa desresponsabilização promovida pela esquerda moderna.
Também este senhor, Steven Pinker, Camille Paglia, entre outros, me fizeram retornar ao valor que a arte pode ter, sem deixar de perceber os malefícios que pode carregar consigo.
Um deles, a possibilidade de alguém a usar como subterfúgio, como alternativa a enfrentar os seus problemas e resolvê-los. É o que acontece muitas vezes com artistas, principalmente os que (e são muitos) padecem de doenças mentais, como a depressão. Por isso também, quantas e quantas vezes não se fica por compreender o suicídio repentino de alguns artistas.
Outro deles, e ligado ao primeiro, o facto de se poder abordar a arte como uma fuga à realidade. Meus caros, nunca façam isso. Usem a arte para embelezar um pouco a existência, mas nunca como fuga. Isso apenas pode correr mal. E nunca, mas nunca, considerem que um mundo fictício é melhor do que o real. Irão acabar muito mal, garanto-vos.
A arte é importante, mas não é assim tão importante. E há boa e má arte. Boa arte era a que existia até cerca do século XIX. A arte que celebrava a grandiosidade do ser humano, que reconhecia a complexidade e extremas dificuldades que a vida coloca aos seres humanos, mas que oferecia sempre a possibilidade, a qualquer pessoa, independentemente da sua posição, de se engrandecer, tornar um herói, dar valor a si próprio e à sua vida, e fazer bem aos outros. Uma arte de esperança. Má arte é a arte, essencialmente, a partir do movimento modernista, e que deu o próximo passo na decadência com o pós-modernismo. Uma arte que se constrói no completo desprezo por quaisquer tipos de valores, que marina no niilismo, que é temperada pela mediocridade, pela inveja e, principalmente, pela desresponsabilização. Uma arte que não oferece nada. Uma arte que comunica a quem a produz e consome a ideia de que tudo tem o mesmo valor, que é nenhum, e deixa as pessoas completamente desamparadas e paralisadas de medo. Uma arte que promove a inação. Uma arte de desespero.
Por isso, há que falar de tudo isto, e há que falar de tudo e de toda a gente envolvida, porque o sofrimento existencial não é monopólio das pessoas que alguém decide identificar como vítimas, individual ou coletivamente.
Ricardo Lopes
Hiperligações úteis:
Conta youtube de Jordan B. Peterson
Livros em PDF de Mircea Eliade
Livros em PDF de Carl C. Jung
Livros em PDF de Dostoievski