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Pensamentos Nómadas

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Crítica ao Black Mirror - Crocodile, por Ricardo Lopes

07.01.18 | Luís Garcia
 

 

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RICARDO MINI copy     TECNOLOGIA  SOCIEDADE 

 

Black Mirror - Temporada 4

Episódio 3 - Crocodile

 

Neste terceiro episódio, Charlie Brooker volta com força à tonalidade mais negra que costuma atribuir aos episódios da série.


Começando pela questão humana, penso que mais uma vez não falha, e é bastante profunda e perspicaz a observação de que alguém que se considera incapaz de fazer mal e que é movido pela crença de que tudo o que faz é com vista a obter o melhor resultado possível para o mundo em termos morais, é a pessoa que mais facilmente não liga a meios para atingir os fins e comete mais atrocidades do que aquelas que seriam cometidas se se tivesse deixado o sistema vigente seguir o seu curso normal. 


E, sim, falo de sistema, até porque as críticas aos chamados SJWs (Social Justice Warriors, ou, em português, qualquer coisa como Guerreiros da Justiça Social) são mais do que muitas.
Mia escolhe um filme pornográfico feminista da Erika Lust, ao mesmo tempo que procura criar uma distração com tal para eliminar o cadáver da pessoa que acabou de matar. 


Mia elimina o cadáver numa fábrica em cuja entrada se lê "affordable living for all", e portanto é a uma empresa com tal slogan a que ela recorre para resolver os seus problemas (ahah!). 


Mia até é dona de um faqueiro Matdoft da IKEA, uma das lojas prediletas dos millennials. 


Portanto, é tudo uma questão de "virtue signaling", e afinal o amigo dela segue o caminho de um Rodion Raskolnikov do Crime e Castigo, e chega a um ponto em que a culpa é tão intolerável que está praticamente disposto a entregar-se às autoridades, ao passo que ela não vacila em tornar-se uma completa besta sanguinária imparável, que começa por tentar dissuadir o amigo de escrever à viúva por causa de ser mãe e acaba a matar um bebé cego. 
Mesmo delicioso o humor negro deste episódio. 


Para dar ainda mais força ao tempero irónico, ainda há que notar que a nossa cara SJW feminista, consumidora de produtos da IKEA e cliente de uma empresa com uma ética social forte, ainda consegue a proeza de matar uma mulher de cor muçulmana, um homem preto, um bebé preto deficiente, e só não mata um animal senciente porque nem lhe passou pela cabeça que o pudessem usar para extrair memórias. Ou isso, ou o sortudo do bicho teve a sensatez de não fazer barulho. 


Bem, dou ainda mais pontos ao argumentista já que evitou, pelo menos por enquanto, induzir mais uma histeria em redor da tecnologia por ter deixado o acidente com o carro automático por resolver, e portanto com veredicto ambíguo. Afinal de contas, a culpa era completamente do tipo que se meteu feito estúpido na estrada, sendo que se fosse um ser humano a conduzir o veículo com certeza que o desfecho teria sido o mesmo. Vá lá, Charlie, não metas essas paranóias na cabeça das pessoas, até porque as estatísticas de acidentes automóveis causados por humanos são abismais. 


Quanto ao fulcro da tecnologia deste episódio, temos o, digamos assim, extrator e gravador de memórias que, desta vez, e mesmo que me conseguissem convencer com boa ciência que seria possível obter imagens com tal acuidade a partir de memórias de pessoas, foi elaborado de uma forma absolutamente escabrosa, do ponto de vista científico.


Nunca memórias seriam gravadas cerebralmente com tal fidelidade, quer visuais quer auditivas. É verdade que a componente emocional permite gravar memórias com mais detalhes, mas nunca uma memória em que fosse possível ter uma imagem detalhada do rosto de alguém ou até do restante cenário, no qual se conseguia até ver carros e a rua bem delineados e com detalhes finos. A acrescentar a isso, há ainda a questão da possibilidade de induzir as memórias falsas, por introduzir sugestões, neste caso o odor da cerveja e a música.

 

Assim sendo, este episódio encontra bastantes paralelismos com o primeiro desta temporada, no sentido em que do ponto de vista humano está bastante bem construído, mas do ponto de vista tecnológico é paupérrimo. 


Deixo, ainda assim, um ponto de bónus final pelo facto de, mais uma vez, não me ter parecido que a tecnologia em si tenha sido demonizada, uma vez que ao longo de todo o episódio a única situação em que é feito uma utilização abusiva da mesma é quando Mia extrai memórias de Shazia para poder matar o seu marido.

 

Ricardo Lopes

 

 
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