Como os media mainstream branqueiam a al-Qaeda e os White Helmets na Síria (3/4), por Eva Bartlett
Parte 3/4
Credenciais, se faz favor: O que é o jornalismo?
Em relação à questão do The Guardian quanto à minha competência enquanto jornalista, gostaria de pôr em relevo o seguinte.
Eu comecei reportando a partir do terreno, na Palestina, em 2017, primeiro através do meu blog, e mais tarde publicando artigos em vários outros media online.
Em 2007, passei 8 meses na ocupada Cisjordânia da ocupada Palestina, numa das áreas mais perigosas, onde palestinianos são diariamente maltratados, raptados e mortos pelo exército israelita e por colonos judeus ilegais. Aí eu comeceu a blogar, documentando os crimes realizados utilizando testemunhos, entrevistas na primeira pessoa, as minhas próprias experiências, fotos e vídeos.
Depois de ter sido deportada da Palestina pelas autoridades israelitas a Dezembro de 2007, em 2008 viagei de barco de Chipre até Gaza e documentei não apenas os diários assaltos israelitas contra desarmados homens, mulheres, idosos e filhos de camponeses e de pescadores, mas também os efeitos do devastador cerco total de Gaza, os esporádicos bombardeamentos e incursões terrestres por parte de Israel e, pois claro, os dois grandes massacres de Dezembro 2008/Janeiro 2009 e de Novembro 2012.
Na guerra de 2008/2009 contra civis palestinianos, eu estava no terreno ajudando socorristas no norte de Gaza (verdadeiros socorristas e não actores encenando) sob bombardeamentos e sob um fogo intenso de snipers. Eu estava também num piso do cimo de um edifício de media na cidade de Gaza que foi bombardeado enquanto eu lá estava presente. Senão, eu permaneci em Gaza depois da matança ter acabado, recolhendo horríveis testemunhos e documentando os crimes de guerra israelitas como os assassínios de crianças, a massiva utilização de Fósforo Branco sobre civis, a utilização de civis com escudos humanos e o uso (e assassínio) de médicos como alvos de ataque.
Veja esta hiperligação para obter mais informação detalhada destes documentos, com muitos exemplos, e muito mais documentação recolhida durante o massacre israelita de palestinianos a Novembro de 2012, assim como relatos detalhados das minhas investigações resultantes de sete viagem pela Síria.
Enquanto questionava as minhas credenciais enquanto jornalista de investigação sobre o Médio-Oriente, o The Guardian inadvertidamente atribuiu a produção da estória a uma jornalista de San Francisco especializada em peças de pelúcia, moda e análise Russofóbica, a qual tem visivelmente pouca ou nenhuma compreensão sobre o que está acontecendo na Síria.
Discursando sobre "a propaganda que é com frequência disfarçada de jornalismo", o galardoado jornalista e realizador John Pilger afirmou: (destacado a negrito por mim)
"Edward Bernays, o proclamado pai das relações públicas, escreveu sobre o governo invisível que é aquele que de facto governa um país. Referia-se ao jornalismo, aos media. Isto foi há quase 80 anos atrás, pouco depois do jornalismo corporativo ter sido inventado. É uma história que poucos jornalistas conhecem ou falam sobre, e teve o seu início com o advento da publicidade corporativa.
À medida que as novas corporações foram tomando o lugar da imprensa, algo chamado de "jornalismo profissional" foi inventado. De forma a atrair grandes anunciantes, a nova imprensa tinha de transparecer ser respeitável, pilar do establishment, objectiva, imparcial, equilibrada. As primeiras escolas de jornalismo foram criadas, uma mitologia da neutralidade liberal foi criada ao redor dos jornalistas profissionais. O direito à liberdade de expressão passou a ser associada aos novos media.
... Tudo isto não passava de um embuste. Aquilo de que o público não foi informado, foi que, de forma a poderem ser profissionais, os jornalistas tinham de assegurar que as suas notícias e opiniões fossem dominadas por fontes oficiais. E isto continua verdade até hoje. Vasculhe o New York Times num qualquer dia escolhido ao acaso, e verifique as fontes dos seus principais artigos de política interna e externa. Descobrirá então que todos esses artigos são dominados pelos interesses de governos e outros poderes. É esta a essência do jornalismo profissional."
Num post de Facebook público, o jornalista Stephen Kinzer escreveu:
"Acontece que concordo com a Eva em relação à Síria, mas, do ponto de vista de um jornalista, a verdadeira importância do que ela faz vai muito além do facto de produzir notícias a partir de um dado país. Ela desafia a narrativa estabelecida - e essa é a essência do jornalismo. Tudo o resto é a estenografia. Aspirantes a correspondentes estrangeiros, tomem nota!!"
No difamatório artigo do The Guardian, Solon empregou a táctica de denegrir a credibilidade de um(a) jornalista de investigação catalogando-o(a) de mero(a) "bloggueiro(a)". Na sua estória, Solon utilizou o termo "blogueira" quatro vezes, três delas para referir-se a Vanessa Beeley (que contribui em artigos de análise para uma variedade de media online).
No último desses casos, ela citou James Sadri, director executivo da Purpose Inc (que opera o projecto de relações públicas do "Syrian Campaign), o qual afirmou a propósito de Beeley:
"Uma blogueira de um site conspiracionista do 9/11 que apenas visitou a Síria pela primeira vez no ano passado não pode ser levada a sério como uma perita imparcial do conflicto."
Relembrem-me quando foi a última vez que Sadri ou Solon lá estiveram? Parece que foi em 2008 no caso de Sadri, e nunca no caso de Solon. Mas eles são "credíveis", enquanto que alguém como a Beeley que desde a sua primeira visita em 2016 já lá retornou em inúmeras ocasiões e em momentos críticos, como a libertação de Aleppo, e que falou com civis sírios do leste da cidade anteriormente ocupada pela al-Qaeda e seus parceiros extremistas, não é credível?
E quanto aos blogueiros, existem muitos escritores e investigadores perspicazes que publicam nos seus próprios blogs (por exemplo, este blog). Contudo, e deixando à parte esta questão, é divertido nota que Solon no seu perfil de LinkedIn apresenta como sua primeira habilidade: blogging. Será ela uma mera blogueira?
Em relação ao uso que Solon faz do tema "conspiracionistas", será que ela o reciclou a partir de um artigo do Wired publicado há oito meses antrás? Não há dúvidas que o seu uso do termo "conspiracionistas" serve o propósito de caricaturar todos aqueles que investigam os White Helmets como sendo mais um Alex Jones.
Será ela capaz de ser original?
4 de Novembro de 2016: A menos de 100 metros do local onde caiu o segundo de 2 morteiros disparados por facções terroristas a menos de 1 km da Estrada Castello. A estrada e o corredor humanitário foram atacados pelo menos 7 vezes nesse dia por essas facções terroristas. Muitos desses que trabalham para os media corporativos foram se esconder no autocarro, e foi lhes fornecido capacetes e coletes à prova de bala. Eu permaneci na estrada, sem luxos do género. Leia mais sobre este episódio aqui.
O The Guardian usa a táctica da CIA de "Teorias da Conspiração"
Além de utilizar termos humilhantes, o The Guardian meteu-se no jogo da CIA de utilizar o mal-intencionado termo de "conspiracionistas".
Como afirmou Mark Crispin Miller (professor de comunicação social e escritor) perante uma comissão a Junho de 2017 :
"Teoria da conspiração não foi uma expressão muito utilizada por jornalistas até 1967 quando, de repente, começou a ser utilizada o tempo todo, e cada vez mais é utilizado. E a razão para tudo isto é que a CIA, naquela época, enviou um memorando aos chefes das suas representações em todo o mundo instando-os a usar as suas posições privilegiadas e os seus amigos dentro de meios de comunicação para desacreditarem o trabalho de Mark Lane ... de escrever livros atacando o Relatório da Comissão Warren. Mark Lane era um best-seller, e então a resposta da CIA foi a de enviar esse memorando exigindo um contra-ataque, esperando que lacaios obedientes à agência escrevessem críticas atacando este tipo de escritores com o rótulo de "conspiracionistas" e que utilizassem um ou mais dos cinco argumentos especificados no memorando.
Aposto que Solon recebeu o memorando.
De forma mais aprofundada, o professor James Tracy afirmou:
"Teoria da Conspiração" é um termo que de uma assentada provoca medo e ansiedade nos corações da maior parte das figuras públicas, em particular jornalistas e académicos. Desde a década de 1960, este rótulo tornou-se um dispositivo disciplinar que tem sido incrivelmente efectivo na definição de certos eventos fora dos limites da pesquisa ou do debate. Sobretudo nos EUA, colocar legítimas questões sobre dúbias narrativas oficiais de forma a informar o público (e, consequentemente, o poder político), é visto como um crime que deve ser a todo o custo cauterizado da mentalidade colectiva."
Kevin Ryan, escritor e investigador, notou que (destacado a negrito por mim):
"Nos 45 anos que precederam a publicação do memorando da CIA, a expressão 'teoria da conspiração apareceu apenas 50 vezes no Washington Post e no New York Times, ou seja, cerca de uma vez por ano. Nos 45 anos após a publicação do memorando da CIA, a expressão apareceu 2630 vezes, cerca de uma por semana."
"... e claro, cada vez que a expressão é utilizada, é sempre num contexto no qual o "conspiracionista" possa ser caracterizado de menos inteligente e menos racional que aqueles que de forma acrítica aceitam as explicações oficiais para a maioria dos eventos. O presidente George Bush e os seus colegas usam frequentemente a expressão "teoria da conspiração" de forma a deter possíveis questões sobre as suas actividades.
No seu artigo para o The Guardian, Solon incluiu a falácia de que a Rússia está por detrás de tudo.
Em agosto de 2017, Scott Lucas (citado por Solon no seu próprio artigo) escreveu (destacado a negrito por mim):
"Media estatais russos tem levado a cabo uma campanha, sobretudo desde que, em Setembro de 2015, Moscovo interveio militarmente."
E no de Solon? (destacado a negrito por mim):
"A campanha para desacreditar os White Helmets começou ao mesmo tempo em que a Rússia, em Setembro de 2015, interveio militarmente..."
Mas tenho a certeza que é uma mera coincidência.
Investigações iniciais sobre os White Helmets precedem as da Rússia
Como já afirmei anteriormente neste artigo, em 2014 e início de 2015, muito antes dos media russos terem pegado no assunto, Cory Morningstar e Rick Sterling já estavam confrontando a história oficial sobre os White Helmets.
Morningstar, no dia 17 de Setembro de 2014, escreveu:
"Purpose, uma empresa de relações públicas de Nova Iorque, criou pelo menos quatro ONG's/campanhas anti-Assad: os White Helmets, o Free Syrian Voices [3], o The Syria Campaign [4] e a March Campaign #withSyria. ... A mensagem é clara. A Purpose buscava luz verde para a intervenção militar na Síria coberta sob o pretexto de humanitarismo - o oxímero dos oxímeros ".
Foi então que os White Helmets entraram em cena.
No seu artigo do dia 9 de Abril de 2015, Rick Sterling opinou que os White Helmets seriam um projecto de relações públicas para uma posterior intervenção ocidental na Síria. Segundo ele (destacado a negrito por mim):
"White Helmets é o novo recentemente cunhado nome para a 'Syrian Civil Defence'. Apesar do seu nome, a Syria Civil Defence não foi criada por sírios nem exerce funções na Síria. Pelo contrário, foi criada pelos EUA e o Reino Unido em 2013. Alguns civis de zonas controladas por rebeldes foram pagos para irem à Turquia e aí receber algum treino em operações de resgate. O programa era gerido por James Le Mesurier, um ex-militar britânico e um contratista privado cuja empresa tem sede no Dubai."
Depois de ter começado a investigar os White Helmets por volta de Setembro de 2015 e de ter, em Outubro, revelado os laços destes com criminosos assassinos na Síria, Vanessa Beeley tem de uma forma implacável perseguido esta organização, as suas mentiras e a sua propaganda e o seu financiamento de pelo menos 150 milhões de dólares (muito mais que o necessário para suprimentos médicos e equipamento de filmagem profissional)
Como salientou o 21st Century Wire (destacado a negrito por mim):
"Reparem que o The Guardian e Olivia Solon também afirmam que os White Helmets são apenas "voluntários", o que é uma fulcral deturpação de factos desenhada para gerar simpatia pelos seus funcionários. Uma pessoa pode pura e simplesmente chamar a isto uma escandalosa mentira, visto que os membros dos White Helmets recebem regularmente um salário (ao qual, de forma enganadora, o The Guardian chama de "mesada") que é bem mais elevado que o salário médio sírio, detalhe convenientemente ignorado nesta peça de propaganda do The Guardian que parece ter sido feito de encomenda para o Ministério de Negócios Estrangeiros britânico.
... jornalistas do The Guardian como a Solon não devem atrever-se a mencionar que o valor da "mesada" dos White Helmets é bem superior ao do salário padrão de um soldado do exército que, com sorte, leva para casa 60 ou 70 dólares por mês."
CONTINUA
Eva Bartlett, 06.01.2018
Leia a 1ª parte aqui: Como os media mainstream branqueiam a al-Qaeda e os White Helmets na Síria (1/4)
Leia a 2ª parte aqui: Como os media mainstream branqueiam a al-Qaeda e os White Helmets na Síria (2/4)
Leia a 4ª parte aqui: Como os media mainstream branqueiam a al-Qaeda e os White Helmets na Síria (4/4)
traduzido para o português por Luís Garcia
versão original em inglês: How the Mainstream Media Whitewashed Al-Qaeda and the White Helmets in Syria