Como o “ocidente” fabrica “movimentos de oposição”, por André Vltchek
AVISO: A versão original em inglês deste artigo é antiga e data de 3 de Fevereiro de 2014.
Prédios públicos sendo destruídos e saqueados. Tal está acontecendo em Kiev e em Banguecoque e, em ambas cidades, os governos mostram-se impotentes, demasiado assustados para intervir.
O que está acontecendo? Estão governos democraticamente eleitos tornando-se irrelevantes, um pouco por todo o lado, enquanto o regime “ocidental” cria e em seguida apoia “movimentos de oposição” nos quais só se vêem gangues armados que lá estão para desestabilizar todo e qualquer estado que resista ao desejo “ocidental” de controlar o planeta inteiro?
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Há agora quem intimide e grite contra aqueles que querem votar no governo moderadamente progressivo que no momento dirige a Tailândia. Não há discussão alguma sobre o processo eleitoral: no geral, o voto é livre, como declaram tanto observadores internacionais como a maioria dos membros da Comissão Eleitoral.
Nem liberdade, nem legitimidade, nem sequer transparência estão sendo postas em causa.
A retórica varia mas, na sua em essência, os “manifestantes” que “protestam” exigem o desmantelamento da frágil democracia tailandesa. A maioria dos “protestantes” são pagos pelas classes média-alta e alta. Alguns são delinquentes e bandidos, muitos recebem 500 Baht por dia (cerca de 15 dólares dos EUA), recrutados nas vilas e aldeias das remotas províncias do sul do país. Estão habituados a usar violência, como bem mostra a sua linguagem corporal e facial.
Funcionários do governo legítimo têm de saltar por cima de barricadas ou suplicar que os manifestantes os deixem entrar no seus próprios gabinetes.
Eleitores que vinham para votar na ronda pré-eleitoral foram intimidados e insultados, e um homem quase foi morto por estrangulamento.
Embora a vida na capital tenha sido totalmente interrompida, o governo não se atreve a enviar tanques de guerra ou polícia para desobstruir as ruas. Deveria fazê-lo mas não o faz, pois teme por demais as forças armadas e a monarquia, dois pilares deste ultrajante híbrido entre capitalismo selvagem e feudalismo, comparável apenas aos piores pesadelos regionais como a Indonésia e as Filipinas.
Tudo é bem claro agora: enquanto o governo fala dos seus próprios medos, os militares, fazendo uso de meios de comunicação vendidos e de "vazamentos" ["leaks" no original], vão enviando venenosas ameaças.
O que está acontecendo e o que é que está em jogo na Tailândia? Está em jogo Thaksin Shinawatra, irmão mais velho da actual primeira-ministra que, quando era primeiro-ministro, tentou instalar um capitalismo moderno no seu submisso e terrivelmente assustado país. Foi ele quem deu moradias aos mais pobres, introduziu um excelente sistema universal de saúde gratuito (muito mais avançado que qualquer proposta jamais feita nos EUA), educação primária e secundária gratuita e de excelente qualidade e outras ideias consideradas ameaçadoras pela “ordem mundial”, pelas elites feudais locais e pelo exército.
As elites tailandesas que, mais do que riqueza, adoram ser amadas, admiradas e temidas, reagiram quase de imediato. O primeiro-ministro foi exilado, impedido de voltar ao país e passou a ser alvo de intensa difamação. Houve golpes militares, misteriosas “alianças”, boatos e “mensagens secretas” emitidas por uma “muito elevada autoridade”. Houve matança, um verdadeiro massacre, quando os chamados camisas vermelhas apoiantes de Shinawatra (que vão desde reformistas até marxistas) foram executados por atiradores profissionais, vários deles com tiros na cabeça.
Mas o povo, os pobres, a maioria da população da Tailândia, sobretudo aqueles que vivem no norte e nordeste, reagiram de forma estóica e com muita determinação. Sempre que houve eleições, sempre que o regime ilegalizou partidos políticos pró-Shinawatra, novos partidos políticos surgiram, e estes continuaram vencendo eleições.
Em 2011 Yingluck, irmã de Shinawatra, com maioria no Parlamento, tornou-se primeira-ministra da Tailândia.
Os “manifestantes” bloquearam várias artérias centrais de Banguecoque e declararam que “a Tailândia não está preparada para a democracia” e que, por isso, “se mais eleições fossem realizadas para determinar o futuro do país, as forças pró-Shinawatra continuariam a ganhar eleições”.
Eleições “assim”, é claro, seriam inaceitáveis para as elites tailandesas e para os vários países ocidentais que, por décadas, benificiaram das vantagens que o sistema feudal tailandês lhes garantia.
Um general tailandês declarou que “não descarto a possibilidade de outro golpe militar”. E o que a oposição propôs foi um vago conceito de um governo de tecnocratas, que governaria até que a Tailândia estivesse “pronta” para votar (leia-se: até que todo o poder popular seja destruído e a eleição de um governo pró-elites, pró-monarquia e pró-exército possa ser “garantida” através de eleições “livres”).
Enquanto isto, gangues de delinquentes armados bloqueiam as vias públicas e os centros culturais (mas não os shoppings). Tanto na Europa como nos EUA, estes são descritos como "manifestantes”.
E é aqui que chegamos ao centro da questão: o terrorismo dos militares e das elites feudais é disfarçado com uma roupagem de “rebelião”, até mesmo de “revolução”. Recebeu um manto de legitimidade e foi, inclusive, parcialmente romantizado.
O fascismo volta a mostrar o seu lado mais negro. E o Ocidente sabe perfeitamente disso. E, de facto, está abertamente apoiando o regime que hoje, por trás das cortinas, governa de facto a Tailândia. Assim acontece porque é o regime que o Ocidente ajudou a criar.
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Deixei Banguecoque e, já no avião, um pensamento não me saía da cabeça: em vários pontos do mundo sobre os quais escrevi nos últimos tempos, vivem-se realidades muito semelhantes à da Tailândia de hoje.
Governos democraticamente eleitos, governos progressistas em sua essência; pelo mundo inteiro este tipo de governos estão sendo severamente atacados por grupos de delinquentes armados, de bandidos, de elementos anti-sociais e até de conhecidos terroristas.
Vi a mesma coisa na fronteira sírio-turca. Ouvi as histórias de vários moradores daquela região, na cidade turca de Hatay e no interior da região que faz fronteira com a Síria.
Ali fui mandado parar e impedido de trabalhar, interrogado pela polícia local, pelo exército e por grupos religiosos armados quando tentava fotografar um daqueles “campos de refugiados” da região construídos especialmente pela NATO para opositores do governo sírio, onde os “refugiados” recebem casa e comida, assim como treino militar e armas.
Hatay encontra-se ocupada por jiadistas sauditas e cataris, organizados pelos EUA, União Europeia e Turquia, dos quais recebem apoio logístico, armas e dinheiro.
É quase impossível transcrever em palavras o terror que estes grupos têm vindo a espalhar nesta parte do mundo historicamente pacífica, multicultural e tolerante.
Crianças de uma vila da fronteira descreveram-me raides, roubos, violência e até assassinatos cometidos por “rebeldes” anti-Assad.
Aqui e em Istambul, onde trabalhei com intelectuais turcos progressistas, com jornalistas e com académicos, foi-me bem explicado, inúmeras vezes, que a “oposição” anti-Assad estava sendo treinada, financiada e “encorajada” pelo Ocidente e pela Turquia (membro NATO), causando morte e destruição de milhões de vida em toda a região.
Massacre de civis por jiadistas sauditas e cataris na cidade síria de Adra, próximo de Damasco, no início de Setembro de 2013
Agora, enquanto escrevo, o canal Russia Today está exibindo material exclusivo sobre a cidade síria de Adra que foi saqueada e destruída por grupos pró-al-Qaeda e por forças da “oposição” pró-Ocidente, Exército de Libertação Sírio [FSA na sigla inglesa] incluído.
Há um mês atrás nessa cidade, alegadamente, pessoas foram assassinadas por apedrejamento, queimadas em barris e decapitadas.
Em vez de cortar todo o apoio à “oposição” síria que é racista, pervertida e extremamente brutal, Washington continua demonizando o governo de al-Assad e volta, outra vez, a ameaçar com uma acção militar.
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Este tipo de bandidos, em países que elegeram governos progressistas ou patrióticos, são contratados e pagos pelas elites locais, operando em favor do Império Ocidental. Mais, antes disso, as mesmas chamadas “elites” foram contratadas e pagas ou, pelo menos, treinadas/”educadas” pelo Ocidente.
Num plano mais “intelectual”, os meios de comunicação privados competem entre si para ver qual deles é o mais servil, o mais submisso às ordens e desejos dos agentes externos que os comandam. Os militares e as forças feudais mais retrógradas, até forças completamente fascistas (veja-se a Ucrânia, por exemplo) estão, por todo o lado, claramente retomando as rédeas, beneficiando-se e extraindo a máxima vantagem da nova “tendência”.
Tudo isto tem vindo a acontecer em vários níveis de intensidade e de brutalidade na Tailândia, China, Egipto, Síria, Ucrânia, Venezuela, Bolívia, Brasil, Zimbabué e em vários outros pontos, um pouco por todo o mundo.
Pouco depois de ler o que escrevi sobre a Tailândia, publicado no dia 30 de Janeiro, um leitor meu brasileiro reagiu dizendo:
Parece o nosso Brasil: embora de forma mais suave, menos brutal, mas igual na sua essência (...) as elites locais, agora mesmo, em Janeiro de 2014, estão fazendo de tudo para impedir a reeleição da presidente Dilma Rousseff (…) Você, experiente observador da América Latina, sabe muito bem disso ”.
O processo e as tácticas são quase sempre as mesmas: meios de comunicação pagos pelo Ocidente, ou até mesmo meios de comunicação ocidentais, directamente, desacreditam determinados governos populares. Depois inventam "escândalos", atribuem cores a novos movimentos de "oposição" acabados de ser inventados, aparecem bandidos escolhidos e pagos e, por fim, armas letais "miraculosamente" aparecem em "zonas de protestos".
No Brasil os Black Bloc (manifestantes anti-governo) também atacam indiscriminadamente.
Desde que o governo seja "nacionalista", verdadeiramente patriótico e defenda os interesses do seu próprio povo contra a pilhagem internacional (não como o governo japonês de Abe, dito "nacionalista", mas na realidade completamente vendido aos interesses da política externa norte-americana na região), fica logo marcado, passa a constar de uma invisível lista de alvos a abater, ao bom velho estilo da máfia.
Como Michael Parenti muito correcta e vivamente descreveu: “Fazes o que queremos, ou quebramos-te uma perna, capice?”
Testemunhei o presidente Morsi do Egipto (de início, fui critico do governo de Morsi, como também era crítico do governo de Shinawatra, antes do verdadeiro terror ter tomado conta do Egipto e da Tailândia) ser derrubado por militares que, enquanto mostravam o seu excesso de zelo, conseguiram, nesse processo, matar vários milhares de egípcios, na sua maioria pobres.
Na altura eu ia com frequência ao Egipto. Fui e vim, durante vários meses, para filmar um documentário para a cadeia de televisão sul-americana Telesur.
Incrédulo e desanimado, testemunhei os meus revolucionários amigos se escondendo, desaparecendo da face da terra. Isto enquanto famílias [ricas] revoltantemente arrogantes apoiavam publicamente os militares assassinos, sem qualquer pudor.
A lógica e as tácticas no Egipto eram previsíveis: embora ainda capitalista e em certa medida ainda submisso ao FMI e ao Ocidente, o presidente Morsi e a Irmandade Muçulmana mostravam-se pouco entusiasmados em colaborar com o Ocidente. Nunca disseram de facto “não”, mas pelos visto isso não foi o suficiente para o regime euro-norte-americano, o qual, hoje em dia, exige obediência total, incondicional, e também o beija-mão e o beijar de outras partes do corpo. O regime exige total obediência ao velho estilo protestante, completado com auto-crítica e um constante sentimento de culpa. O regime ordena total e “sincero” servilismo.
Parece que quase nenhum país, nenhum governo não-alinhado, merece escapar do total aniquilamento se não se submeter por completo.
A coisa foi tão longe que, a menos que os governos em país em desenvolvimento como as Filipinas, a Indonésia, o Uganda ou o Ruanda enviem uma clara mensagem a Washington, Londres ou Paris de que “aqui estamos exclusivamente para vos fazer vocês felizes aí no Ocidente”, esses expõe-se ao risco de ser aniquilados, mesmo que tenham sido eleitos democraticamente, mesmo que (e, de facto, "especialmente se") sejam apoiados pela maioria do povo.
Nada disto é novo, pois claro que não. Mas, no passado, as coisas eram feitas um pouco mais “discretamente”. Hoje, é tudo às claras. Talvez tudo isto seja feito de propósito, para que ninguém se rebele, para que ninguém sonhe sequer.
E portanto, a revolução no Egipto foi desencaminhada, destruída e cruelmente sufocada até à morte. Já nada resta da chamada “Primavera Árabe”, só um claro aviso: "nunca mais se atrevam a tentá-lo, senão...”.
No Egipto a Praça Tahrir está vazia... A Primavera Árabe acabou...
Sim, eu vi as "elites" do Egipto dançando e celebrando a vitória. As elites adoram o exército. O exército é a garantia do seu poder e de que permanecerão no topo. As elites até fazem as suas crianças carregar retratos dos líderes responsáveis pelo golpe, responsáveis por milhares de mortes, responsáveis pela destruição dos grandes sonhos e esperanças do mundo árabe.
O que vi no Egipto foi apavorante, parecido com o golpe de 1973 no Chile (país que considero meu segundo ou terceiro lar); golpe que não tenho idade para lembrar mas cujas imagens vi e revi muitas vezes, em silêncio e persistente horror.
“Senão...” poderia ser a tortura e a morte do povo bareinita [do Barém]. “Senão...” poderia ser a Indonésia de 1965-66. Ou poderia ser o “colapso” da União Soviética. “Senão...” poderiam ser aviões de passageiros explodidos em pleno voo; um avião cubano destruído por agentes da CIA. “Senão...” poderia ser o Iraque, a Líbia ou o Afeganistão reduzidos a ruínas, ou o Vietname, o Cambodja e o Laos bombardeados e reduzidos à Idade da Pedra. “Senão...” poderia por certo ser algum país inteiramente devastado, como a Nicarágua, Granada, o Panamá ou a República Dominicana. “Senão...” poderia significar 10 milhões de pessoas assassinadas na República Democrática do Congo, para se saquear os recursos naturais do país ou devido à anti-imperialista expressividade do seu grande líder Patrice Lumumba.
Agora, no Egipto, o gangue de Mubarak está rapidamente voltando ao poder. Ele era o “demónio” em quem bem se confiava, e o Ocidente rapidamente percebeu que deixá-lo cair seria um grave erro estratégico; e portanto decidiu trazê-lo de volta, ele, pessoalmente ou, pelo menos, o seu legado. E isto às custas de milhares de (insignificantes) vidas egípcias e contra o desejo de praticamente um país inteiro.
Exército egípcio, traidor de seu povo e dos eleitores do Presidente Morsi, assim como o Exército brasileiro traiu o seu povo, os eleitores e o Presidente João Goulart em 1964.
E, depois, é claro que não se pode deixar cair o poder militar do Egipto. Os EUA investiram milhares de milhões de dólares no seu exército e os militares controlam hoje em dia metade do país, literalmente. E é um organização bem confiável: mata sem quaisquer escrúpulos quem quer que tente construir uma sociedade socialmente mais justa na mais populosa nação árabe do planeta. E o exército joga do lado de Israel. E ama o capitalismo.
Tailândia e Egipto: dois países separados por milhares de quilómetros, duas culturas diferentes, em dois continentes distintos. Nos dois países, o povo expressou-se e votou nos seus líderes. Não num governo comunista, volto-lhe a lembrar: na Tailândia, apenas num de tendências moderadamente sociais; no Egipto, num nacionalista-islâmico moderado.
Em ambos os casos, as elites feudais e fascistas entraram de imediato em acção. Para mim, é absolutamente claro que estes estão por detrás daqueles [militares golpistas], financiando-os e dando-lhes apoiam "moral".
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A Ucrânia não é uma nova vítima das tácticas de desestabilização da União Europeia, UE tão doentiamente gananciosa que, pelos vistos, já não consegue sequer se controlar. Saliva, obcecada, pensando na enorme quantidade de recursos naturais que a Ucrânia possui. E treme de desejo sonhando com barata e altamente qualificada mão-de-obra.
As empresas europeias querem entrar na Ucrânia, custe o que custar. Mas é preciso ter cuidado para que hordas de ucranianos não invadam essa sagrada e por demais racista fortaleza chamada União Europeia. A Europa pode saquear o planeta inteiro, mas é severa e brutal para com aqueles que tentem nela entrar e “roubar os seus empregos”.
É claro que a União Europeia não pode fazer na Ucrânia o que faz livremente em muitos outros lugares como a República Democrática do Congo. Não pode simplesmente chegar e pagar a alguns países para fazerem o seu trabalho por procuração, como é o caso dos governos do Ruanda e do Uganda (já responsáveis por mais de 10 milhões de congoleses mortos em menos de vinte anos), para que saqueiem a Ucrânia e matem quase todos aqueles que resistirem ao saqueamento.
Ao longo dos séculos, por repetidas vezes, a Europa provou ser capaz de massacrar sem piedade nações inteiras (e ao mesmo tempo guardar zero memórias históricas desses massacres), fazendo-o quase sem nenhum princípio moral, pelo menos quando comparada com o resto do mundo. Mas a Europa é astuta e, ao contrário dos EUA, sabe imenso sobre táctica, estratégia e relações públicas.
O que a União Europeia fez na Líbia é óbvio. Aqueles que argumentam que os EUA agem por conta própria, devem por certo exercer uma enorme auto-disciplina para não verem quão intimamente ligados são os interesses e as acções dos antigos e novos usurpadores da África, da Ásia, da América Latina, do Médio Oriente e da Oceânia. A França actua hoje, uma vez mais, enquanto arqui-bandido neo-colonial, sobretudo em África.
Líbia, antes e depois do "ataque humanitário" e o saqueio ainda hoje realizado pelos EUA-Europa.
Mas a Ucrânia está “logo ali ao lado”, perto demais, em termos geográficos, da própria União Europeia. Tem de ser desestabilizada, mas a coisa tem de parecer bem legítima. A “rebelião”, a “revolução” e a “revolta dos povos”, estas sim, são a forma "adequada" de lidar com as coisas.
Há mais de um mês atrás, um bizarro negócio foi proposto, no qual as empresas europeias seriam autorizadas a entrar na Ucrânia e a limpar os seus recursos naturais mas, o povo ucraniano, não seria autorizado sequer a ir trabalhar na União Europeia.
O governo, de forma lógica e sensata, rejeitou o acordo. E então, de repente, à moda tailandesa e egípcia, as ruas de Kiev encheram-se de bandidos armados com bastões e até armas, destruindo a capital e exigindo a renúncia do governo democraticamente eleito.
Esses grupos de bandidos incluem neo-Nazis, anti-semitas e criminosos comuns, que foram encorajados pelo receio do governo ucraniano (igual ao que se viu na Tailândia) de usar força. Estão queimando polícias vivos, bloqueando e ocupando edifícios governamentais, impedindo a administração de servir o povo.
Tal como os seus predecessores da “revolução laranja”, estes foram fabricados e cuidadosamente modelados antes de terem sido metidos à solta.
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Em África, para citar apenas alguns casos, o minúsculo estado das Seicheles, possuidor do mais elevado IDH (Índice de Desenvolvimento Humano da PNUD) do continente, tem sido ao longo dos anos bombardeado com críticas e tentativas de desestabilização. O governo das Seicheles providencia, de forma absolutamente gratuita, um excelente serviço de saúde pública (remédios incluídos) e uma excelente educação pública universal. As gentes das Seicheles têm boa alimentação e moradia. Claro que não é uma sociedade perfeita mas, junto com a Maurícia, é o melhor que o continente africano tem para mostrar. Mas nada disto parece ser relevante.
Propaganda vinda de fora, assim como a imprensa opositora financiada sobretudo pelo Reino Unido, estão botando abaixo o sistema.
Uma pessoa pergunta-se porquê mas, depois de um exame mais minucioso e com mais conhecimento sobre o império, tudo se torna óbvio: As Seicheles costumavam cooperar de forma íntima com Cuba e com a Coreia do Norte na frente educacional e noutras áreas. Tornaram-se demasiado "socialistas" para o Império. E, para aqueles aposentados buscando um esclusivo estilo devida hedonista, seria aceitável viver cercados de azul ou até mesmo de castanho, mas definitivamente não de vermelho.
A Eritreia, apelidada de “Cuba africana”, até pode ser uma nação orgulhosa e determinada, mas nunca foi rotulada de estado pária ou renegado pela maior parte das potências ocidentais. Foi apenas vítima de sanções e punida, sabe-se lá porquê.
Eritreia, com um dos mais elevados IDH da África. é país pária segundo o "Ocidente"
“Estamos trabalhando para ser um país inclusivo, democrático e justo”, disse-me recentemente o Director de Educação da Eritreia, no Quénia. “Mas, quanto mais fazemos, quanto mais nos preocupamos com o nosso povo, mais enfurecidos parecem ficar os países ocidentais". Era um pessoa muito sábia e não parecia nada surpreendido. Apenas estávamos, eu e ele, "comparando apontamentos".
O Zimbabué é outro caso claro e extremo. Ali, o Ocidente clara e abertamente apoia “a oposição” contra o governo amado e apoiado pela grande maioria da população; o governo de luta de libertação contra o colonialismo e o imperialismo.
Provocado pela imensa quantidade de mentiras espalhadas pelos meios de comunicação, sobretudo os britânicos, visitei o Zimbabué, no ano passado, de forma a poder questionar ponto por ponto todos os principais tópicos da propaganda anti-Harare. Nem vale a pena dizer que a minha reportagem, publicada pelo CounterPunch, provocou, por todo o continente africano, uma enorme onde de indignação contra a propaganda ocidental.
O ocidente cria e alimenta “rebeliões” e “oposição” contra a Venezuela, Bolívia, Cuba, Brasil e Equador, para citar apenas alguns dos países no topo da lista de alvos a abater.
Na Venezuela, os EUA patrocinaram um golpe falhado e pagam directamente a centenas de organizações, "ONG's” e meios de comunicação, com o objectivo preciso de derrubar o governo e o processo revolucionário.
Em Cuba, o povo dessa orgulhosa e humanista nação tem vindo a sofrer durante décadas. Enfrentaram o que apenas pode ser descrito como terrorismo contra o seu belo país. Os EUA e o ocidente patrocinaram invasões, ataques terroristas e até tentativas de alterar padrões meteorológicos e provocar devastadoras secas. Culturas agrícolas foram envenenadas.
Qualquer “dissidente” cubano, qualquer bandido que levante armas contra o sistema e o governo cubano, é de imediato apoiado e financiado pelos EUA.
Mesmo os meios de comunicação ocidentais, que realizam pesquisas secretas em Cuba, frequentemente chegam à conclusão de que a maioria dos cidadãos cubanos apoia de facto o seu sistema. Mas isso só enfurece ainda mais o Ocidente. O povo cubano está pagando um alto preço pela sua liberdade, pelo seu orgulho, pela sua independência.
Há muitos outros exemplos de como a "oposição" e o terrorismo contra "impopulares" governos (aos olhos do Ocidente) são construídos.
Os bolivianos quase perderam a sua província "branca" de direita (Santa Cruz), graças ao apoio dos EUA. Muitos afirmam que os EUA financiaram o "movimento de independência" naquela província, obviamente para punir o governo extremamente popular de Evo Morales por ser tão socialista, tão nativo-americano e tão amado .
O Brasil, numa grande demonstração de solidariedade e internacionalismo, ameaçou invadir e resgatar o seu vizinho, preservando a sua integridade. E assim, apenas o peso desse gigante pacífico e altamente respeitável salvou a Bolívia da destruição certa.
Mas, agora, até o Brasil está sob ataque dos "fabricantes de oposição"!
Não quero me alongar muito sobre a China aqui, neste artigo. Os leitores já estão familiarizados com a minha posição mas, em resumo: quanto mais comboios de alta velocidade o governo comunista constrói, quanto mais parques públicos, mais máquinas de exercício gratuítas, mais linhas de transporte público e calçadas largas, quanto mais tenta tornar gratuitos os serviços médicos, quanto mais tenta tornar a educação livre e pública, mais difamada é a China, sendo acusada de ser "mais capitalistas que os estados capitalistas (enquanto mais de 50% da produção do país permanece firmemente nas mãos do estado).
A Rússia, tal como a China, Cuba ou Venezuela, é demonizada implacavelmente, todos os dias e a todas as horas. Qualquer oligarca ou qualquer demente figura pop que critique o governo do presidente Putin é imediatamente elevada pelos governos dos EUA, da Alemanha e de outros países ocidentais ao nível de santidade.
Por certo, tudo isto não se deve ao histórial russo de direitos humanos, mas sim ao facto de que a Rússia, tal como os países latino-americanos e a China, estar determinadamente bloqueando todas as tentativas ocidentais de desestabilizar e destruir países independentes e progressistas pelo mundo inteiro. E também se deve à crescente influência dos meios de comunicação russos, especialmente a RT (Russia Today), que se tornou uma voz dominante da resistência à propaganda ocidental. Escusado será dizer que este escritor se associa orgulhosamente à RT e aos seus esforços.
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É certo que o que o mundo está experimentando agora poderia ser descrito como uma "nova vaga" ofensiva do império ocidental. Essa ofensiva está ocorrendo em todas as frentes e encontra-se em rápida aceleração. Devido ao orgulho que sentem por Obama ter ganho o Prémio Nobel da Paz, ele e os seus neo-conservadores europeus mais próximos e "socialistas com toques de castanho", assim como o primeiro-ministro fascista reeleito do Japão, o mundo está se tornando um lugar extremamente perigoso. Parece uma cidade fronteiriça invadida por violentas hordas.
A percepção bíblico-apocalíptica segundo a qual “os que não estão comigo estão contra mim” está ganhando nova profundidade.
E fique atento às cores. Atenção às “revoltas” e aos “protestos” anti-governo. Quais são genuínos e quais são artificialmente criados pelo imperialismo e pelo neo-colonialismo?
Tudo parece ser extremamente confuso para a maioria das pessoas que se perdem na torrente de informação mainstream. De facto, a ideia é mesmo essa, ficarem confusos! Quanto mais confusas as pessoas ficam, menos capazes são de se rebelar contra os perigos reais e contra a opressão.
E no final, apesar de tudo, no dia 2 de Fevereiro, o povo da Tailândia votou! Escalaram barricadas e lutaram com aqueles que tentavam fechar as urnas de voto.
E na Ucrânia, a maioria ainda apoia o seu governo.
E, a Venezuela e Cuba não caíram.
E os jiadistas ainda não controlam a Síria.
E a Eritreia e o Zimbabué ainda apoiam os seus governos.
Pessoas não são gado. Em muitos partes do mundo muitos já perceberam quem são os reais inimigos.
Manchetes da imprensa venezuelana logo após o golpe de 11/4/2002
Quando os EUA patrocinaram um golpe contra Chávez, os militares se recusaram a segui-lo e, quando um homem de negócios escolhido a dedo foi empossado como presidente, os militares começaram a transportar tanques para Caracas, em defesa do legítimo e eleito líder. E a revolução sobreviveu!
Chávez faleceu, e alguns dizem que foi envenenado; que o infectaram com cancro, que o Norte é o responsável. Não sei se é verdade mas, antes de morrer, Chávez foi fotografado inchado e suado, sofrendo de uma doença incurável, mas determinado e orgulhoso. Ele gritava: “Aqui ninguém se rende!” Esta visão e esta curta frase inspiraram milhões.
Lembro de estar no ano passado em Caracas, em frente a um enorme cartaz com o seu rosto, soletrando as suas palavras. Eu agradecer-lhe-ia, abraçá-lo-ia, se pudesse, se ele ainda estivesse vivo. Não porque fosse ele perfeito, coisa que não era. Mas porque a sua vida e as suas palavras e acções inspiraram milhões, tiraram nações inteiras da depressão, da melancolia, do fatalismo, da escravidão. No seu rosto eu li: “Eles tentam tramar-te, mas tu lutas... Cais, mas voltas a lutar. Tentam matar-te, mas tu resistes... Pela justiça, pelo teu país e por um mundo melhor. Chávez não me disse isto, como é óbvio, mas foi isto que senti enquanto olhava para a sua fotografia.
Naquele altura, grande parte da América do Sul se encontrava já livre e unida contra o imperialismo ocidental, e difícil de derrotar. Sim, aqui ninguém se rendeu.
O resto do mundo é ainda muito vulnerável e continua maioritariamente algemado.
O Ocidente fabricar constantemente, e depois apoia, forças opressivas, quer feudais quer religiosas. Quanto mais oprimido é o povo, menos disposição tem para lutar por justiça e pelos seus próprios direitos. Quanto mais assustadas se encontram as pessoas, mais fáceis são de controlar.
Feudalismo, opressão religiosa e sanguinárias ditaduras de direita, tudo isto serve perfeitamente o fundamentalismo de mercado do império e a sua obsessão por controlar o planeta inteiro.
Mas tal cenário mundial não é normal e, portanto, é temporário. Os seres humanos anseiam por justiça e, em sua essência, são uma espécie altruista e honesta. Albert Camus, no seu imponente romance “A Praga” (analogia da luta contra o fascismo), e com toda a razão, chegou à conclusão que: “há mais para admirar do que para desprezar nos seres humanos”.
O que o Ocidente está fazendo hoje ao mundo, acender conflitos, apoiar o banditismo e o terror, ou sacrificar milhões de pessoas em nome dos seus próprios interesses comerciais, não é nada de novo. Chama-se "fascismo vulgar". E, no passado, o fascismo veio e foi derrotado. E será novamente derrotado. Será derrotado porque está errado, porque é contra a evolução natural da espécie humana e porque as pessoas pelo mundo inteiro começam a aperceber-se de que as estruturas feudais com que o fascismo ocidental continua tentando administrar o planeta inteiro pertencem ao século XVIII e não a este, e que nunca mais [o fascismo] deverá ser tolerado.
André Vltchek
André Vltchek é um filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu e cobre guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus últimos livros são Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o revolucionário romance Aurora e um trabalho best-seller de análise política: “Exposing Lies Of The Empire”. Em português, Vltchek vem de publicar o livro Por Lula. Veja os seus outros livros aqui. Assista ao Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo, assim como ao seu filme/diálogo com Noam Chomsky On Western Terrorism. Pode contactar André Vltchek através do seu site ou da sua conta no Twitter.
Tradução por Luís Garcia.
Versão original em inglês disponível aqui.