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Pensamentos Nómadas

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Chega de conversa sobre a Gucci e a Prada – Os chineses e os russos também querem viver!, por André Vltchek

02.05.19 | Luís Garcia

 

Andre Vltchek Política Sociedade   ECONOMIA 

 

A cada vez que discurso no Ocidente, oiço isto vezes sem conta:

Que tipo de comunismo é esse que têm na China? Em todas as grandes cidades, há lojas da Prada e da Gucci nos principais shoppings."

 

Esquerdistas ocidentais mostram-se obcecados com este tópico. Nem se apercebem do quão ridículo e racista o seu argumento na realidade é!

 

A China, com cerca de 6.000 anos de história, 1,3 mil milhões de habitantes e a segunda maior economia do mundo, quase erradicou a pobreza extrema nas cidades e no interior do país. Pela primeira vez na história moderna, as pessoas estão se movendo dos centros urbanos para as aldeias. O grande esforço da civilização ecológica está demonstrando ao mundo como salvar o meio ambiente e o planeta. O país está firmemente de volta com o seu brilhante modelo de "comunismo com características chinesas". A sua política externa é cada vez mais internacionalista.

 

Mas quanto mais progressista, independente e gentil com o seu povo a China se torna, mais esta é atacada e antagonizada pelo Ocidente, e mais escrutinado ao microscópio é o seu modelo comunista.

 

Pela direita, por racistas e imperialistas, tudo bem, é natural. Agora, pela esquerda?

 

O problema é que a esquerda ocidental subscreve o excepcionalismo ocidental quase tanto quanto a direita o faz.

 

Exige pureza, grande sacrifício e austeridade a países como a China e a Rússia.

 

Como já descrevi em muitos dos meus ensaios e livros, incluindo o Revolutionary Optimism, Western Nihilism, não sobra praticamente nada de puro em Londres ou Paris. Quase ninguém está disposto a comprometer-se com algo ideológico, sobretudo com a luta revolucionária. O sacrifício ou a austeridade são totalmente alheios aos europeus ou aos norte-americanos, independentemente do seu espectro político.

 

Mas espera-se que os chineses e os russos se comportem como santos.

 

Na realidade, o planeta inteiro deveria parar de consumir, de conduzir carros caros, de usar sapatos e malas de marca e, se possível, parar de viajar.

 

Todos estes privilégios são reservados aos ocidentais e às elites dos seus estados "vassalos".

 

Tal nunca é dito desta forma, de uma assentada. Mas é isso que os intelectuais de esquerda ocidentais, com a sua ultrapassada e mundialmente rejeitada "lógica anarco-sindicalista" de facto querem, querem sufocar as gargantas de todos os povos não-ocidentais.

 

E eu respondo: tal distorcida lógica é insultuosa, repugnante até!

 

Durante séculos, o Ocidente roubou e saqueou tudo e todos por esse mundo afora.

 

Botas de marca era o que os "cavalheiros" britânicos e franceses usavam para espetar pontapés nas virilhas e nas nádegas de "não-pessoas". Roupas de marca eram usadas pela primeira e segunda gerações dessas refinadas senhoras europeias na América do Norte, enquanto a população nativa ia sendo exterminada e escravos trabalhavam e eram violados nas plantações.

 

Não quero ver ocidentais a falar de moda e a dizer quem tem direito ou não de ser "obcecado com isso". Acredito sinceramente que os europeus e os norte-americanos não têm absolutamente nenhum direito de julgar ninguém nem de "aconselhar" ninguém  em nenhuma parte do mundo sobre como viver, o que vestir ou o que consumir.

*

Tanto o povo chinês como o povo russo trabalham imenso. Trabalham muito mais do que a maioria das pessoas na Alemanha ou na França. E, ao contrário dos ocidentais, não saqueiam, não exploram ninguém.

 

Se ganham dinheiro e decidem gastá-lo da maneira que decidem, hipócritas ocidentais não têm nada a ver com isso.

 

Independentemente das medidas de "austeridade" que europeus e norte-americanos possam tomar (como desligar as luzes da casa de banho, ou usar meio descarga na casa de banho), a pilhagem que os seus países continuam a perpetrar e os privilégios de que gozam todas as suas sociedades são avassaladores e sem precedentes. Sim, certo, os europeus reciclam algumas folhas de papel, mas fazem-no enquanto as suas multinacionais se apoderam e privatizam aquíferos inteiros na América do Sul.

 

A China e a Rússia já estão a fazer tudo o que podem para salvar o mundo e o ambiente do mortífero imperialismo ocidental. Se trabalham para isso, os seus cidadãos têm todo o direito de comprar os telemóveis mais recentes ou pares de elegantes sapatos. Se quiserem viajar até Tailândia ou até à Turquia para férias, onde está o problema? Tais decisões não os tornam nem mais nem menos comunistas ou internacionalistas.

*

Mas não é assim que o Ocidente vê as coisas.

 

Esta a ver, o que esses "camaradas" na França, nos EUA ou no Reino Unido realmente exigem é que todos escutem as suas definições sobre o que é ou não esquerda, sobre o que é ser comunista ou capitalista.

 

Não se pode confiar às grandes culturas da China ou da Rússia a decisão dessas definições. A definição tem de ser delineada nalgum sofá em Londres, ou num bar em Nova York, ou nalguma universidade euro-centrista. Tem de ser um "marxista tradicional" ou anarco-sindicalista a fazê-lo, e de quem se espera que ponha o seu selo de aprovação e diga a esses "selvagens" quem eles realmente são.

 

O Ocidente pode até andar obcecado com o "politicamente correcto", mas é mais racista do que nunca. Racista e fundamentalista, há que acrescentar!

*

Tenho uma proposta a fazer: se o Ocidente está assim tão preocupado com os cidadãos chineses e russos que querem conduzir carros decentes e usar roupas elegantes, por que não insistem para que se ponha fim à produção destes artigos na sua própria origem: França, Itália, Estados Unidos? Os seus países perderiam por certo milhões de postos de trabalho mas, se são assim tão escrupulosos, porque não? Porque é que eles próprios não se vestem com trapos?

 

Não, a sério, porque é que eles próprios não constroem esse comunismo "puro e duro"?

 

Até ver, tudo o que a "esquerda" ocidental fez foi mudar de cor feita camaleão; traíram tanto o socialismo quanto o comunismo e acabaram por não fazer absolutamente nada; em vez de luta, apenas a crítica constante àqueles que realmente se encontram ocupados a tentar construir um mundo muito melhor.

 

Estamos fartos de ser instruídos e aconselhados por esses ocidentais. Estou farto de ouvir, nessas moradias de luxo da América do Norte e da Europa, ao sabor de bebidas caras e sentado confortavelmente nessas cadeiras e sofás de pelúcia, como os chineses, os russos e os vietnamitas devem desistir de desejar os mais recentes telemóveis e roupas de marca. Estou farto dessas declarações bizarras, vindas de anarco-sindicalistas que vivem em marinas de luxo nalgum recanto de Nova Inglaterra, nas quais insistem que "a China não é verdadeiramente comunista porque tem alguns bilionários".

 

Periodicamente, venho ao Ocidente para discursar, para participar na estreia dos meus filmes ou para lançar os meus livros. Inevitavelmente, sou convidado para vir à noite "àqueles lugares de alta moralidade abstracta". Lugares onde os cães têm uma vida melhor do que os cidadãos dos países africanos ou asiáticos neocolonizados. É sempre a mesma música.

 

Foi desta que me fartei de vez.

 

Obrigado mas não precisamos de aconselhamento. E somos inteligentes o suficiente para saber e definir quem somos.

 

A "esquerda" ocidental deve se ocupar dos seus próprios problemas. Perderam nos seus próprios continentes, nos seus próprios países. Actualmente não têm uma única figura que possa inspirar o mundo. Tudo o que fazem é ladrar contra os verdadeiros revolucionários e contra os países onde o comunismo e o socialismo se encontram firmemente no poder. Ladram porque não têm nada de importante a dizer. Ladram porque não têm coragem para lutar. Ladram porque nunca serão eleitos e, na realidade, não têm sequer forças para governar. Eu acredito que a razão pela qual ladram é a de não gostarem absolutamente nada de verdadeiros comunistas e de verdadeiros socialistas, esses que enfrentam o mundo real, questões reais e inimigos reais.

 

O comunismo e o socialismo ganharam noutros lugares, em vários lugares da Ásia e da América Latina, até mesmo no Médio Oriente. As pessoas nessas latitudes lutaram corajosamente. E ganharam, não graças à esquerda ocidental, mas apesar dela.

 

Já chegámos à conclusão que o egocêntrico e pomposo excepcionalismo ocidental se assemelha ao fanatismo religioso. A esquerda ocidental não é excepção.

 

Não nos querem apenas "puros", querem-nos pobres, humilhados e submissos, para que assim possam ter pena de nós e constantemente fingir que andam a tentar nos salvar (não para o nosso próprio bem, mas para o seu próprio).

 

Infelizmente para eles, nós não precisamos da sua caridade. Estamos a ganhar. Quem não é cego pode ver claramente que a China e a Rússia estão firmemente de pé e a marchar em frente. E outros países independentes também estão a ganhar.

 

Sabemos exactamente quem somos e não precisamos de conselhos. E o que somos não ficará em perigo se as nossas mulheres e homens usarem roupas de marca ou conduzirem bons carros. Na realidade, alegar o contrário é chocante paternalismo, é lixo racista.

 

André Vltchek

 

Traduzido para o português por Luís Garcia

Versão original em inglês na NEO - New Eastern Outlook.

 

André Vltchek é um filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu e cobre guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus últimos livros são Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o revolucionário romance Aurora e um trabalho best-seller de análise política: “Exposing Lies Of The Empire”. Em português, Vltchek vem de publicar o livro Por Lula: O Brasil de Bolsonaro - O Novo Tubarão Num Mar Infestado de Tubarões. Veja os seus outros livros aqui. Assista ao Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo, assim como ao seu filme/diálogo com Noam Chomsky On Western Terrorism. Pode contactar André Vltchek através do seu site ou da sua conta no Twitter.

 

Leia também:

Por Lula: O Brasil de Bolsonaro - O Novo Tubarão Num Mar Infestado de Tubarões

(Traduzido por Luís Garcia)

 

 

 

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