Bom sucesso para todos no Novo Ano, por Ricardo Lopes
Agora que se avizinha o novo ano, queria começar por desejar a todos uma completa e realizada integração no novo ano.
Desejar a todos que a vida que tiveram desde que nasceram se repita neste novo ano. Que neste novo ano, haja a mesma rotina escolástica para a criançada, a mesma rotina de trabalho para os adultos, a mesma organização semanal com dois dias de descanso, o mesmo número de dias de férias e, já agora, nos sítios onde toda a gente gosta de ir, e toda a costumeira rotina de feriados e festividades, outra pascoa, outro natal, outro dia de aniversário, outro halloween, outro dia de ação de graças, outro hannukah, e, já agora, outro ano novo. Não desejo coisas rotineiras como estas a pessoas que não festejem os eventos que enumerei, porque essas não estão integradas na sociedade global e, portanto, estão condenadas ao insucesso. E, claro, no ano novo deseja-se o sucesso e a boa aventurança.
E, já agora, e para deixar a coisa aviada, ate porque posso morrer antes do ano novo de 2018, deixo já desejado o mesmo loop anual para todos os restantes anos que forem vivos.
Desejo-vos, com toda a boa vontade e sinceridade, que possam sentir-se realizados na repetição das estruturas sociais, tradições e costumes que tanto sentido dão à vossa vida. Aliás, se não fosse isso, a vida não faria sentido, não é?
Desejo-vos um tal sucesso na capacidade de darem sentido à vossa vida pela repetição de eventos anuais, que os vossos filhos possam olhar para vocês, para cima, com orgulho, por saberem como será a vida deles, com todos os detalhes, dali a 30 anos, 40 anos e 80 anos, se lá chegarem. Que sensação de segurança fenomenal!
Para quê passar pelo stress sufocante de ter de tomar decisões, quando a vida pode já estar decidida e agendada ao segundo por quem tem muito mais e melhores e competências para o fazer?
Quero, também, que tenham a oportunidade de entrar com o pé direito no ano que marca o nascimento de um tipo muito importante, mas que na verdade ninguém sabe ao certo que tenha existido, muito menos que tenha nascido no ano a que lhe é atribuído o nascimento. Mas o que importa? O que importa é que vamos celebrar o 2017, não é? O que interessa o que marca? Até pode marcar o dia do nascimento de um sírio filho de uma prostituta bastardo de um judeu que nem sequer lhe pagou, porque é na poupança que se enriquece. Mas, quem é que vai querer estragar as ilusões que tanto sentido dão à nossa vida, com essas coisas chatas de se pensar?
O universo "nasceu" há cerca de 13.8 biliões de anos atrás, mas também para quê ter de escrever que estamos no ano 13800000016, quando podemos abreviar a coisa para coincidir com o possível mas não comprovável nascimento de um filho de uma senhora da vida bastardo de um judeu capitalista (passe o pleonasmo)? Se pode ter coincido com o nascimento de um personagem de uma história de fantasia compilada no livro Bíblia, também pode coincidir com o personagem que acabei de inventar.
A Terra "nasceu" há cerca de 4.6 biliões de anos. Mas, mais uma vez, para quê ter de escrever que estamos no ano 4600000016, ou o raio que for, quando podemos abreviar a coisa para coincidir com o possível mas não comprovável nascimento do trisavô do gajo muçulmano que inventou o método cientifico 1000 anos antes dos europeus?
A vida "nasceu" na Terra há cerca de 500 milhões de anos. Mas, mais uma vez, para quê ter de escrever que estamos no ano 500000016, quando podemos abreviar a coisa para coincidir com o possível mas não comprovável nascimento do tetra tetra avô do gajo que pegou nos vikings e decidiu ir ate à América 600 anos antes do Cristóvão Colombo?
Humanos anatomicamente modernos surgiram à cerca de 200 mil anos atrás. Mas, mais uma vez, para quê ter de escrever que estamos no ano 200016, quando podemos abreviar a coisa para coincidir com o possível mas não comprovável nascimento do muçulmano que decidiu traduzir os filósofos gregos para irem de encontro à ideologia monoteísta e que serviu de base à teologia medieval?
Há cerca de 50-30 mil anos atrás, os humanos migraram para as Américas, Austrália e Ásia. Mas, mais uma vez, para quê ter de escrever que estamos no ano 50016, quando podemos abreviar a coisa para coincidir com o possível mas não comprovável nascimento de um antepassado da padeira de Aljubarrota?
Há cerca de 11000 anos atrás, as primeiras sociedades complexas começaram a desenvolver-se. Mas, mais uma vez, para quê ter de escrever que estamos no ano 11016, quando podemos abreviar a coisa para coincidir com o possível mas não comprovável nascimento do homem que ia violar a mulher que ia dar à luz o antepassado do Diogo Cão?
E, já agora, foi nessa altura que as pessoas começaram a desenvolver a obsessão de seguir os astros no céu para poderem manter um registo da passagem do tempo, o que desembocou na criação de anos, meses, dias. Calendários foram criados para se adaptarem a princípios religiosos, eventos sociais, para prever o futuro, ou por mera masturbação mental matemática.
Já agora, o ano de 2016, ou o de 2017 vindouro, que tanto veneram, só o é, porque há 1500 anos atrás alguém decidiu que era giro, por exercício de poder, fazer um reset na contagem dos anos para fazer coincidir com o tal possível mas não comprovável nascimento de Jesus Cristo, ou o do tal filho bastardo do judeu capitalista, ou o do gajo muçulmano que inventou o método cientifico, ou o do viking que decidiu passar a perna ao Colombo porque tinha um vidente do caralho que previu que ia aparecer um cágado armado em bom, explorador de pessoas e não de terras, que ia armar-se que tinha descoberto um sítio onde já estavam pessoas e que mesmo outros europeus já tinham descoberto, ou o do gajo que traduziu os gregos para se poder criar a Inquisição, ou o do antepassado da padeira, ou o do violador da antepassada do Diogo Cão.
Mas, outra notação do tempo que se foda, porque dá trabalho a escrever, e porque seria mais científico, e esses gajos da ciência, desde que apareceram só querem andar a foder a nossa posição privilegiada no universo e na vida. Primeiro, foram os caralhos que nos tiraram do centro do universo, depois foi o caralho que nos tirou do pináculo da vida, depois foi o caralho que nos tirou do controlo da nossa mente, agora são os caralhos que dizem que nem sequer livre arbítrio temos, mais os caralhos todos que tentam destruir as construções culturais com as quais cimentamos a sociedade e as nossas ilusões de sentido e de continuidade.
Mas vamos lá celebrar o fim rigoroso de um dia e o começo de outro. Vamos lá fazer de contas que um dia também não é um conceito inventado e que corresponde a algo de altamente rigoroso. Vamos lá fazer de contas que a noção de dia é tão simplesmente metade da Terra estar iluminada no seu movimento de rotação pelo Sol e a outra metade receber apenas luz de diferentes comprimentos de onda de estrelas mais distantes ou refletida por outros planetas. Mas, se tivéssemos uns olhos do caralho, daqueles que nos dariam mesmo uma vantagem evolutiva do caralho, que nos permitissem detetar radiação infravermelha, então não havia noite. Que cena do camandro, já viram? Era forrobodó 24/7.
E a rotação da Terra e a translação ao redor do Sol não serem exatas? Caralho, estes cientistas só querem é foder-nos as passas e o champanhe. Afinal, é preciso não esquecer que precisamos destas ilusões para organizar a sociedade, e isso legitima a obsessão. Não precisamos de ciência para nada, nem os nossos relógios foram aprimorados ao longo do tempo para sofrer menos perturbações de movimentos, pressão e força da gravidade e marcarem o tempo de uma forma mais precisa. Isso nunca aconteceu. Quem é que quer andar para aí a instrumentalizar a ciência, quando se tem a religião, ou vários tipos de religião, para organizar a sociedade?
Nem as horas foram criadas a observar o movimento da sombra produzida por um pau enfiado na terra, nem nada, que isso é coisa de gente sabuja. Nós cá, gente moderna e desinibida, se enfiamos paus é no cu, que é o único sítio onde estão bem.
E dividir o movimento da sombra do pau em 12 unidades nem foi inventado pelos egípcios nem nada, que calhou que usavam um sistema duodecimal, porque usavam as falanges de 4 dedos da mão, deixando o polegar de fora, para contar, e também porque correspondia ao número de ciclos lunares num ano. Isso não!, que ninguém na sociedade moderna, assim avançada graças ao monoteísmo, anda para ai nas misturadas com pagãos. E isso do horário de verão e de inverno também não foi inventado por eles. Foi tudo inventado pelo Aristóteles e os que o estudaram, seus hereges! E também ninguém andou a medir o tempo à noite a seguir 12 estrelas no céu! Quem é que inventou essa palhaçada?
E quem é que foi inventar que as horas só foram ajustadas para ter a mesma duração apenas há 600 anos? Esses bandalhos que gostam de andar a causas distúrbio social e a fazer a pessoa perder a esperança na vida, por já não se poder agarrar a ilusões, nem a mangalhos, que afinal transmitem doenças. E a duração da hora não foi decidida por usarem um sistema sexagesimal, nem porque 60 é o número mais pequeno divisível por 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Nem foi por usarem este sistema para desenvolver o sistema de latitude e longitude terrestre que decidiram dividir em 60 as horas e os minutos! Mas, quem é que quer saber desta treta toda?
Não há nada melhor do que desejar a outra pessoa que esteja bem integrada neste sistema para poder ter sucesso e cumprir com todos os preceitos sociais que dão sentido à sua vida, depois de deus ter morrido.
Portanto, desejo uns maravilhosos 2 dias presos no transito, 9 dias a verem anúncios comerciais, 15 dias a fazer compras, 80 dias no trabalho, 5 dias a limpar a casa, 20 dias a conduzir, 122 dias a dormir e 12 dias a cozinhar. Mantenham a motivação! Não se deixem ficar para trás neste grande jogo competitivo inventado por um gajo há 200 anos atrás! Podem perder a próxima viagem às Caraíbas por causa disso!
E, se fores mais pequenino, e ainda estudares, desejo-te uns excelentes 2 dias presos no transito, 15 dias nas compras, 50 dias na escola, 122 dias a dormir e 9 dias a ver anúncios.
Portanto, 256 dias em 365 já ocupados para os trabalhadores e 200 para os estudantes. Há coisa mais maravilhosa do que ver gente ocupada, que tem todos os segundos do dia já agendados e programados para tirar o máximo do tempo de vida limitado que tem? E isto sem contar com pausas, que às vezes está-se com uma comichão terrível no nariz e tem de se parar 2 segundos.
Desejo-vos também, porque isso também conta para a salubridade da integração no sistema, uns bons dias passados em filas de espera, nos transportes públicos, a fazer horas extra na escola ou no trabalho, a esperar pela bagagem no aeroporto ou à espera dos pequerruchos antes de poder sair de casa ou de poder fazer seja o que for que não tratar deles depois de os ter tido para se afirmar socialmente e mostrar que se é fértil.
Para quem anda na escola, desejo ainda uns bons tempos letivos aleatoriamente determinadas, e a maior parte das vezes passados sem fazer nada, sem aprender nada, para que alguém muito cioso do programa que tem a cumprir, também ele determinado aleatoriamente, e entulhado de informação completamente irrelevante, te tenta convencer que aquilo é tudo muito sério, embora possivelmente nem ele próprio acredite nisso. E, claro, não questionem o facto de não poderem sair da sala de aula, mesmo que a matéria para aquele dia já tenha terminado, porque sair antes do tempo dá azar e o vosso fim certeiro será como sem-abrigo debaixo de uma ponte. E, se o professor faltar, vão à aula na mesma com o substituto, porque se o que ensina a disciplina nem sabe bem o que está a ensinar, imaginem o substituto de outra disciplina. Mas, já sabem, têm de se ir habituando simplesmente a respeitar as autoridades, porque é certinho que vão apanhar patrões que sabem muito menos do que vocês, mas têm de fazer de contas que sim para manter a sociedade a funcionar. Eles nem queriam tratar-vos abaixo deles, mas tem de ser, senão é anarquia e caos. E nunca falem mal das aulas de educação física, porque são as mais importantes de todas! São aquelas em que vos dizem que vão aprender a trabalhar em equipa, a colaborar, mas em jogos de competição, que é exatamente o mundo real do mercado de trabalho e em todas as outras vertentes da sociedade capitalista moderna.
Para quem trabalha, desejo-vos força de vontade para persistirem numa atividade cuja duração diária não se baseia em quaisquer medidas de progresso ou eficiência. Aliás, podem sempre estar descansados, porque, por mais que trabalhem, vão também passar muito tempo no local de trabalho sem fazer absolutamente nada. Muito tempo livre para ocuparem sem fazer nada.
E, se se sentirem mal, lembrem-se de nunca enveredar por essas coisas a um domingo, porque provavelmente vão-se ver lixados para encontrar uma farmácia, mas sempre podem ir ao casino afogar as magoas, que já sabem que o horário de funcionamento neste sistema é determinado pela quantidade de dinheiro que se faz.
Se se sentirem desiludidos, têm sempre um manancial de distrações audiovisuais, para consumir de acordo com o tempo previamente determinado pela indústria ou pelo canal televisivo para encaixar o filme, o documentário, ou o que for, na programação. Toda a gente sabe que se pode aprender tudo sobre um assunto em 58 minutos, ou ter um grande desenvolvimento das personagens em 90 minutos. Quem disse que não é possível? O sistema prova que é possível. Porque, não se esqueçam que tem de haver sempre tempo para os anúncios, para saberem o que devem comprar para manterem o status social. Se não vos dissessem o que comprar, já viram que vergonha que era a de saírem à rua sem terem exatamente as mesmas posses que todos os outros?
E, se todos estas motivações não bastarem, pensem sempre que podem almejar, semana após semana, pela chegada do fim de semana, para pôr as horas de sono em dia e tratar dos afazeres para os quais não tiveram tempo durante a semana, e levar os putos ao parque, e não terem tempo nenhum para as vossas coisas de qualquer maneira, o que é bom porque assim evitam o contacto com coisas que poderiam perturbar a vossa integração no sistema e causar distúrbios psicológicos vários. E, não se esqueçam, também precisam de tempo livre para consumirem, e para terem trabalho também e não morrerem. Se deixarem de consumir o sistema rui e toda a gente morre ou cai no mais completo caos e perde o sentido para viver.
E, por amor da santinha, não se esqueçam de comprar roupas chiques para a passagem de ano, senão ainda o 2016 se engasga, fica a tossir para sempre e nunca mais morre. Escolham um bom restaurante, onde o vestido dê com a cor da mobília, para dar boas fotos para o facebook e o instagram. Estoirem bem em comida e bebida e fotografem a mesa antes de despachar aquilo, também para mostrar como são pessoas bem de posses.
E, claro, recordem o ano de 2016, recordem o melhor e o pior, porque más histórias também são sempre bons temas para conversa de circunstância. Recordem a grande tragédia que foi o Brexit, a grande tragédia que foi a eleição do Trump. Recordem as imagens manipuladas que os media divulgam sobre criancinhas chacinadas pelo regime sírio. Recordem o que os terroristas islâmicos fizeram em Bruxelas, em Nice, em Orlando e em Berlim. Recordem as choradeiras coletivas, os discursos cheios de floreados que vos fizeram sentir-se humanos de vez em quando, que nos transmitiram para não se esquecerem que são humanos. Recordem que ainda existem líderes políticos boas pessoas, como o Trudeau que gosta tanto dos gays brancos e é aliado da confederação que aniquila vidas diariamente pelo mundo fora. Chorem a ver a milestone quebrada pela SpaceX, porque se foderem este mundo, há sempre a esperança de poderem ir foder outro a seguir. Recordem o passarinho que foi parar propositadamente à frente do Bennie Sanders no discurso, porque os passarinhos reais, tais como os da Bíblia, sabem com quem se dar. Recordem a Ellen, que vos mostra como se pode ser uma pessoa decente lutando pelos próprios interesses e direitos. Recordem os Jogos Olímpicos, para nunca se esquecerem que, por mais merdosos que sejam, por mais que se estejam a cagar para tudo, estão integrados num sistema que promove eventos que integram e permitem a participação de todos, até dos muçulmanos terroristas, tão bonzinhos que somos. Recordem as vitórias dos vossos clubes desportivos favoritos que vos fizeram chorar por alguém ter acertado com bolas em buracos e redes. Recordem o magnífico trabalho audiovisual que vos entreteve durante um ano, como japoneses a enfiarem canetas imaginárias em ananases imaginários, e pretas a abanarem a celulite ao som de músicas cuja letra foi redigida por outras pessoas, tão estúpidas como elas. Recordem o melhor das séries americanas e do youtube. Recordem o Obama a armar-se em rapper. Recordem discursos psicóticos de pessoas que gaguejaram a dizer “amor”, porque já nem o cérebro processa bem essa palavra. E recordem toda a gente que teve tempo de antena na praça pública e que morreu, sem nunca ter feito nada de útil para a sociedade. Recordem tudo isso, porque é o que dá esperança para continuarem a ser uns montes de estrume egocêntricos que, na verdade, não têm de fazer nada de útil, e mesmo assim há uma elevada probabilidade de ficarem para a história por uma estupidez qualquer. Recordem e embriaguem-se nisto, porque, se não fosse isto, só restaria depararem-se com o nada que são, e o nada que apoiam de cada vez que ligam a televisão.
Portanto, tal como o Obama, vou largar o microfone, mas não sem antes vos desejar um 2017 inventado cheio das mesmas palhaçadas inventadas e repetitivas que toda a gente gosta de consumir até à exaustão para que os estímulos constantes não lhes permitam ter 1 segundo para se deparar com a miséria humana que carregam. E, claro, celebrem a mesma vacuidade de sempre.
Resumo do ano segundo o Google Trend
Ricardo Lopes