Boas Férias, por Ricardo Lopes
Desejo um bom evento de origem pagã a toda a gente que está convencida que se trata da celebração do nascimento de uma pessoa que nem se sabe ao certo que tenha existido, mas que se existiu não correspondeu absolutamente em nada à imagem que o catolicismo fez dele, desumanizando-o numa espécie de semi-deus que fazia milagres como arruinar água potável transformando-a numa bebida que provoca um estado alterado de consciência e transformando a mãe dele numa imagem desnaturada da mulher, deturpando a sexualidade feminina. Mas, acho que sim, acho que devem festejar isto.
Desejo a todos uma boa desculpa para ingerirem calorias e nutrientes nocivos em excesso, porque é "tradição". Sabem o que era tradição também? Juntar o pessoal todo para ver pessoas a arder na praça pública. Juntar o pessoal todo para ver pessoas a combaterem até à morte. Sabem o que é tradição? Juntar o pessoal todo num festival para comer cães. Porque o peru, o bacalhau, o pato, ou o que for, são menos animais que o cão. São uma espécie de vegetais ou minerais. Sabem o que é que é tradição também? Comer porcarias o resto do ano todo, mesmo sem precisar de desculpa, e desenvolver patologia diabética.
Desejo a todos que tenham o mais completamente possível um evento que reúna as melhores condições possíveis à melhor expressão possível da hipocrisia social, como juntar pessoas à mesa que se estão a cagar umas para as outras e que são obrigadas a não se matar só porque são da mesma família, muito embora se se andar o suficiente para trás na árvore genealógica, se fique a saber que toda a gente que existe é da mesma família.
Desejo a todos uma boa oportunidade para se fazerem passar por pessoas decentes, a desejar a toda a gente o melhor para a vida, mas a escarrar para o lado de cada vez que passam por um sem-abrigo ou a falar mal constantemente de toda a gente que é minimamente diferente deles.
Desejo a toda a gente que tenham uma fisiologia suficientemente boa para processar quantidades absurdas de açucares e gorduras.
Desejo a toda a gente que possam fazer as resoluções de Ano Novo que nunca vão cumprir, e que sejam suficientemente convincentes a tentar enganar os outros no processo. Desejo também que tenham dinheiro para pagar a inscrição no ginásio onde nunca vão meter os pés, para poderem mostrar o cartão aos amigos e colegas.
Desejo a toda a gente que continuem a ter condições para usufruir de uma posição privilegiada que lhes permite desenvolver preconceitos desinformados em relação a outras pessoas que tentam encontrar uma vida decente nos seus países, vindas de condições miseráveis e de guerra, tendo perdido tudo o que tinham na vida, inclusivamente a tal família, com quem não poderão encetar o teatrinho de se darem todos bem nesta altura do ano.
Desejo a toda a gente que continuem a ter condições privilegiadas para se dar ao luxo de maltratar alguém porque, em vez de lhes desejar "Feliz Natal", deseja "Boas Férias".
Acima de tudo, quero desejar a toda a gente que pode continuar a usufruir das condições em que teve a sorte de nascer e nas quais viver, que lhes permitem ser um monte de ego a mover-se de uma forma inerte na vida, e que a sociedade lhes disponha sempre a oportunidade de poderem ser moralistas, que nunca fazem nada por ninguém que não seja eles próprios, mas que com tanta facilidade julgam e condenam outros, que provavelmente são pessoas muitos mais respeitáveis e decentes do que eles alguma vez serão.
Ricardo Lopes