Apanhados a mentir, EUA e aliados atacam a Síria na véspera da chegada de inspectores internacionais, por Eva Bartlett
Os EUA, o Reino Unido e a França espezinharam a lei internacional e lançaram mísseis contra a Síria, alegando terem "provas" do uso de armas químicas pelo governo sírio. Essa prova é baseada em mentiras terroristas.
Na semana passada, disseram-nos que os EUA e o Reino Unido tinham "provas" de que a Síria usara químicos. A "prova" dependia em grande parte de videoclipes e fotos compartilhadas nas media sociais, fornecidas pelos White Helmets financiados pelo Ocidente (aquele grupo de "primeiros-socorros" que, vá se lá perceber como, só opera em áreas ocupadas pela al-Qaeda e seus aliados, e que participa em torturas e execuções), bem como por Yaser al-Doumani, um homem cuja lealdade ao Jaish al-Islam é clara através dos seus próprios posts no Facebook. Por exemplo este, sobre Zahran Alloush, ex-líder do Jaish al-Islam.
Foi-nos dito que era essa a "prova". Essa e as palavras da altamente parcial Syrian American Medical Society, financiada pela USAID e aliada do Departamento de Estado que, tal como os socorristas da al-Qaeda, apenas dão apoio a médicos dentro de áreas ocupadas por terroristas.
Até mesmo James Mattis, Secretário de Defesa dos EUA, no dia 12 de Abril, disse, perante o House Armed Services Committee, que o governo dos EUA não tinha nenhuma prova de que sarin ou cloro tivesse sido usado e que ele ainda estava procurando por provas.
A Síria, percebendo serem mentiras as alegações, e que as fontes eram dúbias, solicitou que a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) viesse imediatamente à Síria para investigar essas alegações. Consequentemente, a OPAQ concordou em enviar uma equipa (para a qual vistos foram de imediato condedidos pela Síria), que chegou a Damasco no dia 14 de Abril.
O presidente Trump, em vez de esperar por uma investigação para confirmar a sua "prova", decidiu bombardear a Síria na noite anterior à qual chegaria à Síria a equipa de investigação para averiguar a veracidade das acusações. O timing dos ataques é mesmo oportuno. E os bombardeamentos foram ilegais.
O general Mattis tentou andar às voltas em torno da legalidade, afirmando que "o presidente tem a autoridade, nos termos do Artigo II da Constituição, para usar força militar no exterior para defender importantes interesses nacionais dos Estados Unidos".
Mas engana-se, esse artigo não permite que os EUA bombardeiem ilegalmente uma nação soberana, e ele sabe disso. E a Rússia também o sabe. Numa declaração do dia 14 de Abril, o presidente russo Vladimir Putin considerou serem ilegais esses ataques, salientando que:
Sem a autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em violação da Carta da ONU, de normas e de princípios do direito internacional, foi cometido um acto de agressão contra um estado soberano que está na vanguarda da luta contra o terrorismo foi cometido ”.
E se houvessem químicos nos locais atingidos?
No mesmo briefing do Pentágono, o general Joseph Dunford especificou os alvos dos EUA e aliados na Síria, alegando que eses estavam “especificamente associados ao programa de armas químicas do regime sírio”. Um alvo, contra o qual 76 mísseis foram disparados, foi o centro de pesquisa científica Barzeh, localizado na densamente povoada Damasco, que Dunford alegou estar envolvido no "desenvolvimento, produção e teste de tecnologia de guerra química e biológica".
Este "alvo" encontra-se no meio de uma área densamente habitada de Damasco. De acordo com o Dr. (em gestão e em economia) Mudar Barakat, que reside em Damasco, e que conhece a área em questão, “o estabelecimento consiste em vários edifícios. Um deles é um instituto de ensino. Estes encontram-se muito perto das casas das pessoas ao redor. ”
Referindo-se aos bombardeamentos, Dunford afirmou que "infligiram danos máximos, sem desnecessários riscos para inocentes civis".
Se alguém acreditasse serem correctas as alegações, salvariam realmente estes bombardeamentos vidas sírias ou, pelo contrário, causariam mortes em massa? Onde está a lógica de bombardear instalações que se acredita conterem produtos químicos perigosos e tóxicos em áreas densamente povoadas ou perto delas?
Em relação à verdadeira natureza dos edifícios bombardeados, a agência de notícias síria, a SANA, descreve o Instituto de Pesquisa de Indústrias Farmacêuticas e Químicas como estando "focado na preparação de composições químicas para medicamentos contra o cancro". A destruição deste instituto é particularmente amarga visto que, sob sanções, está proibida a venda de medicamentos contra o cancro à Síria.
Entrevistas com um dos seus funcionários, Said Said, corroboram a descrição da SANA sobre a instalação que produz componentes para o tratamento de cancro e outros. Um artigo inclui este raciocínio lógico de Said: “Se houvesse armas químicas, não poderíamos estar aqui. Estou aqui desde as 5:30 da manhã, em plena saúde, não estou tossindo."
Sobre a instalação, o mesmo artigo da SANA destaca que os seus laboratórios haviam sido visitados pela OPAC, a qual emitiu dois relatórios negando as alegações de quaisquer actividades com armas químicas. Este é uma questão que foi levantada pelo embaixador da Síria, al-Ja'afari, na reunião do Conselho de Segurança da ONU no 14 de Abril, sublinhando que a OPAQ “entregou à Síria um documento oficial confirmando que o centro de Barzeh não era usado para nenhum tipo de actividade química” que desrespeitasse as obrigações da Síria para com a OPAQ.
Bombardeamentos baseados em alegações da al-Qaeda e do Jaish al-Islam
O "tratamento" realizado pelos "rebeldes", com água e bombas anti-asma, não é de todo profissional, e muitos dos "pacientes" parecem não ter problema nenhum. É teatro. O pessoal médico real é visto em segundo plano trabalhando com um verdadeiro paciente”.
O Ministério da Defesa da Rússia divulgou entrevistas com dois homens que aparecem na gravação onde se alega ter ocorrido um ataque químico. Um dos homens, Halil Ajij, disse que trabalhava no hospital em questão e que ali trataram pessoas por envenenamento com fumo, afirmando que: "Nós tratámo-los com base na sua sufocação" e que "Não vimos nenhum paciente com sintomas de envenenamento por armas químicas ”.
Numa entrevista à Sky News, do dia 14 de Abril, o ex-embaixador britânico na Síria, Peter Ford, argumentou que o nível mais baixo no jogo de acusações é o de se permitir que inspecções ocorram de verdade.
estágio mais elementar do jogo de acusações é permitir que a inspecção real ocorra.
A prova de que armas químicas foram usadas é inexistente. Deixem os inspectores entrar e, possivelmente, dentro de dias teremos um veredicto. Só que o júri ainda lá não está. Estou totalmente confiante de que os inspectores não produzirão a mais minúscula prova que corrobore as afirmações dos americanos. Se os americanos tivessem provas, já as teriam mostrado. O que eles e a Sra. May estão dizendo é apenas 'acredite em nós, confie em nós'. Desta vez, nem há sequer um dossiê duvidoso."
Israel e os EUA são quem ganha com estes ataques... e são culpados de uso do uso de armas químicas
Enquanto o mundo fica de olhos vidrados por obra de jornalistas de media corporativos leitores de guiões de armas químicas, pouca atenção é dada ao israelita massacre e mutilação de protestantes palestinianos desarmados, assassinatos premeditados que voltaram no dia 30 de Março, quando pelo menos 17 palestinianos desarmados foram mortos enquanto realizavam protestos no leste de Gaza. Os assassinatos israelitas desses jovens, homens e mulheres desarmados resultou apenas numa simbólica reprimenda da ONU, e rotulados de "confrontos" pelos servis media corporativos. Israel escapa impunemente dos assassinatos cometidos, enquanto o olhar mundial é desviado para outro lado.
De acordo com o secretário Mattis, o ilegal ataque liderado pelos EUA contra a Síria "demonstra a determinação internacional para evitar que armas químicas sejam usadas contra qualquer pessoa em qualquer circunstância em desrespeito do direito internacional".
A ironia? Simples, tanto os EUA como o seu grande aliado Israel usaram armas químicas contra civis. Os EUA atacaram civis no Vietname e no Iraque com armas químicas, para citar apenas dois países.
Em 2009, eu vivia em Gaza e andava documentando os crimes de guerra de Israel quando Israel bombardeou civis em toda a Faixa de Gaza com fósforo branco. Estes eram civis que não tinham para onde correr ou se esconder, incluindo civis que haviam fugido de suas casas e se abrigado numa escola reconhecida pela ONU. Eu mesmo documentei numerosos exemplos do uso de fósforo branco em Israel.
Se isto não deixa indignados os cidadãos norte-americanos, os milhares de milhões de dólares dos contribuintes norte-americanos enviados para Israel e gastos no bombardeamento de nações soberanas, e não nos empobrecidos e inacessíveis serviços de saúde dos EUA, deveria os indignar.
No entanto, como salientou o autor Jonathan Cook, a questão não é apenas as ameaças de Trump à Síria:
Há apoio bipartidário a esta loucura. Hillary Clinton e a liderança democrata nos EUA, e grande parte da bancada do Partido Trabalhista no parlamento do Reino Unido, apoiam completamente estas acções. Aliás, estão incitando Trump a lançar ataques ”.
Ao não atacar as forças russas na Síria desta vez, os EUA evitaram um confronto militar directo com a Rússia, que teria ramificações globais, para dizer o mínimo.
A questão agora é: será que a aliança de mudanças de regime será estúpida e cruel o suficiente para apoiar mais um ataque químico de bandeira falsa nos seus intermináveis esforços de depor o presidente sírio, ou desistirão do jogo e permitirão o retorno total da paz à Síria? Os EUA e seus aliados reivindicam sua preocupação pelos civis sírios, mas fazem tudo ao seu alcance para garantir que os civis sofram com terrorismo e com sanções.
Eva Bartlett, 15.04.2018
traduzido para o português por Luís Garcia
versão original em inglês: Caught in a lie, US & allies bomb Syria the night before international inspectors arrive