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Agarrem que é polícia

23.08.15 | Luís Garcia

bw VIAGENS Luís Garcia

 

CASOS DE POLÍCIA – EPISÓDIO 2


AGARREM QUE É POLÍCIA (Roménia, 2002)
No fim do verão de 2002, em Bucareste, andava eu passeando pelas ruas da cidade tirando fotos com a minha primeira máquina digital, quando uma situação extremamente insólita teve lugar em frente ao Arco do Triunfo romeno. No momento em que me preparava para guardar a máquina na mala e partir em busca de outras atracções fotografáveis, estacionou à minha frente um velhíssimo Dacia da polícia militar romena, do qual saiu um polícia de meia idade barrigudo com cara de mafioso e um jovem com cara de pacóvio lobotimizado envergando equipamento militar e segurando uma metralhadora apontada à minha pessoa! O mais velho perguntou-me “que raio fazia você ali?”. Eu, surpreso, expliquei-lhe que tinha simplesmente acabado de tirar fotos ao Arco do Triunfo. Segundo ele, era proibido tirar fotos àquele monumento nacional e ordenou-me que entrasse na viatura. Perante o absurdo da acusação protestei e recusei momentaneamente entrar no carro, mas ele lembrou-me que a metralhadora do deficiente continuava apontada a mim e que o melhor seria obedecer. Foi o que fiz.

 

Durante vinte minutos o mais velho conduziu o carro até um perigoso subúrbio da cidade, uma zona repleta de delinquentes, gente estranha, imensa sujidade e edifícios completamente degradados. Se já ia vendo a vida andar para trás durante esse trajecto, ouvindo os sorrisos maquiavelicamente assustadores do condutor e as suas ameaças de “muito dinheiro que irás ter de nos pagar”, assim que o carro parou naquele surreal caos urbano, entrei por um minuto num pânico hipnótico, como que sentido-me sair a voar dali em forma de alma penada. Mas depressa recuperei consciência plena da situação, respirei fundo e pensei para mim mesmo “se te deixares aparvalhar ou amedrontar é que não sais mesmo daqui vivo, portanto há que lutar pela vida”! No início julgava que a minha vida correria de facto perigo, basta analisar bem a situação: primeiro, encontrava-me num daqueles lugares onde, se houver um crime, ninguém ouvirá, ninguém verá, ninguém saberá jamais sobre o sucedido. Segundo, tinha uma metralhadora constantemente apontada ao meu peito. Terceiro, um mafioso e um troglodita saídos de um filme de terror grotesco pareciam não me querer libertar sem antes receber de mim os 200 dólares que eu efectivamente não possuía. Quarto, caso me libertassem do carro naquele bairro repleto de bandidos arruaceiros e se fossem embora, a hipótese de eu sair dali pelos meus próprios pés vivo seria menos que nula. No entanto, com o passar da hora e meia de lenta e diplomática negociação (e porque na altura felizmente falava um pouco de romeno), comecei a aperceber-me que os dois, pese embora a sua draconiana aparência e o seu criminoso comportamento de me raptar sem justificação nenhuma, no fundo, não passavam de dois pacóvios sobrevivendo com muito maus salários e com famílias para sustentar que andariam à caça de turista endinheirado e tinham falhado completamente o alvo (a máquina digital deve ter sido a razão do equívoco).

 

Apercebia-me então que não me iriam fazer mal algum, que apenas queriam dinheiro (que eu não tinha), e portanto o que eu precisava era de uma forma de lhes dar a volta à cabeça, fazê-los mudar de ideias e desistirem dos dólares de uma forma o mais cordial possível. Entretanto o meu novo grande receio era ser ali deixado por eles. Eureka! “Dado o nível intelectual extremamente medíocre destes dois gajos, por que não lhes impingir este raciocínio (pouco) lógico: a máquina é digital, as fotos também, posso apagar as criminosas fotos mostrando-lhes essa acção no ecrã do aparelho, e depois defendo-me que com o objecto do crime apagado já não haverá razão para me reterem mais e peço para me levarem de volta ao centro da cidade”. Não custava nada tentar. Ridículo, sim, mas os dois, além de não muito inteligentes, mostravam claros sintomas de cansaço e já tinham percebido há muito que não levariam dinheiro nenhum de mim e então aquiesceram. Pediram-me para apagar devagar as fotos de forma a que eles vissem bem que não os estaria a enganar. Acabada a operação, o mais velho ligou o carro e conduziu-me de volta ao centro, onde me deixou em frente ao Arco do Triunfo rigorosamente no mesmo lugar onde 2 horas antes me tinham raptado. Deram-me dois passou-bens, desejaram umas boas férias na Roménia (!) e despediram-se cordialmente!

 

Tirando as duas fotos que apaguei em frente às autoridades, ainda hoje tenho fotos do Arco do Triunfo romeno tiradas nesse dia, pela simples razão de ter apagado na presença dos dois trapaceiros apenas os dois últimos ficheiros, quando só deste monumento tinha tirado mais de dez fotos!

 

Álbum de fotografias (fraco fraquinho):

Luís Garcia, 23.08.2015, Lampang, Tailândia

 

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