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A Rússia avisa Bolton: comentários sobre a "Doutrina Monroe" são insultuosos para a América Latina, por André Vltchek

02.05.19 | Luís Garcia

 

Andre Vltchek Política ECONOMIA 

 

O que é a "Doutrina Monroe"? Resumidamente, é um documento que define o inteiro Hemisfério Ocidental como um "quintal" dos Estados Unidos. "Filosoficamente" justifica o neocolonialismo de Washington e os golpes mais bárbaros que tem desencadeado, assim como as suas intervenções cobertas e descobertas nas Caraíbas e na América Central e do Sul.

 

E agora, John Bolton, Conselheiro de Segurança Nacional, está usando esta expressão para se referir à Venezuela, a Cuba e à Nicarágua, deixando revoltados aqueles que se opõem à política externa dos EUA na região. O que John Bolton quer dizer é bem simples, embora nunca seja pronunciado com tanta franqueza: os países do Hemisfério Ocidental não deverão nunca ser autorizados a ser socialistas e devem ser impedidos de desobedecer às ordens ocidentais.

 

Em Doha, no Catar, O ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, expressou a sua indignação perante a evocação feita por Bolton da "Doutrina Monroe" numa altura em que o Ocidente vai fazendo tudo o que pode para derrubar o governo socialista e democraticamente eleito da Venezuela:

A teoria e a prática de "quintais" é , no geral, insultuosa..."

 

Sergei Lavrov acrescentou ainda que:

Desde 1945, aquando da fundação da ONU, o direito internacional tem vindo a ser regulado por esta universal e mais legítima organização.

 

Obviamente, não é assim que os Estados Unidos vêem o mundo. Talvez nunca tenham sequer considerado tal abordagem.

*

Mas voltemos à "famosa" Doutrina Monroe.

 

De forma surpreendente, esta nem sempre teve como objectivo intimidar e brutalizar nações latino-americanas independentes e progressistas.

 

De acordo com a definição do Departamento de Estado dos Estados Unidos:

A Doutrina Monroe foi uma política norte-americana de oposição ao colonialismo europeu nas Américas a partir de 1823. Esta afirmava que futuros esforços das nações europeias para assumir o controlo de qualquer estado independente na América do Norte ou do Sul seriam vistos como «uma manifestação de hostilidade para com os Estados Unidos».”

 

E portanto, pelo menos em teoria, era suposto esta política andar a tentar travar o expansionismo colonialista europeu. Uma coisa destas, nos dias de hoje, soa quase a algo de inacreditável!

 

Que pena que a doutrina tenha evoluído para uma das ferramentas de opressão mais sem escrúpulos da história moderna!

 

Contradizendo o seu significado original, os Estados Unidos usaram a "Doutrina Monroe" para derrubar praticamente todos os governos patrióticos, progressistas e de esquerda do Hemisfério Ocidental; governos esses que fizeram resistência aos egoístas interesses geo-políticos de Washington, ou os interesses das empresas americanas, incluindo a infame United Fruit Company, famosa por tratar praticamente todos os países da América Central como se fossem suas plantações privadas.

 

Mais tarde, durante a Guerra Fria, a política externa dos EUA em relação à América Latina foi construída com base na crença de que a "Doutrina Monroe" deveria ser invocada a fim de evitar a propagação de comunismo apoiado pelos soviéticos naquela região.

 

O que se seguiu é bem conhecido: massacres na América Central, golpes brutais e ditaduras fascistas no Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e noutros países; dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças "desapareceram". Esquadrões da morte assassinaram, violaram e torturaram por todo o lado, desde a Guatemala e o El Salvador, até à Argentina e ao Chile.

 

A luta pela hegemonia norte-americana era cinicamente designada como uma "luta pela democracia". A escravidão foi definida como "liberdade". A "Doutrina Monroe" tornou-se sinónimo de Operação Condor, com monstruosas salas de tortura e com pessoas sendo atiradas vivas para o mar a partir de helicópteros.

*

Agora, a administração Trump está trazendo de volta esses antigos e letais guerreiros da Guerra Fria, promovendo-os a posições elevadas. As mesmas pessoas que assassinaram, conspiraram e aplaudiram assassinos. A lista parece um catálogo de "procura-se por crime de genocídio": Elliott Abrams, Michael Pompeo e, sim, John Bolton.

 
Estes indivíduos, como é óbvio, não sentem quaisquer remorsos.

 

Ainda há pouco John Bolton declarava que:

Nesta administração não temos medo de usar a expressão "Doutrina Monroe". Este é um país situado no nosso hemisfério, e tem sido objectivo de presidentes americanos desde Ronald Reagan ter um hemisfério completamente democrático.”

 

Referia-se à Venezuela, pois claro.

 

E foi assim que a "Doutrina Monroe", de quase 200 anos, foi revitalizada; posta em mortíferos trabalhos uma vez mais.

 

Conforme noticiado pelo Daily Star:

O Sr. Bolton afirmou que a administração de Donald Trump "não tinha medo de usar a frase «doutrina Monroe»", quando perguntado por que razão estava visando a Venezuela, enquanto mantém alianças estreitas com tiranias como a Arábia Saudita. A doutrina, que remonta à década de 1820, via o hemisfério ocidental como uma zona de influência dos EUA.”

 

É evidente que, desta vez, o que o Sr. Bolton tem em mente sobre a "Doutrina Monroe" não tem nada a ver com a luta contra o colonialismo europeu. O que ele tem em mente é uma interpretação belicosa da doutrina: uma justificação para o imperialismo ocidental em todo o Hemisfério e, talvez, em todo o planeta.

 

Sergei Lavrov correctamente definiu as observações de Bolton como "insultuosas". Essas observações são também mortíferas, indicativas do que a política externa ocidental pode se tornar em breve, ou já se tornou, num retorno intransigente e sem restrições à forma mais dura de expansionismo.

 

Aquilo que os EUA tentaram (talvez) evitar há cerca de 200 anos, mais tarde os EUA juntou-se a isso e até o "aperfeiçoou". E, agora, está tentando levá-lo a um extremo absoluto.

 

André Vltchek

 

Traduzido para o português por Luís Garcia

Versão original em inglês na NEO - New Eastern Outlook.

 

André Vltchek é um filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu e cobre guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus últimos livros são Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o revolucionário romance Aurora e um trabalho best-seller de análise política: “Exposing Lies Of The Empire”. Em português, Vltchek vem de publicar o livro Por Lula: O Brasil de Bolsonaro - O Novo Tubarão Num Mar Infestado de Tubarões. Veja os seus outros livros aqui. Assista ao Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo, assim como ao seu filme/diálogo com Noam Chomsky On Western Terrorism. Pode contactar André Vltchek através do seu site ou da sua conta no Twitter.

 

Leia também:

Por Lula: O Brasil de Bolsonaro - O Novo Tubarão Num Mar Infestado de Tubarões

(Traduzido por Luís Garcia)

 

 

 

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