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A China cria, Macau queima e rouba, por André Vltchek

18.02.19 | Luís Garcia

 

Andre Vltchek Política Sociedade   ECONOMIA 

 

É um lugar realmente incrível: monstruosos hotéis e casinos norte-americanos a poucas centenas de metros da China continental. Todo aquele tipo de coisas kitsch que normalmente associamos a Las Vegas ou Atlantic City, só que em maior, muito maior! Na verdade, Macau possui a maior concentração de casino do mundo.

 

Esses casinos, na sua maioria confinados ao interior dos mega-hotéis norte-americanos, facturam cerca de 5 vezes mais dinheiro aqui do que em Las Vegas.

 

Você deseja visitar um gigantesco templo de mau gosto, com uma falsa Praça de São Marcos, com canais, com gôndolas (os gondoleiros não cantam O Sole Mio, graças a Deus, visto que são portugueses na sua maioria) e com massa demasiado cozida? Encontrará tudo isto aqui no Venetian, um dos maiores edifícios da terra e o maior casino do universo!

 

Deseja outro vulgar monstruosidade com uma falsa Torre Eiffel que se acende assim que a noite cai, para deleite dos exércitos de selfies? Então viste o Parisian, também aqui, em Cotai, Macau, juntamente com o falso Campo de Marte que faz dupla como um (mais uma vez falso) ringue de patinagem no gelo.

 

Macau é minúsculo, tem apenas cerca de 115 km quadrados. Mas, com cerca de 650.000 pessoas, é um dos lugares mais sobre-populados do mundo. Já não há espaço para andar por aqui. Macau é um completo pesadelo urbano, e também um fracasso impulsionado e "justificado" apenas pela ganância. Mas os seus planos são napoleónicos. O território quer cada vez mais. Ou, mais precisamente, o governo de Macau, juntamente com as grandes empresas ocidentais que querem cada vez mais visitantes, cada vez mais casinos, lojas de luxo e, claro, lucros.

 

24 horas por dia, 365 dias por semana, Macau suga, como uma monstruosa turbina, milhões (na verdade milhares de milhões) de dólares, yuans e de qualquer outra moeda que consiga entrar no seu território. Atrai como um íman massas de pessoas da RPC, muitas vezes ainda ingénuas, inocentes e indefesas quando confrontadas com formas brutais e extremas de capitalismo e sua propaganda.

 

Em Janeiro de 2019, visitei vários casinos em Macau e, não surpreendentemente, constatei que há muito poucas mesas de roleta tradicionais e uma enorme quantidade de máquinas controladas electronicamente. Tudo é barulhento, confuso e sem transparência. Os casinos ocidentais tratam os chineses como crianças acéfalas. Pelo menos, na roleta clássica, ganha principalmente o casino em "neutro" (zero), dando ao jogador um nível de chance muito justa. As máquinas electrónicas e futuristas, pelo contrário, são uma farsa, e podem "limpar" por completo um jogador em apenas algumas horas ou mesmo minutos. Mas esse é, óbvia e precisamente, o objectivo.

 

Sinto-me horrorizado ao ver hordas de bons cidadãos chineses (da RPC), que trabalham no duro construindo o seu belo país, vir aqui para este falso universo de Macau, onde deitam literalmente para o lixo as suas economias em tresloucada e convulsiva ignomínia.

 

No dia 23 de Janeiro de 2019, a partir de Hong Kong, a CNN informava que:

As autoridades chinesas dizem que interceptaram uma rede clandestina de contrabando de dinheiro usada para lavar mais de 4,4 mil milhões de dólares através do centro de apostas asiático de Macau.

O caso é um exemplo perfeito da luta de Pequim contra as tentativas de contorno do seu controlo sobre os capitais, a qual tem vindo a apertar-se nos últimos anos para evitar que o dinheiro fuja do país, desestabilizando a economia.

A polícia Judicial de Macau disse que a organização foi criada em 2016 e contava com máquinas de pontos de venda (dispositivos usados pelas lojas para realizar transacções com cartões de crédito ou cartões de débito) que foram contrabandeados da China.

Estas, em teoria, permitiam que os cidadãos chineses fizessem levantamentos das suas contas bancárias como se estivessem a realizar transacções domésticas, contornando assim os rigorosos limites chineses à quantidade de dinheiro que as pessoas podem movimentar através das suas fronteiras."

 

Em teoria, os cidadãos chineses só podem tirar do país um máximo de 100.000 yuans, o que equivale a aproximadamente uns 15000 dólares por ano. Mas, os empresários e gangues locais, estão sempre à procura de lacunas.

 

Os gangues de Macau são viciosos e lidam com enormes quantias de dinheiro. Antagonizá-los é perigoso. Mesmo jornalistas e académicos, ligados a este pequeno mas super-rico território, preferem não falar abertamente; apenas sob condição de anonimato. De forma sarcástica, um bom amigo meu respondeu-me assim  ao meu pedido para o citar:

Acho que não poderia contribuir em nada para a sua abordagem de olhos abertos e, para mim, dizer a verdade sobre o que vejo em Macau, esta outrora aldeia piscatória produtora de foguetes agora tornada num paraíso capitalista, seria como arriscar-me ao crime de lèse-majesté em Banguecoque, fazendo troça das torres douradas do Palácio Real.

*

Na antiga zona histórica portuguesa de Macau, que por acaso é Património Mundial da UNESCO, quase já não há espaço para uma pessoa se mexer. Os fins-de-semana são "mortíferos", com monstruosos "engarrafamentos de peões" e filas de mais de uma hora para o táxi. E, nos dias de semana,  a situação não é muito melhor.

 

Pequim tentou reprimir o jogo e, durante algum tempo, teve sucesso. Mas durante os últimos meses, os casinos têm vindo a recuperar. As lacunas são demasiado numerosas. Entretanto, o território entrou em pânico ("Deus nos livre de não podermos fazer tanto dinheiro como antes!") e começou a tentar atrair ainda mais turistas, principalmente do continente, por todos os meios disponíveis: uma nova ponte, anúncios... e começou também a atender aos gostos mais baixos. Casas históricas foram pintadas em cores de rosa kitsch, de um azulado vulgar, de esverdeado e até de tons de amarelo. A cultura e a arte quase desapareceram. E tudo se tornou mass-produced e falso, incluindo a "comida portuguesa".

 

MAC2

 

Sinceramente, tudo o que Macau representa é errado: já arruinou milhões de vidas humanas graças ao jogo em massa. Rouba milhares de milhões de dólares à China Continental. Em vez de educar as pessoas, oferece uma cultura falsa e,  na realidade, é uma nojenta paródia ao estilo de Las Vegas. É lavagem cerebral de Chineses, para que eles vejam "o mundo de acordo com a Disney, Hollywood e as grandes cadeias de hotéis dos EUA".

 

Muitos dos gestores de hotéis vêm de Portugal (para acrescentar "autenticidade", suponho). São arrogantes, mais norte-americanizados do que os próprios norte-americanos, ambiciosos e sem escrúpulos. Muitos deles falam da China continental com despeito e de forma sarcástica. Falam de tretas sem sentido como a típica "democracia" ocidental e a sua "liberdade de expressão".

 

Despojada de autenticidade e decência, Macau adoptou uma cultura repulsiva e exploradora. Por falar em "notícias falsas" e em cultura falsa,  tudo o que é falso está aqui, em Macau.

 

Do outro lado do estreito, na RPC, belas cidades modernas vão crescendo, simples e elegantes; com confiança; construídas para o povo.

 

Em Macau, moral, o espírito socialista e poupanças familiares estão a ser arruinadas e queimadas.

 

"Um país, dois sistemas" foi longe demais em Macau. O território não produz nada. Quiçá, nem sequer os tradicionais foguetes. Apenas consome e perverte.

 

Uma das empregadas do Sheraton Macau, uma senhora filipina nascida em Macau, confessou-me:

Já não reconheço a minha cidade natal. Costumava ser um lugar calmo e bonito. Agora está completamente arruinado.

 

Eu também já não reconheço Macau. E as pessoas que aqui vêm, provenientes da China continental, tendem a mudar rapidamente. Será esta mais uma subversão ocidental, mais uma das suas tentativas para quebrar a China em pedaços? Sem dúvida que sim! O governo da RPC deveria em breve tomar medidas mais decisivas para proteger o seu povo e os seus fundos.

 

André Vltchek

 

Traduzido para o português por Luís Garcia

Versão original em inglês aqui.

 

André Vltchek é um filósofo, romancista, cineasta e jornalista de investigação. Cobriu e cobre guerras e conflitos em dezenas de países. Três dos seus últimos livros são Revolutionary Optimism, Western Nihilism, o revolucionário romance Aurora e um trabalho best-seller de análise política: “Exposing Lies Of The Empire”. Em português, Vltchek vem de publicar o livro Por Lula. Veja os seus outros livros aqui. Assista ao Rwanda Gambit, o seu documentário inovador sobre o Ruanda e a República Democrática do Congo, assim como ao seu filme/diálogo com Noam Chomsky On Western Terrorism. Pode contactar André Vltchek através do seu site ou da sua conta no Twitter.

 

Fotos de André Vltchek.

 

 

 

 

 

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