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Pensamentos Nómadas

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“Neoguerra”, NATO e o assassínio da Sérvia

18.08.15 | Luís Garcia
 POLITICA Luís Garcia
 

 

DEFINIÇÃO DE NEOGUERRA

 

  • “Não, não se trata de uma guerra, [mas sim de] golpes desferidos em nome do direito.”, Leonel Jospin, antigo primeiro-ministro francês;
  • “Guerra humanitária”, Tony Blair;
  • “Dever de ingerência”, Bernard Kouchner;
  • “Peacemaking”;
  • “Peacekeeping”;
  • “Ingerência humanitária”;
  • “Guerra justa”;
  • “Intervenção humanitária”.

 

nato_logo

 
Quando em 1995 os EUA/NATO bombardearam exaustivamente as infraestruturas civis sérvias, matando umas centenas de civis sérvios (“danos colaterais” empentagonês) pelo caminho, os principais líderes ocidentais conseguiram atribuir ao feito os mais ridículos eufemismos jamais vistos (ver lista cima). Nenhum líder ocidental ousou chamar a coisa pelo nome.  Porquê? Por que razão não lhe chamar simplesmente guerra? Ou invasão? Ou aniquilação? Ou destruição bárbara? Não… chamaram-lhe a esta guerra: “manutenção de paz”. Seja. Mas por que razão?
 
Porque segundo a vontade dos senhores da NATO, esta guerra de invasão e submissão não poderia ser declarada enquanto tal, e muito menos compreendida como tal pela populaça desinformada e facilmente manipulável. Porque a “NATO é a polícia do mundo”; a polícia é um agente do bem; logo a NATO faz o bem; quem faz o bem não pode fazer o mal, e a guerra é uma manifestação brutal do mal. Intervenção humanitária? Ah, sim, assim é outra coisa, soa bem e dá uma bem-vinda limpeza purificadora às consciências daqueles que por entre as massas hesitem perante as imagens de manifesta violência física desmesurada! “Intervenção humanitária”? Sim, como quiserem. O resultado será sempre o mesmo: massacre, destruição, miséria e morte…
 
 
DANOS COLATERAIS PROPOSITADOS
 
Confissão de um oficial da NATO ao Nouvel Observateur, no dia 1 de Julho de 1999 sobre os “danos colaterais” na invasão à Sérvia, e que se tratavam afinal de actos premeditados de terror, logo camuflados por hábeis tácticas de propaganda – desinformação e esquecimento-, as faces “macias” da neoguerra:
 
  • “Quanto aos erros, tínhamos uma táctica bastante eficaz. Na maior parte dos casos conhecíamos as causas e as consequências exactas desses erros. Mas para anestesiar as opiniões, dizíamos que estávamos a fazer um inquérito e que as hipóteses eram múltiplas. Só revelávamos a verdade quinze dias mais tarde, quando ela já não interessava a ninguém”

Carlos Santos Pereira no seu livro sobre a verdadeira face da NATO1, não tem qualquer pudor em afirmar que:“E o que faz digna de nota a confidência do oficial da NATO (…) não é mentira em si. Não é sequer o massacre confesso. É a presunção de impunidade com que a bravata é proferida.” Ridículo portanto sequer tentar defender a “imaculada face” da NATO.

  • Ironicamente ou não, até Henry Kissinger, o terrorista-mor dos nossos tempos, criticou o tratamento dado à Sérvia aquando dos bombardeamentos de 1999: “Que espécie de humanismo se expressa pela recusa em sofrer perdas militares e pela devastação da economia civil do adversário nos próximos decénios?”

“Considero moralmente odioso (…) recusar [ao adversário] o mínimo de reconhecimento que consiste em qualificá-lo de inimigo.”afirmou e bem Pierre Manent. Pois é precisamente o que ocorre hoje em dias nos ataques terroristas da NATO. Defendendo-se com o falacioso argumento da guerra pela paz, da guerra humanitária, a NATO e seus estados constituintes rebaixam e humilham a vítima da sua agressão, não a respeitando sequer como inimiga de guerra, subtraindo a vítima dos consequentes direitos (tratamento de prisioneiros, por exemplo), subtraindo-se a si própria das estabelecidas obrigações éticas da guerra (não atacar infraestruturas civis não relacionadas com a máquina de guerra, por exemplo), e rebaixando a sua vítima à condição de pátria ignóbil merecedora de uma boa humilhação ou repreensão dada pelo império policial sob o olhar apático da plebe mundial submissa.

  • “a guerra tem as suas normas, (…), se não há guerra, não há regras, não há declaração de guerra (não há voto na assembleia nacional), não há chicanas jurídicas, não há mais reparações nem crimes de guerra.”(Daniel Bensaid)

 

GUERRA É PAZ

time - bombing serbia

TIME MAGAZINE, 11.09.1995 (METENDO OS SÉRVIOS DE JOELHOS – UM MASSIVO BOMBARDEAMENTO ABRE O CAMINHO PARA A PAZ)

 
PARECE QUE NINGUÉM SABE O PORQUÊ
 
Já muita gente se deve ter perguntado por que razão os mesmos adoráveis, simpáticos e democratas EUA que vieram nas vésperas da já quase terminada Segunda Grande Guerra Mundial “salvar a Europa” e “presenteá-la” primeiro com o renascimento económico e depois com a certeza de uma paz perpétua, voltaram depois, no fim do milénio, para bombardear de forma atroz e tenaz a quase totalidade das infraestruturas civis da Sérvia (pontes, linhas férreas, comboios, centrais eléctricas, reservas alimentares, reservas de água, entre outras), fosse esta ou não o demónio eslavo que as TV’s ocidentais proclamavam. Demónio ou não, nenhuma resolução da ONU autorizou jamais qualquer bombardeamento sobre a Sérvia, e mais demoníaca será po certo a mente de quem fria e conscientemente autoriza a destruição económica a longo prazo de um pequeno país como a Sérvia, simplesmente porque este teve a coragem e a altivez de querer provar que um diferente sistema político, mais saudável que o selvagem capitalismo anglo-saxónico poderia ser possível neste mundo pós Guerra Fria e pós queda do Muro de Berlim. Outro exemplo de corajosa altivez, Cuba, sabe bem o que bem custam 50 anos de embargo mundial como forma de erroneamente provar que a sua alternativa também não presta neste mundo de ditaduras económicas e mercados birrentos. Ou a Venezuela socialista e bolivariana que sofre constantemente agressões sob a forma de tentativas de golpe de estado (20022, 2004, 2007, 2013, 2014), sabotagem económica (paro petrolífero de 2003, escassez de alimentos de 2013-2014), entre outras.
 
  • “Durante a Guerra Fria, a NATO, reivindicou os créditos de guardiã e grande responsável por meio século de paz no Velho Continente. Dez anos depois da queda do Muro, é à custa das bombas e dos mísseis que massacraram a Sérvia que a NATO se afirma uma vez mais como o pivot da ordem europeia.”1
  • “Os bombardeamentos da NATO violaram abertamente as regras políticas e jurídicas estabelecidas no convívio das nações. Marcam por isso um ponto de ruptura. Os princípios do direito e da concertação tinham sido cilindrados pelo argumento da força. Como em 1939, quando Hitler lançou os Stuka e os Panzernazis contra a ordem de Versailles.1

 

Não quero de forma alguma fazer a apologia do indefensável, não afirmaria jamais que estavam certos os militares e políticos sérvios que autorizaram e perpetraram os vários e sobejamente conhecidos genocídios bósnios e croatas. No entanto não posso deixar de mostrar o meu descontentamento e repulsa pela desconstrução propagandista do que de facto se passou na então Jugoslávia, infelizmente tão bem orquestrada pelos donos do planeta, graças à sua incrível máquina de propaganda chamada imprensa livre. Há uns anos atrás, num debate sobre a Guerra dos Balcãs na Universidade do Minho (Braga), um ex-militar da NATO (cujo nome não me recordo) fez uma incrível confissão: poucos meses antes do início das hostilidades nos Balcãs, representantes dos diferentes estados da Jugoslávia reunidos com representantes da NATO e da UE em Bruxelas garantiram solenemente que não haveria derramamento de sangue nem tampouco conflito armado caso a Jugoslávia viesse a desmoronar-se. Mais importante ainda, esse ex-militar contou-nos que na altura a sensação para ele (e para a maioria dos militares com quem partilhou a sua opinião) era de que todas as solenes promessas não passavam de ocas palavras, prenúncios mais que óbvios do terror por vir, agravados por uma tensa atmosfera de inimizade e sorrisos amarelos típicos de quem diz “branco” com as palavras e “preto” com a linguagem corporal. Do discurso deste ex-militar tiro duas preciosas informações: primeiro, a forma como decorreu a cimeira demonstrou aos líderes ocidentais que o terror estava para breve, mas que era ainda possível de se evitar. Segundo, o facto de ter sido realizada tal cimeira em Bruxelas e pela NATO, e o facto dos seus líderes terem conscientemente tapado os olhos aos prenúncios de guerra, indicam o interesse (qual interesse? certamente o fim do funcional logo alternativo sistema socialista jugoslavo) que o desmoronamento da Jugoslávia se desse, indiferentemente das muitas vítimas civis necessárias, indiferentemente da necessária destruição total da Sérvia.
 
 
 
 
O OUTRO LADO E O PORQUÊ
 
É interessante constatar que toda a gente já ouviu falar dos massacres bósnios, dos massacres croatas, de Srebrenica, de demoníacas figuras sérvias como Milošević,Karadžić ou Mladić. De tudo o que se ouviu dos media ocidentais a conclusão tornar-se óbvia: A Sérvia e os sérvios são o inferno e respectivos demónios. A minha visita à Sérvia em 2008 no entanto presenteou-me com a surpresa de encontrar um dos povos mais amáveis e acolhedores que já visitei. Voltando ao assunto, é unânime no ocidente a repulsa para com tudo o que esteja relacionado com a Sérvia, pois Sérvia soa a massacres, ódios infundados e horrores inimagináveis.
 
No entanto, quantos de nós no mundo ocidental ouviram falar de massacres de sérvios? Quantos ouviram falar de Krajina? Quantos sabem que até as forças militares croatas admitiram que só foi possível massacrar os civis sérvios graças à ajuda dos bombardeamentos da NATO? Um interessante artigo online (apenas em inglês) descreve bem a relação estreita entre as forças armadas croatas e a NATO, assim como os horrores sofridos pelos civis sérvios às mãos desses dois: The Invasion of Serbian Krajina3.
 
  • “A «ingerência humanitária» tem-se revelado na prática selectiva e arbitrária. Bombardeia-se a Sérvia em nome dos direitos dos Albaneses, mas dá-se cobertura à limpeza da Krajina e assiste-se sem pestanejar ao genocídio do Ruanda. Bombardeiam-se os iraquianos em prol da minoria curda, mas entregam-se os mesmos curdos às mãos do aliado turco. Sacrifica-se a população de Timor-Leste aos apetites de Suharto, armam-se os Pinochet contra as populações da América Latina – tudo em nome dos mesmos «preceitos morais».”1
Ou quantos pararam para pensar sobre a demissão do governo holandês aquando da descoberta de que os capacetes azuis do exército Holandês tinha permitido e assistido em Srebrenica ao genocídio de bósnios muçulmanos às mãos do exército sérvio sem reagirem de forma alguma, como que se de uma romana plateia se tratassem, divertindo-se com o grotesco espectáculo de gladiadores devorados por bestas selvagens? O governo holandês demitiu-se porque o embaraço era extremo, mas nenhum media ocidental se atreveu a fazer as cruciais conclusões: primeiro que não era suposto que a cumplicidade passiva de capacetes azuis no massacre se tornasse pública; segundo, que era por demais óbvio e lógico que ao ocidente (representado pela NATO/Capacetes Azuis) interessasse a ocorrência de genocídios croatas ou bósnios, de forma a legitimar mediaticamente a destruição da Sérvia e a aniquilação do seu sistema socialista.
 
E que dizer das grotescas manobras de propaganda televisiva anti-sérvia, como a dos pneus ardendo em Dubrovnik?
 
  • “Devoir d’ingérence – A expressão foi popularizada pelo actual chefe da administração da ONU no Kosovo, no Outono de 1991. Perante as imagens de televisão mostrando colunas de fumo a erguerem-se dos vetustos muros de Dubrovnik, Kouchner apelava aos quatro ventos a uma punição internacional contra os sérvios. Kouchner sabia que as colunas de fumo eram provocadas por pneus queimados pelos croatas atrás das muralhas da cidade. Mas a manobra resultou. O prémio chegaria oito anos depois.”1
 
Ou ainda, a muito importante e absolutamente ignorada presença do exército alemão na Croácia durante os anos precedentes à guerra, treinando e preparando secretamente a Croácia para um futuro evento já então previsto pelo poder alemão – caso contrário, como se explicaria então tão prolongada presença, tão específicos treinos de guerrilha e, sobretudo, tão extremo secretismo por parte dos alemães.
 
 
CONCLUSÕES
 

Na minha humilde opinião, baseada na análise do factos a que tenho acesso, tudo não passou duma engenhosa construção ocidental, uma bem organizada guerra civil jugoslava de fachada; apetrechou-se minorias étnicas com armamento moderno, deu-se-lhes treino militar e ordenou-se-lhes pressionar os sérvios, ameaçá-los com a possibilidade do confronto. Os sérvios foram na cantiga e jogaram o mesmo jogo. Os media ocidentais foram prévia e sabiamente doutrinados a endemonizar a Sérvia. Com o desenvolver do conflito e do número de ocorrências bárbaras, mais fácil ainda foi fazer passar a imagem da sérvia diabólica, escondeu-se e bem, por outro lado, as atrocidades dos bósnio-croatas… Policiou-se maquiavelicamente com capacetes azuis as atrocidades sérvias, garantindo que estas ocorressem e garantindo que fossem do conhecimento público. Com tudo isto, claro que o poveco aceitou tranquilamente o dilúvio de bombas, até as terroristas bombas de urânio empobrecido…

 

E ficámos com o quê? Sérvios humilhados, economia e infrastruturas civis essenciais da Sérvia arrasadas, um retrocesso civilizacional enorme numa Sérvia até à pouco possuidora de um modelo verdadeiramente socialista… Uma Sérvia caída no flagelo imposto da miséria, rendida à então necessária ajuda externa do ocidente capitalista… A economia comunista de cuba atacou-se pelo embargo, a economia socialista da sérvia pela força das bombas. Eis a realidade nua e crua...

 

Afinal, foi o próprio presidente dos EUA da época, Bill Clinton, que justificou o enviou de forças armadas para a Bósnia “(…) sobretudo para defender os nossos interesses e a nossa liderança no mundo”. Que mais dizer…

 

MEDIA ACONSELHADOS:

 

Os novos Muros da Europa, de Carlos Santos Pereira

Os novos Muros da Europa, de Carlos Santos Pereira

 

Stolen Kosovo

 

La guerra infinita

 

 

versão original: Luís Garcia, 09.01.2012, Šironija, Lituânia

versão actualizada: Luís Garcia, 18.08.2015, Lampang, Tailândia

 

BARRA EM CIMA

(1) – citações de Os novos Muros da Europa, de Carlos Santos Pereira

(2) – ver documentários: The War On Democracy, de John Pilger (2007),  The Revolution Will Not Be Televised, de Kim Bartley (2003),

(3) – Documento em inglês sobre o massacre em Krajina: The Invasion of Serbian Krajina

BARRA EMBAIXO

 

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