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Pensamentos Nómadas

Nomadic Thoughts - Pensées Nomades - Кочевые Мысли - الأفكار البدوية - 游牧理念

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Um dia de extremos - 2ª parte

06.01.16 | Luís Garcia
 

 HOLLYWOODICES - EPISÓDIO 6

 

bw VIAGENS Luís Garcia

Eu tenho visto tanta coisa nesse meu caminho, Nessa nossa trilha que eu não ando sozinho, Tenho visto tanta coisa tanta cena, Mais impactante do que qualquer filme de cinema. (Tás a ver?, Gabriel O Pensador)

 

UM DIA DE EXTREMOS - 2ª parte (Mónaco, 2007) – Depois do por-do-sol fomos de novo passear. Dessa vez entrámos num elevador escondido dentro da base do rochedo que ocupa a maior parte do principado e saímos bem mais acima numa avenida luxuosa com vista panorâmica para a costa monegasca. Não possuindo poder de compra para entrar em nenhum dos pomposos estabelecimentos instalados naquela rua, entretemo-nos a analisar pormenores e produzir irónicas conclusões. Uma delas, a título de exemplo, foi a correlação entre luxuosos restaurantes com nomes do género La Maison du Caviar e quantidade de desfibriladores gratuitos instalados nas vias públicas. É um brinquedo caro, mas não reste dúvidas que é bem preciso por aquelas bandas. Concordo que até pode parecer um exagero que o Mónaco disponha de mais aparelhos desses nas ruas do que Portugal tem de hospitais abertos mas, quando se tem tamanha concentração de gente de meia-idade que passa a vida entre mariscadas regadas de champanhe e hora ao sol deitados em iates, fazer o quê? Além disso, dinheiro para os instalar é que não deve faltar! Outra diversão engraçadamente estúpida que descobrimos para passar o tempo foi classificar diversos tipos de produtos expostos nas vitrinas em percentagem relativa do nosso orçamento de viagem (350 euros, 1 mês). Um bolo de aniversário para a criançada 15%. Um par de sapatos de senhora 130% do nosso orçamento. Um smoking 1200%! “Esquece!”, dizia eu para o Diogo e ele para mim. Seguimos sem pressas a rua principal na direcção do famoso Casino do Mónaco. Não, não entrámos, como é óbvio. Ficámos do lado de fora assistindo atónitos ao grotesco espectáculo proporcionado pela multidão de turistas que, de forma quase ordeira, esperava nas filas espontaneamente criadas até que chegasse a vez de cada um deles desfrutar do privilégio de tirar uma fotografia junto a um dos bólides estacionados no parque do casino pertencentes aos milionários apostadores.

 

Já quase noite descemos de regresso à marginal, junto à marina, e uma vez mais para ver bólides passar na estrada! Frustante monotonia monegasca não fosse um dos milionários se lembrar de nos pregar uma espécie de partida. Conduzindo aborrecido o seu Ferrari Enzo (segundo me indicou o Diogo, visto que de carros percebo menos que nada), o rapaz pouco mais velho que nós estacionou mesmo à nossa frente, abriu a porta do passageiro e interpelou-nos. Queria saber se algum de nós gostaria de desfrutar do prazer de dar uma volta ao circuito citadino num dos carros mais caros e mais potentes do mundo. Como eu não ligo nenhuma a carros disse de imediato ao Diogo que podia ir ele. Num segundo momento começámos os dois a dialogar sobre a estranheza do convite e se, parados ali à beira da estrada, feitos parvos, talvez se desse o caso (absurdíssimo) de o dono do Ferrari nos tomar, sei lá, por gente que vendia o corpo, literalmente! Enquanto hesitávamos se seria seguro ou não aceitar o convite, um quarto homem que caminhava no passeio apercebeu-se da situação e sem hesitar entrou no Ferrari. Estupefactos com toda aquela insólita história decidimos esperar e assistir ao seu desenlace. Poucos minutos depois víamos o carro voltar ao ponto de partida. O “sortudo” passageiro sorria como se estivesse nas nuvens. O Diogo, perante a constatação que a proposta era genuína e inocente, ficou chateado por ter perdido a oportunidade única de sentir o poder dum Ferrari Enzo... por dentro!

 

Continuávamos nós a nossa caminhada pela marginal, vagarosos e pensativos quando, de súbito, um senhor parou à nossa frente e meio ofegante começou a contar o seu problema numa fraca mistura de italiano com francês. Teria por certo mais de sessenta anos e o perfil físico típico de utilizadores de desfibriladores, se é que me faço entender. Com muito custo e só à terceira ou quarta tentativa conseguimos decifrar o seu discurso que aparentava ser absurdo. Mas não, o senhor estava era muito nervoso e quase à beira de um ataque cardíaco provocado pela birra do seu filho adolescente. Para seu desgosto, embora a sua fortuna milonária podesse segundo ele adquirir todos os bens que o seu filho desejasse, o rapaz passava a vida amuado com o pai ou embriagado! Ou as duas coisas ao mesmo tempo, como era o caso naquela noite. O pedido do milionário a um par de viajantes com uma fortuna acumulada nos bolsos de cerca de 100 euros era simples: tirar uma foto do seu filho junto nós os dois, “para ver se o raio do rapaz” se animava com a engraçada recordação de tirar uma fotografia ao lado de “gente assim”. “Gente assim” foi dito com um tom pouco diplomático, quase como se tivesse feito o pedido a dois animais falantes num zoo. Apercebendo-se do lapso, pois creio que não tinha sido intencional, o pobre senhor desfez-se em desculpas. Menos pelas desculpas e mais pelo aspecto do iate, com piscina iluminada e uma mesa com o jantar servido, aquiescemos (vendidos!) perante os seus constantes pedidos e fomo-nos colocar um de cada lado do jovem mimado. O rapaz, arrogante e estúpido só não nos espetou um pontapé porque não tinha forças sequer para isso, mas repeliu-nos com uns runhidos de imbecil. Nada feito, o senhor desolado deu-nos as boas noites e recomeçou a discussão com o filho bêbado, cambaleando em sincronia com os passos incertos do filho demasiado perto da berma do cais. Virámos as costas e seguimos na direcção que levávamos antes do incidente, praguejando más sortes e maus destinos àquele mimado que nos tinha feito perder um rico jantar, o qual nos tinha feito lembrar a fome que tínhamos!

 

De mal com a humanidade e armados em filósofos fomo-nos sentar à beira mar. Atrás de nós estava uma roulote de cachorros quentes e sandes. Ainda demos uma olhada mas os preços fizeram-nos mudar ideias. Teríamos de esperar até ao dia seguinte de manhã para comer em Itália. Voltámos a sentar-nos à beira mar, entretidos a admirar a festa ao estilo Fashion TV que estava a ter lugar num enorme iate mesmo à nossa frente, criticando os capitalistas esbanjadores, as beldades vendidas e... desejando encontrarmo-nos no seu lugar.

 

Para quem perdeu a primeira parte: Um dia de extremos - 1ª parte

 

Luís Garcia, 06.01.2016, Lampang, Tailândia

 

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